segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O palhaço e o contador de histórias

Selton Mello e Paulo José em cena de "O Palhaço"
Terminei do domingo assistindo o circo imaginário de Selton Mello. O filme “O Palhaço” é de uma delicadeza ímpar. Uma elegia à solidão e à sensibilidade. Selton, bom ator, se mostra também um diretor competente. Direção, cenário, elenco, iluminação e trilha sonora compõem um conjunto harmonioso e eficiente.

Benjamin, personagem de Selton, é o alterego triste do palhaço “Pangaré”. No picadeiro, ele contracena com outro palhaço, “Puro Sangue” – personagem magistral de Paulo José – e distribui alegria ao, cada vez menor, público dos vilarejos por onde o Circo Esperança se instala.

Puro Sangue e Pangaré são pai e filho. O circo que alegra o público é o mesmo que enche de tristeza e dúvida Benjamin, toda vez que a lona cai e o espetáculo se encerra. Na vida real, falta dinheiro e sobra cumplicidade a uma truope mambembe que enfrenta com humor e simplicidade as frustações do cotidiano.

A essência do filme se traduz em uma ideia: A busca da realização interior. Insatisfeito com o que vive, com a falta de condições, com a velhice do pai, com a solidão, Benjamim vive seu conflito Hamletiano pessoal – Ser ou não ser (palhaço)? Eis a questão.

A uma certa altura do filme , um personagem caboclo, vivido por Jackson Antunes, conversa com o pai de Benjamin e dá o trato filosófico-popular ao conflito: “A vida é assim, gato bebe leite, rato come queijo e eu faço o que eu sei fazer.” Bingo!

Em pouco mais de uma hora de filme “O Palhaço” provoca um riso medido. Não o riso escrachado. Aquele riso leve, saboroso, provocado pela sabedoria infantil. Pela ingenuidade que nos tira, como um passe de mágica, do mundo real e nos transporta para a fantasia.

Faço minhas as palavras do filósofo popular: “A vida é assim: Gato bebe leite, rato come queijo e eu, cada vez mais, sou um contador de histórias”.

domingo, 30 de outubro de 2011

Mira tu sonrisa

Luiza Caspary
Em 2006 trabalhei com o maestro André Trento em uma campanha no Rio Grande do Sul. Foi um bom trabalho que, ao final, resultou em uma grande amizade. Desse encontro, também restou uma sincera admiração pelo trabalho musical desenvolvido pelo André.
 
Hoje, ele me mandou um arquivo com o making off de uma música gravada em estúdio. A música é "Mira tu Sonrisa" e faz parte do novo disco de Luiza Caspary. Luiza é uma baianinha, com sotaque gaúcho, que começa a despontar para  uma carreira de sucesso. A mocinha tem estilo e versatilizade.

Uma baiana, com sotaque gaúcho, cantando em um espanhol fronteiriço? Pode acreditar, a mistura deu certo. E o André está lá, nos teclados. Pra fechar o domingo. Valeu, André. Parabéns, Luiza!


Agridoce - Dançando

A roqueira Pitty e o guitarrista Martin criaram há algum tempo o projeto Agridoce. Um  projeto paralelo na vida dos dois, que começou a surgir com as músicas feitas por eles nos intervalos de shows e turnês. Eles fazem uma música delicada, meio folk, meio balada, bem diferente do trabalho autoral da Pitty.

Agora, eles acabam de lançar um novo clip, Dançando, gravado num estúdio ambientado na Serra da Cantarera. Dançando tem cara de domingo. E é o melhor jeito de começar o domingo.

O tempo


A turma em 79: Da direita para a esquerda - Ricardo, Alverina, Carlos
Eduardo, Edna Marcia, Edna Maria, Mariza, Ghyslene, Inorbel. Atrás, bem
em cima: João Max e Eduardo Esteves.
Chove lá fora. E eu aqui me recolho às memórias de um tempo distante. Hoje, era dia de estar lá, entre eles. Meus amigos da turma de 79, em Maringá, no Paraná.

O plano do reencontro conta 32 anos, se contado a partir do tempo em que vivíamos intensa e diariamente a nossa vida de adolescentes. Éramos pouco mais que isso. Uns adolescentes fechando o ensino médio e partindo para a vida em busca de carreiras profissionais, sonhos ou aventuras.

Chove lá fora. Aqui dentro, tenho o peito apertado pela vontade de ter estado lá. Não deu pra ser hoje, mas não tardará a ser, eu sinto. No amanhecer do dia, aqui em Brasília, sento ao computador e escrevo uma carta de justificativa da minha ausência, para ser lid em Maringá.

