domingo, 19 de abril de 2020

Diário de quarentena - Porque nem tudo é só tristeza

Hoje é domingo.
Os domingos pedem música. E, também, poesia.
E a receita pra espantar a tristeza imposta pela pandemia não podia ser outra: música e poesia.

Tempos atrás escrevi uma poesia. Marcos Mendes e Maria Cláudia, grandes amigos dos tempos em que vivi em Mato Grosso do Sul, mantêm um canal de música na internet (os dois são intérpretes e compositores, da melhor qualidade) e resolveram musicar a poesia que fiz.

O resultado está ai. Eu agradeço, comovido, aos dois e dedico a música a Patrícia Leite.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Diários de Quarentena - Acabou Chorare

Morou, Moraes? Se não morou, não mora mais.


O velho adágio popular brasileiro me vem agora à cabeça. Não sei exatamente por quê. Talvez, pela sonoridade poética. Talvez, pela casualidade da rima. Talvez, pela mistura com o nome do Moreira que acaba de nos deixar. Moraes Moreira, o novo baiano mais autêntico, o que está na gene, na formação primal do grupo "Novos Baianos". Sim, Moraes Moreira não mora mais entre nós. Morou?  Moraes partiu desta para cantar em outras rodas, para brilhar em outro plano solar.

Quando Mariana, minha filha, se entendeu por gente, percebeu que eu sempre cantava uma música pra ela, cujo refrão dizia repetidamente "preta, preta, pretinha...". Além de me ver cantar, ela ouvia na vitrola, no rádio, várias vezes, em vários e diferentes momentos. Não sei o que passava em sua cabeça, mas sei que ela gostava. Porque não demorou a aprender a letra e o refrão. E volta e meia, eu a surpreendia cantarolando aquela canção.


Tempos mais tarde, ela me contou uma história, que tento reproduzir aqui da maneira como compreendi. No dia em que ela viu a imagem do Moraes Moreira pela primeira vez, aquele camarada esguio, de cabelo comprido, associou de imediato com a imagem do pai dela (no caso, eu mesmo) que sustentei durante muitos anos uma vasta cabeleira e o gosto por óculos daquele estilo que ele gostava de usar, redondos.

Pra ela, desde então, aquele sujeito era a minha própria encarnação e tinha feito aquela música pra ela. Sem que ela nunca me perguntasse antes, eu nunca tive preocupação de negar a autoria da música. Então, durante um bom pedaço da vida, fui o pai artista, Moraes Moreira, pra ela.

Ontem, ao saber da notícia da morte dele, meu coração ficou mais triste. E, tenho certeza, o dela também. Um pedaço muito especial dos tantos "eus" que já fui, se foi com ele.

Os novos baianos nunca mais se juntarão outra vez, como tiveram a oportunidade de fazer, quatro anos atrás, e rodar o Brasil com uma turnê saudosa e cheia de clássicos. As mesmas melodias que embalaram a dura década de setenta. E nos deram alegria real, em tempos de liberdade restrita.


Não faz muito tempo, descobri que meu irmão, Iram, não tinha senão uma vaga ideia sobre a história dos Novos Baianos. Decidi promover, então, uma sessão de cinema para lhe mostrar algo primoroso, o filme "Filhos de João - O admirável mundo Novo Baiano", de Henrique Dantas. Este documentário ganhou o prêmio de melhor filme , do juri popular e prêmio especial do Juri, do Festival de Cinema Nacional de Brasília, em 2011. E é um documentário fabuloso.

A sessão nos fez varar a madrugada falando sobre música e poesia, sobre a passagem do tempo, sobre a vida em coletividade, sobre sonhos e realidade. E exigiu o consumo de duas garrafas de vinho.


Hoje, acordo com o celular pipocando uma mensagem no WhatsApp. É meu irmão me cobrando: Cadê o seu texto sobre o Moraes Moreira. Abro a janela da quarentena. E escrevo. Acabou Chorare. Está aqui, meu irmão!

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Diário de quarentena - Quinta 09.04.2020

Short Cuts do isolamento social

Temporal

Há dias, visito o passado. A quarentena, o isolamento social é propício a isso. Na trilha sonora, nos filmes, nas lembranças... Pela janela, vejo o tempo passar. A vida está aqui dentro. Nos 35 metros quadrados de meu apartamento. As horas são lentas. A pesar do vento e do começo ensolarado do dia, agora chove a cântaros. O silêncio permite ouvir com mais riqueza o cantar dos pássaros. Há pássaros novos na mata em frente ao meu prédio. Sim, nunca os havia escutado. Em seu canto novo a novidade surpreende a sisudez destes tempos. Nós, passarinhos. Eles, passarão.

A escritora mirim

Dani, minha sobrinha, filha de minha irmã, escreve em tempos de quarentena. Revela-se a nova cronista da família. Texto bom, raciocínio claro. Como todo mundo, ela sente saudade de um tempo que estava bem ali, pertinho da gente e a gente nem se dava conta de como era bom. Tempo de abraço, de beijo, de aconchego. Dani tem letra, tem linha. Bebeu nas águas em que o seu avô navega.




quarta-feira, 1 de abril de 2020

Diário de Quarentena - 31.03.20




Em quanto eu dormia
A luz entrava pela janela
Fazia noite
Não era dia
Enquanto eu dormia
Pensava nela

A mão vadia 
tava em meu corpo
E eu só dormia
Fazia noite
Não era dia

Então fugiu a  mão que havia
Fazia frio
Não era dia
Não era dia
E o sono tanto
Deixou de ser
Luz que invadia

Minha janela
A mão vazia
No corpo frio
Não era noite
Já era dia naquela noite 
Que eu nem sabia 

Não era noite
Nascia o dia