quarta-feira, 30 de abril de 2014

Caymmi é cem!

Marina de la Riva canta  Dorival Caymmi, pra festejar os cem anos que ele faria, caso estivesse vivo hoje. Viva, Caymmi!

terça-feira, 29 de abril de 2014

Um traço no céu

Olívia ao centro. Rodeada de filhas e netas.
Olívia partiu ontem.

Enquanto esteve por aqui, foi personalíssima. No jeito de encarar a vida, de superar o tempo, de vencer desafios, de criar filhos e de colorir as mesas de domingo da família Poltronieri.

Mariza e Olívia
Conheci Olívia em 79, quando estudei em Maringá. Ela era mãe da Mariza, amiga querida, com quem partilho lembranças de mais de 35 anos de história, desde os bancos do Colégio Marista.

Muitas das minhas manhãs de domingo, em Maringá, tiveram o sabor das macarronadas de Olívia. O seu jeito de dar ordens não deixava dúvidas sobre a sua autoridade familiar, mas era também a forma mais explícita de demonstrar carinho.

Sua marca registrada? Um batom vermelho nos lábios e os cabelos, sempre arrumados.

Ontem, Olívia virou um traço no céu.



segunda-feira, 28 de abril de 2014

O céu de Silvestre

Silvestre agora quer tombar o céu de Brasília.
Alguém se arrisca a duvidar? 
Silvestre em ação.
Ele não para nunca. 
O ‪Silvestre Gorgulho é um poeta visionário. Pessoas como ele são absolutamente indispensáveis para quebrar a frieza dos dias, para romper o morno do cotidiano e para sacudir a mesmice do trivial.

Vira e mexe, ele inventa uma. Carrega Brasília embaixo do braço, pelo mundo afora, com o peito estufado de um menino que cuida de um brinquedo precioso. Já levou os traços de Niemeyer e Lúcio Costa para a Alemanha, para a França, para a Itália... Silvestre não respeita fronteiras.

Assim, correndo o mundo como um moleque que corre em busca da barra do dia, Silvestre cumpre um papel inestimável de proteger um bem imemorial, um Patrimônio da Humanidade que tantos nos orgulha. Brasília.

Silvestre e Brasília, em Paris. 
Ele abala as estruturas do raciocínio cartesiano provocando debates tão oníricos quanto imprevisiveis.  Já faz uns dias, Silvestre resolveu pintar em sua tela um outro desenho – impossível para os céticos e para os que não enxergam o horizonte além dos muros. Ele defende que o céu de Brasília seja tombado. Isso mesmo, tombar o céu. Os comuns se assustam e perguntam: Isso é possível? Silvestre sorri e faz cara de maroto, com a certeza de que a resposta é sim.


A fé de Silvestre já ajudou a construir torres.
Sua fé irresponsável, inabalável e ilimitada já ajudou a construir museus, praças, torres digitais. Certamente (não duvidem) ainda vai provocar o tombamento do céu desta nossa querida Brasília.

O céu de Brasília e os traços do arquiteto. 

sábado, 26 de abril de 2014

Pavilhão de espelhos

Pra fechar o sábado. Roberta Sá. Pavilhão de espelhos.

O meu Milton

Ontem, levei um susto. Perdi o fôlego.
Tudo, por conta de um comercial de TV.

A história é curta e, literalmente, grossa.

Uma agência de publicidade teve uma ideia brilhante. Comprou os direitos da música "Canção da América", um clássico do cancioneiro nacional, símbolo essencial do Clube da Esquina, composto por Milton Nascimento e Fernando Brant, para usar em um comercial de uma indústria de iogurte e derivados de leite.

Até ai, tudo bem. Um argumento, convenhamos, nada original. Muitos já fizeram isso e produziram peças preciosas.

Nos idos anos 70, quando fumar era bonito e ainda não era pecado, Roberto Carlos emprestou um dos seus clássicos para a marca de cigarros Continental. O filme de um minuto fazia parte de uma série criada para a Souza Cruz, fabricante de cigarros. E contou com o desempenho artístico do galã de TV Herson Capri, para produzir um dos comerciais mais marcantes da TV brasileira.