Depois de escrita, ligo para o Eduardo. – Ei, Inorbel, você já está aqui? Ele me pergunta. Não. Vou faltar hoje. Mas acabo de mandar um texto para o seu e-mail. Gostaria que você lesse durante o almoço, depois da chegada de todos.

Na carta, falei da minha alegria desde o primeiro momento em que começamos a planejar o encontro da turma. A ideia partiu da Mariza e do Carlos Eduardo. Mariza, aliás, tem sido o meu elo com a turma, há 32 anos. Passamos algum tempo sem nos falar. Mas, volta e meia, nos reencontramos por telefone, pela internet, de qualquer jeito.

Na hora do almoço, Eduardo me ligou. Estavam todos lá. E havia também um lugar reservado pra mim. Como eu acho que sempre teve, porque sempre guardei lugar para todos eles em minha memória. Passei a turma em revista. Rápidas palavras. Emoções imensas.

Agora há pouco, Mariza me mandou as primeiras fotos do reencontro. Não importa o tempo. Enxerguei a todos. E todos eles trazem no rosto a magia daqueles tempos de escola. Não deu pra ser hoje. Mas não vai demorar pra eu estar junto com a turma, de novo. Até já, pessoal.


A turma, hoje: Da direita para a esquerda, de pé: João Max, Ricardo Sandri
Alverina, Edna Marcia, Edna Maria, Valéria Podestá, Mariza, Eduardo Bruder
e Luiz Evangelista. Agachados, a partir da esquerda: Eduardo Esteves,
Artur e Carlos Eduardo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O som do branco

Os caras do R.E.M. anunciaram o fim da banda, já faz uns dias. Mas eles não param de surpreender. Hoje, postaram dois vídeos no site deles com uma proposta pra lá de inusitada. Abriram a câmera para duas celebridades, em fundo branco. No primeiro clip, a musa melancólica de Lars Von Trier, Kirsten Dunst, e no segundo, o poeta John Giorno.

Enquanto rola a música We all go back to where we belong, linda de comover, o artista convidado encara a câmera. Só. E nada mais. A música é parte da coletânea de grandes sucessos Part Lies, Part Heart, Part Truth, Part Garbage que fecha definitivamente a trajetória do R.E.M. Ficou a fim de ver? Dá um play aí embaixo.



quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Gerações

O pai  de meu pai navegava no mar. O velho Opílio Viegas e seu barco Bela Rosa singravam a Baía de São Marcos. Vinham de Alcântara a São Luis, porto seguro de uma vida inteira. O pai de meu pai, meu avô. Vaidoso e viril. Cheio de traquejos e invencionices. Homem do mar que um dia aportou. Em terra firme fez, com Antonieta, um único filho. Seu filho, meu pai.

Mau pai Inocêncio Viegas namorou minha mãe na janela da casa dela. Meu pai, quando era criança, desejou muito tomar banho de chuva, na rua, com as outras crianças. Cresceu, vestiu farda e foi pro quartel. Passava garboso, todos os dias, com a sua farda verde-oliva. Encantou minha mãe, Isabel. E casou-se com ela. Depois, eu nasci.

Quando eu era criança ensinava judô aos meus amigos na varanda de minha casa. Mas eu queria mesmo era jogar bola na rua. Um dia, corri na chuva junto com meu pai. Foi a primeira vez. Os pingos eram grossos, caindo no meu rosto. A chuva era assustadora e linda. Eu tinha medo e coragem. Meu pai estava ali. Aí, eu cresci. Ganhei o mundo. Virei gente, jornalista, viajeiro e contador de história. Casei com Mara e também fiz filho com ela.

Meu filho, Gabriel Viegas foi menino levado da breca. Teve infância boa. Se sujava, na rua. Jogava bola, na rua. Tomava banho de chuva, na rua. Sempre foi pequenininho, mas depois cresceu. Virou um homenino lindo. Toca violão, escreve e ri por qualquer coisa. Acho que ele é feliz. Que eu saiba, ainda não fez filho em ninguém. Mas não é por falta de lindeza. Um dia, ele ainda faz.

domingo, 23 de outubro de 2011

Paradise - Coldplay

Os britânicos do Coldplay estão com um disco novo, que chega às lojas amanhã, dia 24. Paradise, um clip com cenas gravadas em Londres e na África do Sul mostra boa direção e tem tudo pra virar um novo hit.

Pra começar bem o domingo. Paradise, Coldplay.

sábado, 22 de outubro de 2011

Mariana, Beatles e o fim do mundo

Mariana é uma menina com ouvido musical. Ainda na barriga da Mara, dediquei-me a lhe proporcionar longos períodos de audição das músicas de Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Beto Guedes e de clássicos, como As quatro estações, de Vivaldi. Acho que isso foi definitivo na vida dela.


