O tempo
Seguia o ano de 1983.
Fazia um ano que eu regressara ao curso de jornalismo da UNISINOS, em São Leopoldo, depois de uma rápida temporada de seis meses em São Luis, na Universidade Federal do Maranhão. Fazia um ano de criação do grupo
NÓS, que reuniu a um só tempo e em uma mesma viagem loucos, aventureiros, militantes e poetas do curso de jornalismo. Nosso objetivo mais imediato era tirar das mãos dos
"tribuneiros" – integrantes de uma das muitas tendências que ocupavam o cenário político do movimento estudantil - a
Tribuna da Luta Operária – o comando do Diretório Acadêmico da Comunicação, o
DA do Centro 3.
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Gilmar, de chapéu; Roninho, de boina; Ronaldo Henn; Eliana Manfroi;
Alemão Scartazzini; Edson e eu, no lançamento do nosso livro "Sinal Algum" |
O que nos ligava? Os sonhos, o ineditismo, a inexperiência, mas sobretudo, a anarquia dos nossos pensamentos. A liberdade de propor, de pensar e de amar. A vontade de inaugurar um tempo novo nas nossas vidas e, quem sabe, na vida de muita gente.
A música que a gente ouvia
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Elis Regina |
Elis Regina havia acabado de nos deixar. Por isso, era a dona da nossa trilha sonora.
O Bêbado e o Equilibrista não saía do toca-fitas, tinha um ar de saudade e ao mesmo tempo, nos impulsionava, nos provocava pra um tempo que ninguém tinha idéia de onde ia dar. Mas havia também
Led Zeppelin, Pink Floyd, Sá e Guarabira,
Victor Ramil, Bebeto Nunes Alves, Ney Lisboa e Nelson Coelho de Castro - estes últimos, os mais legítimos representantes da nova música popular gaúcha.
Os tipos
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João Gilmar, o Wanda |
A turma era grande, mas alguns tipos se destacavam: O
"Wanda" – João Gilmar Rodrigues; um conquistador voraz, escondido atrás de uma figura
Davidbooieana. Inteligente e anárquico.
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Alemão Sacartazzini e Maranhão Viegas |
O
Alemão, que de alemão não tinha nada, era mesmo descendente de italianos, Elton Scartazini. Vinha de Casca, uma cidadezinha perto de Passo Fundo. Apesar do tamanho e da aparência imponente pelo porte físico, era de uma pureza a toda prova.
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Flávia Divina, a Xutopia |
A Flávia Divina da Cunha, que se tornou a
"Xutopia". O apelido definitivo, surgiu a partir de uma pergunta que ninguém teve coragem de fazer, no pimeiro dia de faculdade, quando o professor escreveu bem grande no quadro:
Realidade X Utopia – e o X ficou bem mais próximo de Utopia, sugerindo uma palavra inédita e incompreensível pra nós. Ela perguntou e depois da explicação do professor o mundo veio abaixo em gargalhadas e ela virou, para sempre, a nossa
Xutopia.
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Gisele Viaut |
Gisele era a única que tinha carro. E era também a única que estava grávida de um argentino. Ele foi embora; ela ficou com o
"DeAlino" na barriga e entre nós. Era assim que o chamávamos a criança - que virou Igor - antes do batismo, porque tudo indicava que ele ía nascer durante uma das reuniões do
Diretório Acadêmico.
Havia outros: o Antônio e a Elisa, donos do
"Luz e Cena" bar, restaurante, teatro e galeria - que viu nascer muitas das histórias de amor daquela época, entre as quais a minha com Mara. O
Luz nos abrigava nos momentos de tristeza e de euforia, era palco dos nossos planos e projetos mais ousados, das revoluções às rodas de dança.
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Deraldo Goulart e Maranhão |
O
Deraldo Goulart era dono de um violão e especialista em tocar uma única música –
a Rosa de Hiroshima. A
Denise Neumann militante petista, católica fervorosa, era a essência da nossa organização, o lado prático e eficiente do nosso grupo, junto com a
Luciane Schömer e com a
Jussara Verón. Havia mais gente:
Sirlei Yoris – a
Chile; o
Marquinhos Goiano; a
Karine e a
Rosane Mariani, entre tantos outros, além dos mais frequentes agregados da URGS
Abnel,
Marião,
Ronald.
Verão em Garopaba
Naquela virada de ano, de 83 pra 84, decidimos acampar na
Praia do Rosa. Não havia nada lá, só pescadores. Conseguimos o fusca da Gisele e o fusca do Leco, irmão da Denise. Dividimos a turma em dois grupos de cinco e partimos.
No carro da Gisele íamos eu, Mara, Deraldo e Luizinho, irmão da Chile, além da Gisele no volante com o barrigão e o
DeAlino lá dentro. No carro do Leco íam ele, a Denise, a Chile, o Edu e a Vera Hass, que destoava um pouco do perfil da turma porque passava boa parte do tempo com uma bíblia nas mãos.
Nos preparamos para dez dias de acampamento. O que mais havia no porta-malas dos dois fuscas era legumes. Não dava pra levar carne, a não ser para o primeiro dia. Gelo, nem pensar. A cerveja era amarrada em cordas e posta dentro do mar, para gelar nas correntes frias do pólo antártico.
De resto, era ver o tempo passsar e negociar peixes com os pescadores. Foram dez dias de fazer nada, a não ser comer, beber, namorar, fazer poesia. Dez dias sem relógio, distantes de tudo e todos. Dez dias que marcaram definitivamente o início do resto de nossas vidas.
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