Zé Rodrix, quando já tinha deixado de ser um dos integrantes do trio Sá, Rodrigues e Guarabira, e começava a se dedicar a criar jingles, que também viraram clássicos, trilhou e protagonizou alguns dos mais memoráveis comercias da TV brasileira. Um deles, para a Pepsi-Cola:


Outro, para uma marca de Jeans que também fez história no Brasil, a US Top:


No início dos anos 80, Rita Lee não só comercializou sua música como permitiu usar sua voz cantando um dos seus maiores hits, Mania de você, numa propaganda de jeans.


Como se vê, no universo capitalista, nada de novidade quando o capital compra a arte para promover produtos.  O problema é que, nos tempos atuais, a indulgência criativa e o mau gosto prevalecem em alguns ambientes publicitários. E o excesso de dinheiro, de um lado, e a falta dele, de outro, são capazes de produzir mostrengos como este - inacreditável, por absurdo - que juntou Danette, Canção da América e Milton Nascimento.


Há quem possa gostar muito de Danette. Nada contra. Há quem, como eu, aprendeu a gostar do Milton Nascimento por tudo o que ele significa para a música popular brasileira, por canções que ele transformou em clássicos, que embalaram amores, lutas e alegrias de tantos.

Particularmente, vou tentar esquecer esse comercial e ficar com o "meu" Milton, da Canção da América original, de Maria, Maria, de Paula e Bebeto, do Clube da Esquina nº 2, do Coração Civil.

E vou torcer para que alguns publicitários gastem mais fosfato em suas ideias criativas. Para não caírem no ridículo, para não nos fazerem sentir vergonha, enfim, para que não destruam em um minuto o que nossos ídolos levaram uma vida inteira para construir.



quinta-feira, 24 de abril de 2014

O mundo submarino de Sophia

Os peixes-submarinos de Sophia.
*Sophia, é uma menina traquina
enquanto brinca, maquina,
inventando mil destinos
sempre rodeada
por um monte
de peixes-submarinos

No mundo de Sophia,
cheio de filosofia,
submarino não é coisa à toa,
não só afunda, nem só avoa!
É peixe, de alma lavada.

E Sophia viaja todo dia,
por céus e mares
antes nunca navegados
sempre em boa companhia.

Se pinta uma onda gigante
Transparente e muito fina
Sophia desce nadando
bem pertinho da Solina.

Se o mar fica agitado,
e ela não consegue dar pé
num zás! agarra a barbatana
e sai nadando com a Salomé.

Joelmo faz um rodopio,
pra enfeitar a maré.
Solangela, dá uma cambalhota,
sem na areia encostar o pé.

Jolino, que é um peixe menino,
só quer saber de brincadeira
está pronto pro que der e vier

Marleni, toda cuidadosa,
é a peixinha mais bonita
e também a mais charmosa.

Com essa turminha animada
Sophia, menina danada,
faz da vida uma peixada
de submarinos felizes

Sophia, minha querida
aproveite enquanto há tempo
brincando de navegar
Pois, já dizia o poeta,
o que vale é que essa vida
vem em ondas
como o mar.

Sophia nadando com o seu peixe subMaurilo.
*Sophia é filha de Maurilo. Maurilo é casado com Fernanda, que por sua vez, vem a ser a mãe de Sophia. Juntos eles ainda ainda vão escrever muitas histórias e fazer muitas viagens. Principalmente, no que depender da imaginação de Sophia. 

Música pra começar o dia

Passenger - All The Little Lights.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Lá na minha cama, por favor!


Poesia não se explica. 
Poesia se sente, se vive. 

Mas essa que está ai em cima, do Nicolas Behr, carece de uma mínima orientação para quem não é de Brasília e não compreende como a cidade, cuidadosamente desenhada pelas linhas de Oscar Niemeyer e pelos traçados de Lúcio Costa, se esparrama morena e sestrosa sobre o chão do cerrado. Como uma ave, uma nave, pousada no Planalto Central, com seus eixos, suas asas e seus monumentos. 

Nicolas, investido do seu caráter de poeta/mágico/transformador, pegou endereços conhecidos dos brasilienses, o Eixo Monumental, a L2, a W3, as Superquadras e transformou-os em atributos femininos. Imaginária ou não, Suzana, ganhou linhas de Brasília. Contornos capazes de provocar a libido de qualquer um. Capaz de brincar com o imaginário alheio, fazendo (não se sabe ao certo) da cidade uma mulher ou da mulher uma cidade. Ave, nave, avião em doce e delicado voo. 