Durante um curto espaço de tempo, na infância, cheguei a pensar que todo o meu esforço para lhe dar o que eu considerava uma boa educação musical tinha sido em vão. Ela, como milhares de crianças brasileiras, traziam na ponta da língua as músicas de Xuxa. Entravam em transe quando ouviam as melodias rasas da “rainha dos baixinhos”.

Ok, devo confessar que, às vezes, em troca de alguns minutos de sossego, até recorri aos musicais da Xuxa. Ninguém é perfeito. Mas isso passou, felizmente. Hoje, a play list da Mariana é algo de dar orgulho. Pelo bom gosto e pela qualidade. Prova definitiva de que o meu esforço não foi em vão.

Da época de criança, entretanto, guardo uma imagem que não me sai da memória. Ela era pequenininha, uns dois ou três anos. Adorava dançar. Eu tinha uma fita dos Beatles que sempre escutava, principalmente, nos finais de semana. Mariana era parceira nas minhas jornadas musicais de sábado. Até que chegasse ao ponto de uma música específica: Twist and Shout.

Não sei o que acontecia, mas ela morria de medo dessa música. Saía em desabalada carreira pela casa, até que alguém desligasse o toca-fitas. Para ela, a parte mais crítica era, exatamente, quando John, Paul, Ringo e George insistiam no refrão: “Come on, come on, come on baby, now...”

Nunca entendi o por quê de tanto desespero. Mas acho que, na cabecinha e nos ouvidos dela, esse trecho só podia estar associado ao fim do mundo. Por sorte, esse trauma se perdeu no tempo, à medida que ela cresceu. Mariana, como milhões de pessoas no mundo, também faz parte da legião de admiradores dos boys from Liverpool.

Criolo e Caetano

Na quinta-feira desta semana a MTV realizou o VMB - Vídeo Music Brasil. A festa coincidiu também com o aniversário de 21 anos da emissora. Criolo, um camarada que está há muitos anos na estrada e tem uma trajetória respeitável (no início da carreira era chamado de Criolo Doido), foi protagonista de um dos grandes momentos da festa. Levou o prêmio de melhor música, com Não existe amor em SP. 

Pra fechar a noite de sábado, clic ai embaixo e asssita a performance dele, junto com Caetano Veloso. Música linda, letra forte, belo dueto.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Glória nas alturas

Maria Glória nasceu em casa de bailarina. Nasceu, portanto, bailarina. A menininha parecia ter asas nos pés. Por isso, dizem, a infância passou voando. E Maria Glória sonhou o sonho possível – ser bailarina. Podia ter outro? Caminhava, ou melhor, saltava pra isso a largos saltos. Uma gazela. Um dia, um acidente lhe ocorreu. Simples para os comuns, grave para uma bailarina - o pé quebrado. Mas, pé, mesmo quebrado, não é âncora. Não a seguraria no chão.

Maria Glória enfrentou a luz fria do hospital, o bisturi e a delicadeza da reconstrução do pé. Da asa. E voltou a voar. Claro, não voa mais como antes. Por ora, vôo baixo. É a recomendação médica. Mas basta ver as fotos dela voando, basta ver o seu corpo no ar, para entender que os pés não deixaram de ser asa. Aos 17, ela voltou pra casa. Na academia, palco onde nasceu, dança e dá aula sob os olhares da mãe, enquanto aguarda a recuperação total. Maria Glória nas alturas. Alguém duvida?





Maria Glória, é filha de Daísa. Vive em Maringá, mas todas as fotos deste post foram feitas na Oca, contrução de Niemeyer, plantada no coração do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. E foram feitas por um camarada muito inspirado, chamado Daniel Três D. Especialista em capturar os vôos de Maria.  

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Carta para Marco Aurélio

Meu caro amigo, Marco Aurélio*. Saudades.

Há dias não nos vemos e isso me causa uma gastura. É que já me acostumei ao nosso encontro semanal, na mesa onde matamos a fome e a sede, e alinhavamos a barra do dia, sempre às sextas. E quando isso deixa de acontecer sinto a vida como uma frase incompleta. Uma oração sem um ponto, algo sem sentido. Pois, é assim que sinto.

Reconheço que a ausência é mais minha do que sua. Por isso e porque, sem querer, dei de cara com as suas origens, lhe escrevo. Explico. Por força de um compromisso de família, tive que ir a Santo Ângelo - RS na semana passada. Viagem breve, objetiva e cheia de alegria. Minha sobrinha, Júlia, fez quinze. Os pais dela, Carlos e Lisete, fizeram um debut nos moldes de antigamente. Apresentação à sociedade, vestido de gala, cerimonial requintado, valsa com avô, pai, padrinho e namorado. E eu, além de tio, sou padrinho. Não poderia faltar.

