quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Memórias da redação

No almoço de hoje, em companhia de Ronaldo e Silvio, dois jornalistas, lembrávamos tempos idos, nas redações. As de agora - dizia Ronaldo - lembram os aeroportos do  poema de Quintana: todos os aeroportos do mundo são iguais, excessivamente sanitários e com anúncios de Coca-Cola.

Por conta da conversa, viajei de volta no tempo e lembrei de uma passagem que reúne a pressa das redações, a luta pela boa informação e a piada que não pode ser perdida mesmo com o "dead line" batendo perigosamente à sua porta.

Havia uma greve de eletricitários que conturbava a cidade. Faltava pouco para o tele-jornal começar. Não havia computadores na redação, nos idos dos anos 80, naquela emissora de TV. Cada lauda do jornal era datilografada em blocos de sete folhas, entremeadas com papel carbono. Fico pensando, como a gente dava conta daquilo?

A redação frenética. Uns, apurando os efeitos da greve, o caos nos hospitais, no trânsito. Outros em busca do andamento das negociações. Os mais experientes tinham autonomia de vôo e sabiam o que fazer. Os jornalistas novatos batiam cabeça. Entre eles, uma jovem jornalista, rica de conhecimento, mas crua na profissão, queria ajudar de qualquer forma. Apesar da timidez.

Timida, chegou-se à mesa onde eu - chefe de redação - comandava aquele pequeno exército de jornalistas enlouquecidos. Posso ajudar? Sim, respondi sem tirar os olhos da lauda que escrevia. Pegue um retorno com o Benito, presidente do sindicato dos eletricitários. Ela se foi.

Logo voltou. De novo, meio sem jeito, não querendo incomodar e já incomodando: como eu falo com ele? perguntou. Pelo telefone. respondi, direto e reto. E segui fazendo a minha lauda. O dead line se aproximando cada vez mais. Àquela altura, alguns olhares já se voltavam para o inusitado diálogo entre eu e ela.

Ele se foi  e voltou uma vez mais. Metade da redação esperando para saber qual seria a próxima pergunta. Onde eu acho o telefone do Benito? Na agenda, respondi pensando quase em voz alta: - ai, meu Deus. E ela saiu desabalada em busca de uma agenda. Encontrou. A redação parou quando ela, desavisadamente fez mensão de voltar com uma nova pergunta. E veio: Qual o sobrenome do Benito?

Silêncio total. Num lapso pensei - perco o jornal, mas não perco a piada: Mussolini, respondi fazendo cara de sério. Sem titubear, danou-se a procurar um improvável Benito Mussolini na agenda. A moça ainda teve tempo de levantar a cabeça e começar a dizer - Maranhão, não tem nenhum Benito Mussolini na agenda. Foi quando a redação veio abaixo, numa explosão de risos.

O jornal foi ao ar sem a nota retorno. E o episódio virou uma dessas histórias que ninguém mais esquece.

Um comentário:

  1. O recado do Vagner, que não conseguiu postar, merece estar aqui. Grande abraço, amigo. Obrigado pela sugestão. Estou criando coragem para isso.

    Maranhão,
    Tentei postar este comentário no seu blog, mas tem uma tal de URL que diz que não me conhece. De todo modo, segue a sugestão. Um forte abraço.
    Vagner
    P.S.: continue mandando seus textos, são geniais.

    Maranhão,
    se um dia você tiver tempo, devia fazer uma coletânea de "causos" do jornalismo e publicar em livro, com esse tempero gostoso que você coloca. Comigo aconteceu quase tudo: da repórter que foi cobrir uma eleição de sindicato e me ligou da rua dizendo que não tinha matéria porque não ia ter eleição, pelo singelo motivo de que a urna havia sido roubada; ao assistente que colocou no espelho do jornal a previsão de uma nota sobre um touro que estava solto na rua, no centro de Araraquara e que, ao ser indagado porque não mandou a equipe cobrir o evento, respondeu que estava esperando o corpo de bombeiros capturar o touro; até a produtora que perguntou ao PM - que informou que um acidente estava causando engarrafamento no bairro Quintino e adjacências - onde ficava esse bairro, "adjacências", que ela nunca tinha ouvido falar.
    Um grande abraço.
    Vagner

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