Coisa de poeta.
Impossível não enxergar beleza nisso. 
Impossível não invejar, não desejar um pouso desses em minha cama, também. 

(A poesía está transcrita em forma de mosaico, grudado nas paredes da Biblioteca Demonstrativa das quadras 506/507, na W 3 Sul. E me foi carinhosamente lembrada por Renata Sanches, que postou em sua página, no Facebook, agora há pouco. Obrigado, Nicolas. Valeu, Renata!)

Feliz Brasília!


Hoje, Brasília completa 54 anos de idade.

Há razões de sobra para declarar amor por esta cidade . Mal desperto nesse 21 de abril, recebo uma mensagem pelo celular. Meu irmão, Isanor, me lembra que 30 anos atrás minha família, conduzida pelo meu pai - o, à época, Sargento Viegas - desembarcava aqui para crescer e se fortalecer.

Brasília nos acolheu como filhos diletos. Eu, aventureiro, era o único que já morava fora de casa. Mas tinha uma ligação umbilical com a cidade.  Não perdia um período de férias ou de festas em família, por aqui. Brasília era a minha casa real duas ou três vezes por ano. No coração, ela sempre esteve.

Sinto-me, portanto, também adotado e querido por ela. A cidade plantada no coração do Planalto Central do país está em minha história de vida como eu, na dela. Principalmente, nos últimos sete anos. De lá pra cá, Brasília também é a minha casa em definitivo.

Do quintal de minha casa ganho dois presentes diários: O nascer e o por-do-sol. É o que me faz pensar que é preciso muito pouco para ser feliz. Obrigado, Brasília!


O sol nasce assim, no meu quintal brasiliense...
…e se põe majestoso, ao fim do dia. 

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A flor amarela do meu jardim

A preferida de Gabriel Garcia Márquez


Carta para Angélica Castro*

Querida amiga.

Durmo ao sabor do cansaço e de duas taças de vinho. O vinho me rejuvenesce e me salva das agruras cotidianas. Abre as portas do meu mundo mágico e me estende a esteira do sagrado sono, reconciliador da alma.

Acordo. É sexta santa. Mas a dor que permeia o dia vem da tua Colômbia e deságua no mundo. Gabo se foi. Aos 87, Gabriel Garcia Márquez, o mestre da fantasia do mundo latino, o jornalista sagaz e bem falante, transpõe os limites findos do que é real para iniciar a sua maior obra imaginária. Em outro plano astral. 

Não há como não sentir um impacto no peito.

Divido com meu pai, fiel leitor da Garcia Márquez a dor de perdê-lo, como quem se vê afastado em definitivo de um amigo íntimo. Busco na memória as primeiras linhas dele que me chegaram às mãos. Principiei pelo maior de todos, “Cem anos de Solidão”.


Li como um adolescente apaixonado. Aquelas mais de quatrocentas páginas, em que desfilavam as histórias de sete gerações de uma mesma família, os Buendia. Aquilo parecia um filme escrito. Enquanto lia, enxergava a imagem de cada um daqueles personagens, a cidade de Macondo (muitas vezes, tão parecida com a minha São Luis), o cigano, o menino, a mulher, a paixão pela vida, a fantasia, a magia, a descoberta do sexo, a tristeza, a morte, a vida... Tudo ali me parecia íntimo e encantador.

A essência do bom jornalista se plantou inteira em “Crônica de uma morte anunciada”, um dos meus preferidos. Pela abusada descrição do trágico irremediável. Pela objetividade dos fatos. Pela crueza do destino imutável. Pela tragédia anunciada em primeira página, que vai lenta e vigorosamente se confirmando até que  o ato se consuma, na última.  


Gabriel Garcia me deu lições de vida e, acho, continuará dando. Meu pesar, como jornalista, aprendiz de escritor, pretenso poeta, é também o mesmo que deve te tomar agora, como a milhares de colombianos e milhões de admiradores dele, espalhados pelo mundo.

Por isso, acordei pensando em ti e te escrevo, em solidariedade. Mas te escrevo, também,  para que saibas desse amor que tenho pela escrita dele. E o quê isso significa em minha vida. Minha Macondo pessoal está mais triste hoje.