Um pouco antes de deixar Brasília, fiquei sabendo que você tem uma ligação umbilical com Santo Ângelo. Passou a infância ou parte dela por lá. Conhece de perto os rigores do vento Minuano. Tem intimidade com os pagos gaúchos. E carrega no íntimo um espírito revolucionário, Farroupilha, Maragato. Num rápido telefonema, um pouco antes da viagem, você me desafiou: Tente encontrar a minha escola!

Pois bem, quero te dizer que a encontrei. Estive lá, diante da escola em que você deve ter aprendido os passos iniciais da sua formação. Lugar onde, certamente, começou a montagem do quebra-cabeça, da linha de princípios, do jornalista em que você se transformou. Me detive durante alguns minutos diante da escadaria imponente do Colégio Cenecista Sepé Tiarajú.


Fiquei te imaginando. Que tipo de guri terás sido? Endiabrado, um capeta de lambreta, desses que não dá sossego a ninguém? Ou, um menino recolhido, tímido e observador? Ou, quem sabe ainda, um misto dos dois. Não cheguei a um veredito. Mas o que quer que tenha sido, foi muito proveitoso. Resultou nessa figura íntegra, elegante e bem humorada que você é.


Claro que a escola já não deve ter a mesmas características de quando estudastes lá. Mas fiz questão de trazer as imagens que, certamente, lhe provocarão as lembranças daqueles tempos. Fui além da escola. Fui à praça da Igreja matriz, passei pelo CTG – Centro de Tradições Gaúchas, “20 de setembro”, data magna da Revolução Farroupilha.



Avistei a fachada do antigo Cine Avenida (hoje, só mesmo uma fachada, o cinema não existe mais). E encerrei minha visita emocional na estação ferroviária da cidade, hoje, Museu da Coluna Prestes. Foi dali que, segundo contam orgulhosos os santoangelenses, partiu a marcha histórica que atravessou o país, defendendo um projeto revolucionário, que ao final, é parte inegável da herança política deste país.


Escrevo agora para matar um pouco da saudade. E para te lembrar: Amanhã é sexta. Já é hora de nos encontrarmos. Por favor, não falte ao almoço.

Grande abraço. E até lá.

*Marco Aurélio Pereira  - Jornalista com pós-graduação em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas. Foi repórter do Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e da revista Afinal, secretário de Redação do Correio Braziliense e editor de Economia e Internacional do Jornal de Brasília. Foi também diretor da United Press International em Brasília, diretor geral do jornal Última Hora de Brasília, coordenador de Comunicação Social do Incra e gerente de Marketing e Comunicação do Sebrae Nacional.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Paiaguás

1988. No ano em que minha filha Mariana nasceu, Guilherme Rondon, Celito Espíndola, João Fígar e Antonio Porto, belas figuras da música sul-matogrossense, passaram pelo programa Som Brasil, da Rede Globo. Devia ser uma manhã de domingo. E eles interpretaram a linda canção "Paiaguás" de Guilherme Rondon e Paulo Simôes.

Pra começar bem o feriado.




terça-feira, 11 de outubro de 2011

Aquele Outubro


Aquele outubro de 96 não me sai da memória. Era ano de eleições municipais. E eu, entre o primeiro e o segundo turno de uma eleição pesadíssima, resolvi fugir por dez dias com a família. Nosso destino: Cochabamba, na Bolívia. Encontrar velhos amigos. Respirar o ar da cordilheira, esquecer a política e recarregar as baterias para uma nova batalha eleitoral.

Gabriel e Mariana eram crianças. E se deliciaram com as novidades de um país de língua estrangeira, costumes diferentes e paisagem deslumbrante. Foram dias de alegria e paz.

O caminho de volta pra casa era fascinante também. Um vôo de Cochabamba a Puerto Soares, na fronteira com o Brasil. De lá, uma travessia de carro até Corumbá. E de Corumbá, uma viagem de seis horas, de ônibus, até Campo Grande, passando bem no meio do pantanal.

Nessa época, a uma determinada altura, a passagem pelo Rio Paraguai era feita através de balsas. O ritual era o mesmo, sempre. Chegando à beira do rio, uma pausa para esperar a balsa. Depois, uma travessia de quase uma hora, no silêncio da noite, com o barulho da água e a imensidão do céu, cheio de estrelas.

