quarta-feira, 21 de março de 2018

Assim sendo assim

As últimas noites tem sido assim - pouco o sono
invado de olhos abertos o relógio digital
a luz de led verde refletida na parede 
como quem não quisesse nunca apagar

As últimas noites tem sido assim - horas em claro

e passa a hora, e vaga o escuro, e molha a chuva lá fora, 
enquanto aqui dentro meu corpo geme 
um cansaço que só eu sei. 

Ando farto de ladainha.
ando distante de tão só 
Penso novos mares 
me canso com facilidade do mesmo horizonte

marinheiro sem navio, vago em calmaria
maresia, beira-mar, à espera do que virá

já faz tempo a ventania passou
tanto vento em minha vela me entregou aos furacões 
tanto brilho ofuscado envelheceu a prataria
zinabre azedando as horas, os dias

As últimas noites tem sido assim
e só sossego depois que o sol aponta entre a cortina 
cor de papel envelhecido de embrulhar maçã 
e folhas de coqueiro na janela
pássaros esboçam cantoria 
é hora de recomeçar

Que os novos dias não tardem chegar. 

sábado, 10 de março de 2018

Torquato Neto - Todas as horas do fim

Gilberto Gil, Ana Maria e Torquato Neto
Torquato Neto foi um gênio triste do sertão que o mundo mal teve tempo de descobrir. Mas a passagem dele, se curta demais, foi intensa, com sabor de poesia eterna. Seu jeito de olhar o mundo por uma janela transversal surpreende ainda hoje.

Carregou no corpo frágil sua Teresina por onde foi. Em Londres ou Paris. Salvador, São Paulo ou Rio. Um bardo do existencialismo. Inconformado e inquieto. Por suas letras passaram ideias e ideais que fogem do comum.    

Era igual sem ser o mesmo. Rompeu cerca e estradas. Deslimitou espaço e tempo. Seus vinte e oito anos de vida foram como o brilho fugaz de um relâmpago no céu de tormentas.

Brilho intenso e fulminante. Enquanto esteve vivo traduziu em poesia o desassossego da vida. Poeta desde menino, nunca chegou a homem feito, embora estivesse pronto e soubesse disso.

Amou e foi amado. E do amor de Ana com ele, nasceu Thiago. Pra muita gente, Torquato morreu cedo. Para ele mesmo, morreu de fastio da vida. De consciência de obra pronta. De passagem completa.

Por sorte, seu rastro é infinito. 

domingo, 4 de março de 2018

Coelho, coelhinho, coelhada

Uns dias trás, Renata Sanches (foto ao lado) , uma amiga que escreve bem demais (desconfio, seriamente, que uma das razões para isso seja porque ela é uma devoradora de livros), me manda uns escritos despretensiosos pelo zap. Li e dei risada, sozinho, em meio à loucura da redação. Ninguém entendeu na hora. Mas a história era tão boa, estava tão pronta, que merecia uma publicação. Com a devida permissão dela, aqui vai. De Renata (que neste caso, bem poderia se chamar Alice), de algum lugar dessa Cidade Monumento (que bem poderia ser o País das Maravilhas) quentinho para o blog. Valeu, Renatinha!
Maranhão.

Há poucos meses, uma casa que faz divisa com a nossa ganhou novos inquilinos.
Após dois anos desocupada e abandonada pelos proprietários, o que rendeu uma piscina imunda e incubadora de mosquitos da dengue, a nova família chegou chegando.

Em profusāo de caminhonetes, que ornava bem com o estilo rural de seus proprietários.
Para além dos humanóides, sāo 5 simpáticos Golden Retriever, 2 gatinhos (um deles já entra na minha cozinha e confraterniza com "A Cã-Madame"), galinhas, patos e coelhos. 

Como é notório, coelho é um bichinho lindo, felpudo, orelhudo e que se conjuga somente no plural. “Coelho “ significa muiiiiiiiiiiiiiitos coelhos. Do tipo muitos e cada vez mais. Do tipo um cardume, uma alcatéia, uma manada de pulantes de pelúcia. Inconformados com o cercadinho que lhes foi destinado no quintal, os bichinhos resolveram explorar a rua e o bairro.


E o grupo de Whatsapp dos moradores virou um enorme classificados de Achados&Perdidos monotemático, cunicular, onde pululam “coelhos encontrados na casa 7”, “surgiu um coelho aqui na casa 12”, “alguém sabe de quem é um coelho branco que está aqui na casa 26?”.

De nossa parte, já nos deparamos com dois exemplares. Um que veio entregar o jornal às 05h30, e outro que forrou a pança na hortinha de temperos, devorando toda a cebolinha e o orégano da D.Vera.


Foram embora por conta própria, antes que ocorresse episódio de sangue e pancadaria na madrugada. A dupla de serial killers, Chanel&Duke, ainda estava recolhida a seus aposentos.



No entanto, a presença dos turistas acidentais deflagrou uma guerra na até então pacata província de South Lake. Dois vizinhos, em momentos diferentes, foram bater à porta dos proprietários e responsáveis pelos bichinhos, solicitando que os dentuços fossem levados de volta ao lar. E tiveram como resposta:"pode ficar com o coelho pra vc". Um dos vizinhos, resignado com o coelho imprevisto, manteve o dito cujo com ele, e em postura zen-budista, integrou o novo pet à sua casa.

O outro vizinho, entretanto, diz que não quer coelho nenhum, e que o condomínio deve denunciar o coleguinha por abandono (ou distribuição?) da coelhada.

Na nossa casa reina a tolerância com os visitantes, na mesma proporçāo do pavor de termos um coelho-defunto, por açāo dos dois meliantes caninos.



Enquanto o Whatsapp apita com denúncias de quem coelhou e quem descoelhou na vizinhança, torço para que reinem o bom senso e a paz por todo lado. Ter um bichinho tāo fofinho como bastiāo da brigaiada e reclamaçōes azedas, nāo deixa de ser um desalento.