No jardim, as flores amarelas insistirão em brotar, pelo infinito dos tempos. Apesar de hoje. Por Gabo. Por todos nós.

Capa do Caderno Especial do Correio Braziliense, edição de hoje.


Angelica Castro  é uma amiga, especialista em transportes e mobilidade urbana, a quem conheci não faz muito tempo. E que, se não me faço enganado, como milhões de outros leitores e como colombiana, também deve estar sentindo a partida de Gabriel. 

Ver-te / Algo teu

Nelson Coelho de Castro
Ontem, Nelson Coelho de Castro fez 60. Arthur de Faria me fez lembrar dele. Nelson foi a trilha mais presente em meu desembarque sulista, no início dos anos 80. Nos tempos da UNISINOS, aprendi a caminhar ouvindo Nelson, Gelson, Totonho e Bebeto.

Ver-te / Algo Teu. Tem algo de passado resgatado. Tem algo  de oração. Típico de uma manhã de saudade, de uma sexta santa.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Short Cuts de Abril

Correspondências I


Caixas de papelão costumam guardar preciosidades. Coisa que o tempo não consegue apagar. No meu caso, devo reconhecer uma predileção por guardar escritos. Minhas caixas de guardar coisas guardam registros de um tempo, sensações de viver, pessoas, imagens, palavras, tudo o que de certa forma compõe a minha essência.

Volta e meia, dou de cara com uma dessas "caixas de memória". Principalmente, nos períodos de mudança. Mudança, aliás, é sinônimo de revirar o passado, perceber o presente e vislumbrar o futuro.



Cá estou, numa dessas tardes de sol e chuva, revirando caixas e me deparando com o que já foi, sem nunca ter deixado de ser. Assim, meio que sem querer, cai em minhas mãos um envelope contendo uma carta de meus avós, enviada desde São Luis, no Maranhão, para o repórter em começo de carreira que eu fui, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Era o ano de 1985. Minha avó, nascida no último ano do Século XIX, trilhava a metade dos seus 85 anos. Meu avô era 11 anos mais novo. Nesse tempo eles usavam os serviços de "fazedores de cartas", como o papel que a Fernanda Montenegro tão bem desempenhou, no filme Central do Brasil, para transcrever pensamentos e mandar notícias.

Fernanda Montenegro, escrevendo cartas na Central do Brasil.
As cartas de meu avô e de minha avó, invariavelmente, começavam desejando que eu me encontrasse bem de saúde. E informando que eles lá "estavam bem, com a graça de Deus". Também invariavelmente, terminavam desejando que as suas bênçãos recaíssem sobre o meu caminho, para me proteger de todo o mal.

Nesta carta, especificamente, eles agradeciam a minha intenção de buscá-los em uma viagem atravessaria o país, de Norte a Sul. Eu me casaria no Rio Grande do Sul em poucos dias. Reconheciam não ter disposição e nem forças para empreender tamanha jornada, ainda que para evento tão importante na vida do neto primeiro.

Seu Opílio e Dona Antonieta, meus avós.
Eu, aos dez anos, e meus irmãos.
Roupa de domingo e bênçãos protetoras. 
Penso e revivo tudo em minhas mãos, graças à singeleza de um envelope e seu conteúdo. O tempo é uma brincadeira engraçada. Com a mesma velocidade que leva pessoas queridas, as traz de volta. como num asse de mágica.

Correspondências II 

Meus filhos recebem uma carta do avô Viegas. Sim. Meu pai mantém o hábito de usar o serviço dos Correios, apesar da internet. A cada fim de ano, ele me mostra orgulhoso sua lista de mais de 400 correspondentes. Infelizmente, nem a metade responde suas cartas. Mas isso não o faz desistir de escrever a mão, assinar, endereçar, selar e postar centenas de cartas, todos os anos.


Seu Viegas agora pretende envolver os netos nesse rito. E começou por Mariana e Gabriel. Dias destes,  chegou em casa uma carta endereçada "à Cineasta Mariana Franke Viegas". Pompa e circunstância típica de avô carinhoso.

Dentro do envelope, um conto escrito por ele, cujo final exige a participação de uma documentarista - Mariana, sua neta, claro! O documentário é uma espécie de registro de um sarau literário imaginário, feito com a participação dos seus dez netos. Uma viagem carinhosa do avô.