Naquele dia 11 de outubro de 96, descemos do ônibus e esperamos pela balsa por uns 15 minutos. Nos bares, um movimento de turistas e ribeirinhos. Gente bebendo cerveja, falando em espanhol, gringos de mochila nas costas... Havia de tudo. Um misto de feira e quermesse.

De repente, num pequeno televisor ligado na Globo, a apresentadora do Jornal Nacional, Lilian Witefibe, com uma profunda tristeza no rosto anuncia: Renato Russo, líder da banda Legião Urbana morreu hoje, de aids. Pow! Senti uma pancada no peito.

Olhei para Mara. Ela também me olhou, sem acreditar. Entre entender a notícia e assimilar a perda, morri de ódio da frieza da Lilian. Como alguém podia dar uma notícia dessas, assim, de supetão? Sem nos preparar? Sem anestesia?


Mas, independente da minha raiva, a notícia era de verdade. E uma sequência de repórteres se sucedeu, traçando um perfil do Renato, mostrando a trajetória de sua vida, falando da sua poesia, mostrando a riqueza de suas letras e estabelecendo um elo definitivo entre o pensamento dele e a mais perfeita tradução do que pensavam e sentiam os jovens daquela geração.

Naquele dia, torci pra que a balsa não chegasse. Da mesma forma como torci para que a notícia fosse falsa. Não adiantou. Nem para uma coisa, nem para outra. A notícia era dura e verdadeira. A balsa chegou. Dentro dela, com um olhar comprido, eu me esforçava par ver o fim do jornal. Foi a travessia mais longa que fiz pelo Rio Paraguai. A noite, o silêncio, a água. Nossa tristeza sob o céu do pantanal. Renato, morto. Aquele outubro de 96 não me sai da memória.


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A missão do Cronista

Por: Ramón Rocha Monroy*
Tradução: Maranhão Viegas


Os companheiros eram bravos, corajosos, abnegados, amorosos, carinhosos. Davam mais de si do que uma pessoa no seu perfeito juízo daria. Viviam entre a esquina da morte e da vida, com notório desinteresse por seguir vivendo, com uma vocação precoce por sacrificar-se.

Nós seguimos vivendo. Às vezes, pela sensatez. Quem sabe, por covardia. O azar poderia nos impor o confronto com a morte. Tudo estava escrito para que isso acontecesse, mas não aconteceu. E, às vezes nos perguntamos: Por que sobrevivemos? Por que seguimos vivos? Por que, previsivelmente, morreremos de morte natural em nosso leito? Quando olhamos fotografias antigas, desgastadas pelo tempo, dos nossos companheiros que já se foram, por um instante, sentimos inveja do seu destino. A luta os levou à morte e a morte lhes tornou gloriosos. Enquanto a nós, apenas a doença e a morte nos está reservado. Por consequência, o esquecimento.

Pensando na crueldade desse destino, encontrei a razão que me ajuda a seguir vivendo. Por que sobrevivemos? Simples: porque estávamos destinados a viver para contar. É exatamente aí, que começa e termina o nosso compromisso. Temos que contar a história, temos que perpetuar na memória das novas gerações o que foram, o que fizeram e a determinação dos nossos companheiros. Como o amor e a solidariedade foram definitivos em suas vidas. E, especialmente, como suas vidas tiveram muito mais significado do que suas mortes. Eles se fizeram grandes seres humanos Gigantes, mesmo.

Caso tivessem sobrevivido, hoje estariam na linha de frente, mas morreram. A nossa missão é fazer com que eles jamais morram de todo. Que cada gesto de amor, solidariedade, coragem, dedicação deles, se torne conhecido pelo nome e sobrenome. Para que todos tenham oportunidade de saber. Seus filhos, os filhos de seus filhos e de todos nós. Desta e das gerações que estão por vir.

Por isso seguimos vivendo. Podemos até morrer em nosso canto, esquecidos por todos, no mais absoluto anonimato, mas se formos fieis ao nosso destino, deixaremos registrado o que é fundamental dizer. Não aquilo que se refere a nossas vidas rudes, modestas, comuns. Mas às vidas grandes e gloriosas daqueles que tivemos a honra de conhecer.

Por fim, compreendo a minha missão de cronista. Eu poderia ter morrido, me transformado em um herói e transcendido ao esquecimento. Mas quis o destino, a vida, que eu tivesse uma outra missão a cumprir: Recordar meus amigos que morreram, contar a história de suas vidas e perpetuá-los na memória coletiva, popular.

Ramón Rocha Monroy é um dos mais importantes jornalistas bolivianos da atualidade. Escritor de romances, roteirista e documentarista consagrado, vencedor de três prêmios nacionais de literatura e, há anos, adotou o pseudônimo de Ojo de vidrio. Foi escolhido pelo Conselho Municipal de Cochabamba para ser "o cronista da cidade", uma missão voluntária para recuperar a memória de Cochabamba.

