sábado, 28 de março de 2020

Diário de Quarentena - Sábado 28.03.20

Porque é preciso seguir. Tudo vai ficar bem.



sexta-feira, 27 de março de 2020

Diário de Quarentena - Sexta-feira 27.03.20


Foto: Patrícia Leite
A semana que parece um século chegou à sexta-feira, aqui no Brasil.
Hoje, pela primeira vez em sete dias, vesti luvas e máscara e saí de casa para abastecer a dispensa e comprar remédios.

Quando essa história começou, sete dias atrás, eu e Pat, minha companheira de vida, fizemos um estoque compatível com o tamanho do meu apartamento. Sete dias de alimento e tranqüilidade. Saio, portanto, por absoluta necessidade.

Lá fora, encontro um país mudado. A revelia de quem queira pensar o contrário. Não, o que estamos vivendo não é uma coisinha pequena. Não é passageiro. Vai impor que se repense esse jeito veloz de desejar as coisas, de querer sempre mais.

Quem poderia imaginar que, um mês atrás, entrar em um supermercado ou uma farmácia usando luvas e máscara não fosse despertar estranheza? Ainda mais, neste país tropical - até aqui - abençoado por Deus? Mais do que isso: Quem imaginaria encontrar outras pessoas fazendo o mesmo e também achar absolutamente normal?

Há uma disciplina tácita que nos mantém, a maioria dos brasileiros conscientes, a uma distância protocolar e segura de dois metros, uns dos outros. Na fila do pão, à espera do atendimento no açougue, na fila do caixa, em qualquer lugar.

Ainda não há desespero em busca de produtos. Mas as máscaras já não são mais encontradas em farmácias. Nunca foram muitas. Agora, são raridade. Antes da necessidade de usá-las no dia-a-dia, nunca me passou pela cabeça comprar máscaras hospitalares. Álcool também é produto mais difícil de encontrar. No mercado em que fui, não havia papel toalha. Sabe-se lá, por quê?

O que se sabe é que todos estão mais atentos à higienização. O que é um bom sinal quando se luta contra um inimigo invisível, como esse tal coronavírus. Na porta da padaria, um funcionário segura um aspersor com álcool, à disposição de todos que queiram higienizar as mãos, ao chegar ou ao sair do estabelecimento.

No mercado de verduras e legumes, todos os caixas estão protegidos por uma lâmina de material acrílico, de tal forma que o ar que respiramos não seja trocado entre nós (clientes e funcionários).

Mas há uma mudança que é impossível não sentir: tudo está mais caro. Seja pela escassez dos produtos, seja pelo desabastecimento, pela dificuldade de produção... ou, mesmo, pelo oportunismo de alguns. A vida está mais cara em tempos de corona.

Volto pra casa com menos dinheiro, mas abastecido. Antes de entrar no apartamento, sigo os conselhos que médicos e especialistas sugerem: retiro os chinelos e as luvas. Estas, vão direto para o lixo. Os chinelos, para o banheiro onde serão lavados. A roupa segue para a lavagem também. Por fim, um banho se encarrega de me deixar limpo, livre de qualquer vestígio de impureza externa e pronto para seguir a rotina de casa em maior segurança.

É difícil conter  a intranquilidade nos olhos, toda vez que eles param na TV, ou no computador. O medo está entre nós. E vem em ondas com as notícias. O desafio é separar o que é falso e o que é verdade. São os novos tempos.

Quase no meio da tarde, recebo uma mensagem da minha professora Elvira Lobato. A mestra que me batizou de Maranhão Viegas, desde o primeiro dia de faculdade, na UNISINOS. Já lá se vão 38 anos. Nunca nos perdemos de vista e é sempre um prazer receber um sinal enviado por ela.

Hoje, despretensiosamente, me mandou um conjunto de imagens que mostrava monumentos públicos, de várias partes do mundo, protegidos com máscaras nos rostos. Como se fossem, eles mesmos, possíveis vítimas desse novo tempo. Refletiam uma inteligente forma de alertar: o mundo está sob ataque. E o uso correto de uma máscara pode salvar muitas vidas.

Pronto. Estava ali a inspiração que eu precisava para oferecer ao Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil, do qual estou Editor-chefe, uma crônica de sexta. Ela nasceu. E está logo aí embaixo. Assim, encerro a primeira semana de isolamento. Vida que segue.



terça-feira, 24 de março de 2020

Matei o bicho!


Isabel e Inocêncio
Meus pais. 
por Innocêncio Viégas 


"Se correr o bicho pega! Se ficar o bicho come!" O que fazer? - Matar o bicho!

A coisa aqui está pra lá de Bagdá. São cinco filhos, todos buzinando em nossos ouvidos, prevenindo-nos para não sairmos de casa. 

A Bel cumpre religiosamente todos os preceitos, eu, que fui um menino sem muita folga, filho único, escolhi a liberdade. Sem ter o que fazer, além dos afazeres da cozinha, fui arrumar a biblioteca. Logo veio a proibição: livro velho tem ácaro, poeira e faz mal a idoso, pode provocar alergia e a queda de imunidade é uma porta aberta, entendeu? Porta? Lembrei-me da porta da rua. Guardei a escada, dei tchauzinho para os livros e fui procurar algo para sair de casa. Logo achei: pagar o boleto da conta do cartão, na loteria. 