Mariana, Seu avô, Viegas e meu irmão.
Começaram os registros da cineasta. 
Algo que merece ser guardado em uma caixa de memória (a carta) e que exige esforço breve de produção (o documentário). De repente, percebo que a tradição memorial que norteia minha alma transcende os limites do tempo e do espaço. Para se perpetuar no sempre, de outras gerações.  


Lua vermelha


Marcelo Domingues, o astrônomo da família, fez o registro do Eclipse Lunar desta madrugada. Restou uma lua vermelha a nos guardar. Um sinal dos tempos, um alerta no céu, ou, um capricho de um pintor universal que derramou sua aquarela sobre a lua, só para "causar", na imensidão do espaço.


sábado, 12 de abril de 2014

Eu estou vivo

Trailer do projeto "Dia da Terra, 2014", que vai ser lançado no dia 22 de abril. Caetano, Criollo, Emicida, Lenine, Pretinho da Serrinha e muitos outros artistas reconhecidos nacional e internacionalmente, numa produção toda gravada na Floresta da Tijuca.

domingo, 6 de abril de 2014

O mundo num riso

Minha filha, Mariana, quando ri parece que vai engolir o mundo.

Adivinhe, qual das três é ela?

Pra ele, por ele

Copiei do facebook da Fernanda van der Laan.



Vide Gal

Gabriel me invade o escritório, cava um dvd nos montes e me pergunta: "Se eu colocar música atrapalha?" - Não, respondo, música é trilha sonora. Nunca atrapalha. 

Ele aperta o play de um DVD antigo, Barulhinho Bom, da Marisa Monte. Escolho uma música e boto no blog. Música não atrapalha. Nunca.  Era 2007, mas ela canta e encanta como hoje.

A dama turca

Direto da Rua dos dias que voam, Tereza, que é apaixonada por livros de toda a espécie, mas que tem um amor maior pelos antigos, descobre um livro em um sebo, se encanta e escreve: 

Tropeço no livro num tabuleiro de preço fixo e módico. É encadernado lindamente e tem um papel suave. Quando o abro deparo com a dedicatória de Chaby Pinheiro a Lucília Simões e sorrio. Atravessaram o Atlântico numa tournée ao Brasil e eram os dois muito jovens. Terá havido romance? As fotografias da dama turca são deliciosas e o colorido acresce a sensação de livro proibido.






Por fim, de lá, d’além mar, Tereza escreve uma nota triste: Morreu Jorge Fallorca que era um leitor e comentador atento deste blogue, da Rua dos Dias que voam. A cultura portuguesa está mais pobre. Nós também. Até sempre, Jorge.


Daqui, da Terra de Santa Cruz, registro outra: Morreu José Wilker, ator, diretor e crítico de cinema. As telas brasileiras estão mais tristes. Hoje e para sempre.

Memória aventureira

Família Di Quarto:
Andrea, Eliane,
Lorenzo e Sophia
De Milão, na Itália, Eliane Di Quarto me escreve:

Maranhão!
Hoje eu acordei pensando  num taxista da enorme e desvairada São Paulo de quem eu nem sei o nome. Pensei, ainda, no Mineiro Louco. Um homem de quem eu mal sei o paradeiro. Imagine se sei onde  mora! São brasileiros! Prontos a ajudar e, por isto mesmo, ficaram na nossa memória. Fazem parte das nossas histórias de aventuras.

Seguem os textos:


Julho de 2001. 

Eu tinha que passar no Consulado Italiano, em São Paulo, para retirar o meu passaporte com o visto para a Itália. Cheguei logo cedo com passagem comprada para embarcar para Milão às 19h do mesmo dia. Dia de greve de transporte coletivo na Paulicéia. Trânsito um caos é dizer pouco. Minha amiga, Rosangela Valente, me pegou no aeroporto pra me levar ao Consulado que fechava na hora do almoço. Meio expediente. Morando em São Paulo há pouco tempo e pouco prática com ruas, avenidas e endereços, não era otimista. “Ane, não sei se a gente chega lá em tempo.” Trânsito praticamente parado. 