"Como a memória é um eterno presente, ao deitar-me percorro as camas de todas as mulheres que amei. Retorno exausto e termino dormindo, outra vez, sozinho. Na noite passada, fiquei no meio do caminho. A memória da tua pele não me deixa em paz". Ojo de Vidrio 

domingo, 9 de outubro de 2011

Papo rápido: Elis, Irene



Hora do café. Eu e Mara à mesa. A TV ligada num programa que se chama “Dilemas de Irene”. A trilha sonora, claro, Irene, de Caetano Veloso. Irene é uma irmã de Caetano. E a música foi feita por ele, para ela, enquanto estava preso, em 1969. A música nos levou longe. E Mara, com um ar blasé, diz: “Ah, essa música... só mesmo na voz da Elis”.

Eu não me contive: Elis? Elis nunca cantou essa música. E desandei numa gargalhada tão escrachada, que até a Mara ficou na dúvida sobre o que havia dito. Ela me olhava. Eu rindo. Irene, Elis. Mara riu também. Não queria, mas riu. Irene, Elis... kakakakakaka.

Ela, ainda na dúvida, resolve bancar: Elis, sim senhor. Quer apostar? O dia segue.

A noite vem. Abro o computador e recorro ao Google. Elis/Irene. Clic. Tá lá. Elis, um dia, cantou mesmo Irene. A Mara rindo, escrachadamente, da minha cara. Elis, Irene. Mas eu acho que foi só uma vez.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Hey Rosetta! – Bandages

No início, parece um clip daqueles, feitos à la loca, pra cumprir tabela. Aos poucos, entretanto, a gente vai-se dando conta  da qualidade, da sofisticação, da complexidade do trabalho dos canadenses da banda Bandages. O clip Hey Rosetta! é um primor. Pra quem não os conhece, esses canadenses foram a fonte de inspiração, com um clip antigo, para o vídeo-febre Oração, d’A Banda Mais Bonita da Cidade.

Neste vídeo de agora, eles abriram mão das imagens de estúdio e partiram para uma colagem de inúmeras versões ao vivo, gravadas em circunstâncias completamente distintas. O local pode ser uma galeria, uma livraria, paisagens lindíssimas do Canadá, uma igreja ou uma lanchonete. A formação da banda? Um acústico simples com ninguém além do vocalista. Ou a formação completa, ou até mesmo um enorme coral. Tudo no clip é primoroso. Pra fechar a sexta. Ou, se quiser, pra abrir o fim-de-semana.

Hey Rosetta! - Bandages from Sonic Entertainment Group on Vimeo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Vida Real

Pra fechar a noite de quinta, Vida Real. Música de Guilherme Rondon e Alexandre Lemos gravada no cd MADE IN PANTANAL , em Junho de 2011 na fazenda Barra Mansa, Pantanal. Guilherme Rondon-violão/voz. Orlando Bonzi -guitarra. Alex Mesquita - baixo. Sandro Moreno -percussão.




Santa Fe - Beirut

O último álbum do Beirut, The Rip Tide, recém saiu do forno. Lançado oficialmente em agosto, o disco está em divulgação pelos Estados Unidos e como parte dessa programação, a banda tocou para a rádio WFUV 90.7, não só uma, mas quatro músicas de uma vez. E detalhe: filmou tudo isso.

As músicas escolhidas foram East Harlem, Goshen, Port Of Call e o último single, Santa Fe. Se quiser ver todos os clips, clic aqui e vá para a página do Rock'n'Beats.  Se quiser curtir só este último clip, o Santa Fe, é só dar o play, aí embaixo. É com ele que eu tempero essa manhã fria de quinta-feira. Confere aí Zach Condon e cia nessa apresentação intimista e multi-instrumental. A filmagem do material foi feita pelo pessoal da The Alternate Side. Aproveita! 




Steve se foi

O gênio da nossa era morreu.

Steve Jobs, o pai da maçã tecnológica, nos deixa
a todos um pouco órfãos.

O iPod, o iPhone e o iPad, três de suas
mais respeitáveis invenções mudaram a nossa
forma de ouvir, de ver, de pensar e se relacionar.

Ele foi o Leonardo Da Vinci pós-moderno.
E nós levaremos nas mãos e na mente, por
muito tempo ainda, parte de sua genialidade
para resolver problemas e tornar mais fácil e
ágil a nossa forma de se comunicar.

Meus respeitos e meus sentimentos.