- Não vai ficar zanzando por aí, o menino te leva, disse a Bel, referindo-se ao Guga, nosso filho mais novo. Guga me levou à loteria, paguei a conta, fiz uma "fezinha" e já voltamos. Lembrei que estava cabeludo. Pedi então, ao menino, que me deixasse no barbeiro, é perto de casa, quando terminar volto andando. Ele não questionou, boa praça que é, deu folga para o velhão aqui. Ele saiu e eu, em vez de ir para a barbearia, fui primeiro à padaria. 

Lá encontrei a "velharada" tomando café e falando em coronavírus. Arrepiei-me todo, pedi um pingado grande e um pão com manteiga na chapa. Deitei e rolei na gostosura e tomei parte no papo dos coroas. Despedi-me dos amigos e fui, agora, para a barbearia. 

O coitado do barbeiro estava solitário. Nenhuma vivalma havia aparecido. Ao ver um candidato abriu o sorriso e já foi colocando a máscara e calçou as luvas. Ofereceu-me a velha cadeira "Ferrante"dos velhos tempos das saudosas barbearias. 

Disse-lhe como queria o corte e, em lugar do sabão, na hora do arremate com a navalha, preferi álcool. Ele concordou. A televisão, no alto da parede dizia que 348 idosos, na Itália haviam partido desta para melhor e estavam cremando os corpos para matar a peste. 

O Guga chegou em casa, a Bel não me viu. - Cadê o pai? - Ficou na barbearia, falou o Guga. Incisiva, ligou logo. Atendi e já previ o desfecho. 
- Já terminou? - Não! Respondi.
- Vai demorar? - Só um pouquinho!
- Vou mandar o Guga te buscar!
Pronto! Cortaram o barato do velhão. Fui resgatado.

Matutando, logo achei a solução para a situação. Resolvi ficar confinado dentro da adega. Se álcool 
é bom para evitar o vírus, é lá que o danado não entra.


Peguei um dos livros do irmão Fagundes de Oliveira, um livro pequenino "danado de bão", com 
o título "Relicário". Passei à leitura. Vou recordar os velhos tempos e, na virada de cada cinco páginas, um gole da "marvada" para matar o bicho. Tô numa boa! 

Vocês ainda estão pensando nessa coisa ruim? "Sigam o líder!" Vamos matar o bicho. Não esqueçam de derramar um pouquinho pro Santo. 

Bicho morto, passeio garantido! A onda vai passar!
Bebam com moderação!
Matei o bicho! 

Innocêncio Viégas - É meu pai. E também é: Teólogo – Escritor; Membro das academias: Acad. de Letras de Brasília; Acad. Maçônica de Letras do DF; Acad. Maçônica de Letras Paranaense; Acad. Maçônica de Letras e Artes do Brasil – GOB; Acad. Taguatinguense de Letras; Confraria dos Amigos da Boa Mesa – COMES; Academia Maçônica de Letras do Maranhão (correspondente); Academia Maçônica Internacional de Letras; ANE – Associação Nacional de Escritores – Instituto Histórico e Geográfico do DF - CERAT.
Email – inocencio.viegas@gmail.com

Diário de Quarentena - Terça-feira 24.03.20



Chove em Brasília.

São as águas de março que seguem caindo depois de fechar o verão. O tempo lá fora ajuda a decidir: Não ligo a TV, não ligo o rádio, não abro o twitter.  Saio da cama para o café da manhã com minha preta. Minha companheira de vida e de quarentena. O exercício de compartir uma vida nova em um mundo reduzido a quatro paredes. Uma descoberta, um aprendizado, uma comunhão.

Falo por telefone com mãe, pai, filhos, irmãos e amores. A fala pode ser curta, mas substitui, na medida do possível o calor do abraço ausente.

Recebo do trabalho as missões que me cabem. Cumpro com afinco. A cabeça pede mais, mas a distância me impõe limites. É assim. E vai ser assim por um tempo.


Rotina, disciplina e método. Receita desses tempos estranhos. Pequeno manual de sobrevivência, indispensável para a saúde do corpo e da mente.

O dia passa enquanto Almir toca sua viola no aparelho de som. Saudade dos velhos amigos. Saudade de um tempo de antes. Vida que segue.

Nerudas, Manuéis,  Galeanos e Mia Coutos, nos protegei da insanidade do mal da intolerância, nos livra da brutalidade, nos acolhei em suas letras sagradas. Poesia que salva.


segunda-feira, 23 de março de 2020

Diário de Quarentena - Segunda-feira 23.03.20

A semana começa com trabalho à distância.
A distância que deve ser vencida com persistência.
Com paciência.
E poesia.


Hai cai do isolamento



Sigo sozinho
isolado do mundo
recolhidinho

domingo, 22 de março de 2020

Diário da quarentena - Domingo 22.03.20

Faz três dias hoje.

Quarentena. No dicionário, traduz-se como um período de quarenta dias.

Nos dias de agora, seu significado implica estar afastado, isolado, protegendo os outros e a si mesmo de uma doença invisível, implacável com quem se descuida.

Quarentena. Palavra que se incorpora ao vocabulário de forma imposta. Eu não pedi. Ninguém pediu. Mas não há como ser diferente. Sendo mais explícito: Desde que o mundo passou a conviver com o COVID-19, por aqui também chamado de "Novo Coronavírus", os especialistas sugerem o isolamento populacional como a melhor forma de conter a expansão do vírus e de se proteger dele. Então, lá vamos nós. Isolados e sobreviventes.

Os primeiros dias são um misto de assombro, incredulidade e "não sei o que fazer". Há a sensação de sobra exagerada de tempo. Mas, no tempo que sobra, o corpo quer fazer algo (ou muito), a mente se atrapalha e a gente termina fazendo coisa nenhuma (ou, pouca coisa). É um contrassenso. Mas é assim. Até que a quarentena seja melhor compreendida. Ai, as horas e as coisas possíveis começam a se encaixar.

Manter o ambiente limpo é a regra numero um. Sempre há o que limpar. Há sempre algo impuro por perto. E a impureza é a melhor morada do vírus, de todos os vírus. Depois da limpeza, descanso. Porque ninguém é de ferro. E a cabeça precisa descansar.

Se informe, mas não exagere. Estabeleça um limite para as notícias ruins. Elas são muitas e chegam sem que a gente peça, aos milhões  por segundo.

Assistir filmes antigos, ler livros, acompanhar séries. Tudo vale. Mas é preciso organizar-se. A tendência da gente é querer experimentar tudo ao mesmo tempo agora. Vá com calma.

A quarentena está só no começo. E o começo de tudo, quando se tem algo inédito e assombroso pela frente, exige concentração e equilíbrio. Eu tento. E escrevo. E exercito a minha poesia.


Enquanto quarenteno, 
escrevo e penso. 
Enquanto quarenteno, 
sobrevivo.
Enquanto quarenteno 
descubro vida nova  
entre quatro paredes
E sou impelido a ser capaz 
de reinventar o mundo.

Sobre sonhos e pesadelos

Resultado de imagem para o mundo

Visto daqui o mundo parece ter diminuído. À medida de uma gota. Perigosa gota. Visto daqui meus olhos enxergam um susto, um surto, um monstro. Como naqueles pesadelos de criança. Como nas noites de vento frio e falta de cobertor. 

Naqueles tempos, a monstruosidade assustava em sonho. E acabava no exato momento de acordar. Um segundo antes de o pior acontecer. Puf! A realidade vencia o medo. Ficava o espanto, que a gente dava conta de aturar. E com o passar do dia, o espanto ia ficando pequenininho, pequenininho, até sumir. À noite, na nova noite, não havia monstro, não havia pesadelo, o sono voltava ao normal. 

No hoje de agora, o sono pesa, custa a chegar. Dormindo não se descansa, acordado nos falta a paz. Nossos monstros de agora são tão reais quanto invisíveis. Dormir e acordar já não serve para espantar o que nos assombra o tempo todo. Monstro voraz que nos alcança em todo lugar. 


Está em nós, entretanto, alcançar o que ele não alcança. Tolerância. Aquilo que perdemos há algum tempo. Paciência, que ficou esquecida, sem valor agregado já faz hora. Leveza, que nos pesa de tão pesados.

O que o mundo uniu em velocidade instantânea, o que levou tanto tempo pra ser alcançado, nesse começo de século se perdeu como em sonho assombrado de criança, que não consegue se ver livre dos monstros, mesmo quando acorda. 

O que antes parecia unido e forte, for perdendo vigor, valor, valia. O ser humano virou bites. Mais zeros do que uns. Numa batida imperfeita e veloz, a imperfeição tomou conta do espaço sem dar permissão a desejos de sanidade. Insanos, nos tornamos estranhos. Monstros de nós mesmo. Nem dormimos , nem acordamos. Monstruamos. 


E agora, que a vida é posta em cheque, resta reconhecer o labirinto que construímos e perceber que não há saída à vista, se seguirmos sós, se insistirmos na solidão das nossas verdades absolutas, brutos, arrogantes, ignorantes.   

Achar o rumo, encontrar a saída, acordar do pesadelo adulto em que nos metemos exigirá humildade. Despidos dessa volúpia fugaz que nos envolve, a cada um e a todos, é capaz que se encontre uma nesga de luz. 


Antes, porém, haverá dor. Uma dor que não somos capazes de medir, a não ser quando nos alcança bem perto do peito, no fundo da alma. O mergulho que nos espera, dolorido e sem norte, é também o que nos levará a uma nova consciência. 


Quem sabe, uma descoberta da urgência infalível – corpo que pede espírito. Alma que transcende ao tempo. Matéria em fazimento orgânico de um nascimento novo, aprendendo a ser humano. De novo.