Disparado, mesmo, só o meu coração. Já estava saindo pela boca. Como poderia embarcar sem o meu passaporte? Não poderia. Bem simples. A uma certa altura do campeonato, num semáforo vermelho, vi um taxista ao nosso lado. Desci do carro da Rosangela e disse a ela: "Te espero no Consulado. Quando você chegar, chegou." 

Entrei no táxi do homem e pedi a ele pra me levar. Só colocou a mão na cabeça com um gesto preocupado e disse que não poderia porque ele estava transportando valores para uma empresa. Se o pegassem ele perderia o trabalho. Eu expliquei que poderia me abaixar no carro e ninguém me veria. Coisa de brasileira que dá jeito pra tudo.  Implorei, expliquei a minha situação, contei a minha história. Falei que estava mudando de vida com uma passagem de só ida, porém não poderia embarcar sem o documento. Faltavam 40 minutos para que o Consulado fechasse. Vendo a minha angústia ele só me disse: “Tá bom, moça. Tá bom!!” 


Chegamos ao Consulado com as portas quase fechando. Antes de descer do carro dei 50 reais a ele. Era, na época, bem mais do que valia a corrida.  Não aceitou. Só me disse: “A senhora não me deve nada não. Vai em paz, pegue o seu documento e que Deus lhe acompanhe. Boa sorte, tá?” Peguei o meu passaporte, saí do Consulado, sem olhar pra trás, sentei no meio-fio e esperei a Rosangela.  Nem perguntei o nome do taxista mas me lembro muito bem da carinha magra dele. Se o encontrasse pelas ruas de São Paulo talvez pudesse reconhecê-lo.

Outubro de 2006. 


Estávamos no Pantanal. Saímos de Corumbá e queríamos rumar para a Pousada do Lontra. Um pit stop para o almoço antes de continuar para Campo Grande. Eu, Andrea, meu marido, minha mãe e o Lorenzo; na época com apenas 2 anos. Viajávamos em um carro pequeno, baixo, e lá para os lados do Passo do Lontra havia chovido muito. Próprio tanto! 

De repente, nos vimos atolados com barro que chegava para cima das canelas. Andrea, europeu, habituado  a dirigir em “autostrada” sem nunca ter atolado na vida dele, segurou a onda pra não demonstrar o nervoso, não verbalizou mas vi o pânico nos olhos dele. Olhamos para o Lorenzo que já começava a reclamar de fome. Em volta não havia nada. 

Deste nada apareceu um moço, vestido para a missa de domingo. Camisa clara impecavelmente passada, jeans e botas pra lá de limpos. A fivela no cinto de couro reluzia. Ele chegou perto, coçou a cabeça e disse: se alguém souber ficar no volante eu empurro e tiro vocês daqui. Eu olhei para a roupa de domingo dele e senti  pena. “Como é que você se chama?” E ele: "Todo mundo me chama de Mineiro Louco. A senhora pode me chamar assim, também."  Pois bem... “Mineiro louco, não é o caso de você ficar no volante e eu e meu marido, que já estamos um pouco embarrados,  empurrarmos?” Sei lá por quais motivos o Mineiro não concordou com a minha idéia. Empurrou o carro, saímos do atoleiro e ele com uma roupa tooooda respingada de barro.

Não podíamos deixá-lo ali. De fato, ele precisava chegar aonde tivesse mais movimento pra encontrar uma outra carona e prosseguir para a fazenda onde trabalhava. Deixamos o Mineiro Louco em um bar/restaurante na entrada do Passo do Lontra. Recomendamos ao senhor que desse o almoço a ele e tudo o mais que ele precisasse. Na volta passaríamos e pagaríamos a conta dele.  




Fomos à Pousada do Lontra. Nos divertimos, Lorenzo viu jacarés, tiramos fotos e voltando pra Campo Grande paramos para pagar a conta do Mineiro. Quando o caixa nos apresentou a conta nós pensamos que houvesse algum erro. “Não é possível! Quanto custa um almoço aqui?” E o caixa: “Mas o moço não almoçou não, dona. Ele trocou tudo por uma garrafa de cachaça. Não quis comer de jeito nenhum!” Pagamos a conta do Mineiro e ainda hoje lembramos dele. Da sua bondade, da sua solidariedade! Coisa de brasileiro pra deixar europeu de boca aberta