Valeu, Steve.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Veloz

                                                                                                                                                    
Por Marcelo S. Tognozzi*

Numa época em que tambores e troncos ocos eram as mídias, a África negra dominou a tecnologia da comunicação veloz, fazendo com que uma mensagem percoresse centenas de quilômetros no meio da selva em um par de horas.

O segredo das tribos africanas era uma técnica de percussão que imitava o som das palavras. Estes sons de palavras, verdadeiras frases, eram repetidos por uma rede de percursionistas até o destino. E depois faziam o caminho inverso com a resposta.

Na Grécia antiga, os meios de comunicação eram redes de faróis por onde a informação fluia cruzando grandes distâncias em pouco tempo, fazendo circular as principais notícias sobre a guerra do Peloponeso  500 anos antes da Era Cristã.

Enquanto os africanos usavam o som e os gregos a luz, os índios da América do Norte se comunicavam por sinais de fumaça, que, como no caso dos tambores africanos e faróis gregos, eram replicados por uma rede. James Gleick conta esta história no livro “The information: a History, a Theory, a Flood”, lançado poucos meses atrás nos Estados Unidos (pode ser baixado no Kindle).

A primeira transmissão de mensagem por Morse
Mas em todos estes casos, a produção e distribuição de informação privilegiava apenas uma elite. O surgimento do telégrafo de Samuel Morse nos anos 1830 acelerou a democrtização da comunicação, porque os analfabetos podiam enviar telegramas que eram ditados aos telegrafistas. Logo surgiram o telefone e o rádio, com voz em tempo real, decolamos para a TV e agora navegamos a internet, que juntou e misturou tudo isso.

 O livro de Gleick acaba inevitavelmente nos remetendo para o modelo de redes sociais surgido neste século XXI, porque os tambores africanos, os faróis gregos e a fumaça dos índios, tinham o mesmo objetivo: compartilhar. Evoluimos do compartilhamento restrito para a democratização. Desde sempre o homem teve necessidade de dividir,  repartir, trocar informação, levar e trazer perguntas e respostas, e para saciar isso se comunica intensamente.

Parodiando o Chacrinha, nestes tempos de Facebook e Twitter quem não compartilha se trumbica. Não é por outro motivo que as redes sociais se tornaram os templos do compartilhamento da informação. A ponto de muitas pesquisas qualitativas revelarem que boa parte do público entre 18 e 35 anos se informa basicamente através delas.

As pessoas comentam a primavera árabe nas redes socias, a langerie da Gisele Bundchen, mas também falam do que está acontecendo na esquina de casa – a greve nos transportes, o buraco na rua, as crianças na pracinha. Todos nós produzimos e distribuímos informação e assim se constrói a a sociedade do compartilhamento. Veloz, cada vez mais veloz.

Marcelo S. Tognozzi* é Jornalista, com J maiúsculo.
É plugado all the time. Estreia aqui com esse texto, já tarde.
Ele sabe que tem espaço garantido para falar
sempre e quando quiser. Seja bem-vindo, Marcelo.
A casa é sua.

domingo, 2 de outubro de 2011

Memórias da Faculdade 2

O tempo
Seguia o ano de 1983.
Fazia um ano que eu regressara ao curso de jornalismo da UNISINOS, em São Leopoldo, depois de uma rápida temporada de seis meses em São Luis, na Universidade Federal do Maranhão. Fazia um ano de criação do grupo NÓS, que reuniu a um só tempo e em uma mesma viagem loucos, aventureiros, militantes e poetas do curso de jornalismo. Nosso objetivo mais imediato era tirar das mãos dos "tribuneiros" – integrantes de uma das muitas tendências que ocupavam o cenário político do movimento estudantil - a Tribuna da Luta Operária – o comando do Diretório Acadêmico da Comunicação, o DA do Centro 3.

Gilmar, de chapéu; Roninho, de boina; Ronaldo Henn; Eliana Manfroi;
Alemão Scartazzini; Edson e eu, no lançamento do nosso livro "Sinal Algum"
O que nos ligava? Os sonhos, o ineditismo, a inexperiência, mas sobretudo, a anarquia dos nossos pensamentos. A liberdade de propor, de pensar e de amar. A vontade de inaugurar um tempo novo nas nossas vidas e, quem sabe, na vida de muita gente.

A música que a gente ouvia

Elis Regina
Elis Regina havia acabado de nos deixar. Por isso, era a dona da nossa trilha sonora. O Bêbado e o Equilibrista não saía do toca-fitas, tinha um ar de saudade e ao mesmo tempo, nos impulsionava, nos provocava pra um tempo que ninguém tinha idéia de onde ia dar. Mas havia também Led Zeppelin, Pink Floyd, Sá e Guarabira, Victor Ramil, Bebeto Nunes Alves, Ney Lisboa e Nelson Coelho de Castro - estes últimos, os mais legítimos representantes da nova música popular gaúcha.

Os tipos

João Gilmar, o Wanda
A turma era grande, mas alguns tipos se destacavam: O "Wanda" – João Gilmar Rodrigues; um conquistador voraz, escondido atrás de uma figura Davidbooieana. Inteligente e anárquico.

Alemão Sacartazzini e Maranhão Viegas
O Alemão, que de alemão não tinha nada, era mesmo descendente de italianos, Elton Scartazini. Vinha de Casca, uma cidadezinha perto de Passo Fundo. Apesar do tamanho e da aparência imponente pelo porte físico, era de uma pureza a toda prova.

Flávia Divina, a Xutopia
A Flávia Divina da Cunha, que se tornou a "Xutopia".  O apelido definitivo, surgiu a partir de uma pergunta que ninguém teve coragem de fazer, no pimeiro dia de faculdade, quando o professor escreveu bem grande no quadro: Realidade X Utopia – e o X ficou bem mais próximo de Utopia, sugerindo uma palavra inédita e incompreensível pra nós. Ela perguntou e depois da explicação do professor o mundo veio abaixo em gargalhadas e ela virou, para sempre, a nossa Xutopia.


Gisele Viaut
Gisele era a única que tinha carro. E era também a única que estava grávida de um argentino. Ele foi embora; ela ficou com o "DeAlino" na barriga e entre nós. Era assim que o chamávamos a criança - que virou Igor - antes do batismo, porque tudo indicava que ele ía nascer durante uma das reuniões do Diretório Acadêmico.

Havia outros: o Antônio e a Elisa, donos do "Luz e Cena" bar, restaurante, teatro e galeria - que viu nascer muitas das histórias de amor daquela época, entre as quais a minha com Mara. O Luz nos abrigava nos momentos de tristeza e de euforia, era palco dos nossos planos e projetos mais ousados, das revoluções às rodas de dança.

Deraldo Goulart e Maranhão
Deraldo Goulart era dono de um violão e especialista em tocar uma única música – a Rosa de Hiroshima. A Denise Neumann militante petista, católica fervorosa, era a essência da nossa organização, o lado prático e eficiente do nosso grupo, junto com a Luciane Schömer e com a Jussara Verón. Havia mais gente: Sirlei Yoris – a Chile; o Marquinhos Goiano; a Karine e a Rosane Mariani, entre tantos outros, além dos mais frequentes agregados da URGS Abnel, Marião, Ronald.

Verão em Garopaba


Naquela virada de ano, de 83 pra 84, decidimos acampar na Praia do Rosa. Não havia nada lá, só pescadores. Conseguimos o fusca da Gisele e o fusca do Leco, irmão da Denise. Dividimos a turma em dois grupos de cinco e partimos.

No carro da Gisele íamos eu, Mara, Deraldo e Luizinho, irmão da Chile, além da Gisele no volante com o barrigão e o DeAlino lá dentro. No carro do Leco íam ele, a Denise, a Chile, o Edu e a Vera Hass, que destoava um pouco do perfil da turma porque passava boa parte do tempo com uma bíblia nas mãos.

Nos preparamos para dez dias de acampamento. O que mais havia no porta-malas dos dois fuscas era legumes. Não dava pra levar carne, a não ser para o primeiro dia. Gelo, nem pensar. A cerveja era amarrada em cordas e posta dentro do mar, para gelar nas correntes frias do pólo antártico.

De resto, era ver o tempo passsar e negociar peixes com os pescadores. Foram dez dias de fazer nada, a não ser comer, beber, namorar, fazer poesia. Dez dias sem relógio, distantes de tudo e todos. Dez dias que marcaram definitivamente o início do resto de nossas vidas.

Pearl Floyd ou Pink Jam

O programa Late Night With Jimmy Fallon, transmitido pela rede americana NBC,  promoveu nos últimos dias de setembro, uma semana de Covers do Pink Floy. Um dos melhores momentos, sem a menor sombra de dúvida, ficou para o final. Quem encerrou as homenagens foi o Pearl Jam, com uma ótima versão de uma das músicas mais impactantes e emocionantes do Pink Floyd, Mother, clássico do álbum The Wall, de 1979.

Com um início simples e acústico e a grande voz de Eddie Vedder, o Pearl Jam reproduziu um clássico dando à interpretação uma assinatura muito pessoal. Confira aí embaixo a versão de Mother. Pra começar bem o domingo.

sábado, 1 de outubro de 2011

Para abrir outubro - Manoel

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.


Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio,


que compra pão
às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros