terça-feira, 13 de novembro de 2018

Estrada viva

Jaguatirica morta na BR 262
Forto Edemir Rodrigues - CG News
Corria o ano de 1996. Século passado, portanto. A ACT Comunicação - uma aventura comunicativa/empresarial que eu e a jornalista Ecilda Stefanello fizemos existir por doze anos e meio - era a matriz dos nossos sonhos, das nossas ousadias. E vivia nos fazendo percorrer caminhos inéditos. Num desses encontros que a vida nos presenteia, cruzamos com o biólogo Wagner Fischer. Ele buscava alguém que encarasse o desafio de transformar em documentário a pesquisa que ele fazia, quase que como um cavaleiro solitário.

Ecilda Stefanello e Maranhão Viegas
Priscas Eras (1999 - na Lujje Filmes)
Wagner registrava o número de acidentes e de mortes por atropelamento de animais na estrada mais famosa do MS, a BR 262, que corta o pantanal sul-matogrossense, entre Campo Grande e Corumbá. Nós da ACT éramos loucos o suficiente para nos jogar de cabeça em projetos provocantes como aquele. O dinheiro, como sempre, era curto. O desafio, imenso. As dificuldades, maiores ainda. 

Wagner Fischer
A ideia evoluiu. De tanta insistência. No início de 1999 caímos na estrada para começar a fazer os registros. Em agosto daquele ano o documentário estava pronto. 

O assunto era angustiante. Nós precisamos encontrar um jeito de mostrar aquela tragédia, sem causar repulsa em quem assistisse. Mas, também, sem deixar de emocionar. Pela dramaticidade das imagens. No final, os quase nove minutos do documentário, creio, cumpriram a sua missão. 

O filme ganhou dois prêmios do 1º Festival de Vídeos do Mato Grosso do Sul (Melhor Documentário e Melhor Roteiro). E ajudou a traduzir de forma mais clara a grande batalha que o Wagner travava para reduzir o impacto de uma estrada asfaltada no coração do Pantanal.


Hoje cedo, recebi uma mensagem do Wagner Fischer, me enviando o link de uma reportagem publicada, ontem, pelo NY Times sobre o assunto. (Clic no link para ler a reportagem completa).


A reportagem foi motivada pelo documentário original e pela pesquisa, que o Wagner segue tocando. O problema - que registramos lá atrás e que comoveu tanta gente naquela época - segue cada dia mais grave. Não foi o suficiente para que as autoridades ambientais tomassem alguma providência efetiva para reduzi-lo. 

Isaac de Oliveira
O documentário que fizemos no Século passado está mais atual do que nunca. A logomarca do projeto e do documentário foi feita pelo artista plástico e grande amigo, Isaac de Oliveira. A jornalista Waléria Leite é quem apresenta. As imagens, de Jair de Almeida. A edição é de Antônio Paes. O vídeografismo, de Cido Fernandes. E a produtora foi a Lujje Filmes.

Waléria Leite e a Logomarca Estrada Viva
Um orgulho saber que aquela semente deu frutos. Uma tristeza ver que nada do que dissemos e mostramos à época serviu para evitar que o problema avançasse. Uma responsabilidade: seguir lutando.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

domingo, 28 de outubro de 2018

Música de sobrevivência


Há anos, carrego comigo um disco do Egberto Gismonti. Desde quando eu não fazia a menor ideia  da profundidade da música dele. Pra ser sincero, a primeira música de Egberto que me fisgou a audição foi "Palhaço".

Ainda me lembro da emoção que senti à medida que a música invadia meus ouvidos. Parecia que que um bando de crianças iria saltar da vitrola, seguido por palhaços, leões, bailarinas, mágicos e trapezistas. Um circo inteiro brotando do vinil enquanto a agulha cingia o acetato.

A paixão foi imediata. Tanto que o primeiro filme que dirigi na minha vida, durante os tempos da UNISINOS, em São Leopoldo, ainda em Super 8, chamava-se "Qualquer coisa a ver com o Paraíso". O nome fazia uma referência à música de outros dos meus ídolos musicais, Milton Nascimento e Flávio Venturini.

O filme foi rodado entre a meia-noite e as seis da manhã, na madrugada de um domingo pra segunda, na Voluntários da Pátria, coração de Porto Alegre. Era um libelo à liberdade. Uma fantasia estudantil. E a trilha sonora era a música do Egberto Gismonti. Espero um dia poder recuperar uma cópia desse filme nos arquivos do Curso de Comunicação da universidade.

A partir de então, tudo o que encontrei do Egberto, e que meu curto dinheiro permitiu comprar, comprei. Entre os discos que compõem a herança musical da minha vida há um chamado "Música de Sobrevivência". Justamente o que está tocando, neste exato momento, em minha vitrola.
Não é à toa. Aliás, nada em minha vida é à toa.
Hoje, a música de sobrevivência de Egberto Gismonti, que eu carreguei uma vida toda sem saber porquê, adquiriu sentido.



Alterando, com a licença poética que me é permitida, a frase que se escreveu um dia na bandeira de Minas, "Liberdade, ainda que à tardinha!". Música de Sobrevivência. Música para sobreviver. Palhaço.



domingo, 21 de outubro de 2018

Uma janela no tempo

Um brinde à vida. 
Mais uma janela do tempo se encerra na história de Brasília.
O coronel Affonso Heliodoro, o "primeiro amigo" de Juscelino Kubitschek, se foi deste plano para outro, na madrugada do sábado.

Foram 102 anos de uma vida intensa.
Guardo dele a memória do nosso último encontro, ocorrido seis anos atrás.
Goles de vinho, minutos de história, aula definitiva sobre o tempo e como vivê-lo.
Vá em paz, amigo.
E seja leve ao relatar, para os que encontrar do outro lado, as histórias desse nosso Brasil de hoje.



segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A utopia me move



Corro com o sol a pino.
Porque esse dia foi de amargar.

Sigo correndo, 
não me esperem parado.
Muito menos, calado.

A poesia será, 
enquanto eu existir,
a minha melhor arma.

A utopia me move.


sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Tempos de glória, tempos de fome

Cena do filme "A idade do Fogo". 
A história sempre se moveu em torno de uma mesa – ou de algo que remetesse a ela. Desde que o primeiro humanoide sentiu fome. Desde sempre, pois. Em Brasília, não é diferente. À mesa, rica ou pobre, alimentam-se os visionários, os abastados, os poetas, os desvalidos.

Há pouco, abri o écran, na volta do almoço. Plaft! Surge na tela a notícia. “Justiça determina o despejo imediato do Piantella.” O Piantella foi, durante um bom tempo, o restaurante que matava a fome e dava status aos poderosos do Planalto Central. Foi como um dardo na minha memória gustativa. Não que eu o frequentasse ou que ele fizesse parte dos meus hábitos. Não. Aliás, estive lá umas poucas vezes, na modesta condição de convidado.

Mas a notícia doeu na minha memória. Guardadas as proporções, foi como se soubesse do despejo da Pastelaria Viçosa, da Rodoviária do Plano. Ou, um pouco mais intelectual, se aproximou à dor que senti quando o Mercado Municipal (sim, Brasília teve um Mercado Municipal) foi fechado. Neste caso, por conta da morte do seu criador, Jorjão.

Priscas eras: políticos de diferentes naipes, à mesma mesa.
Matando a fome no Piantella e deixando o ódio de lado. 
Sinal dos tempos. No Piantella as oposições sentavam-se à mesa e decidiam muitas das questões capitais da Capital do Brasil. Ulysses sorveu alguns bons goles de poire, sua aguardente preferida, extraída da pêra. Eram tempos outros. Temperados com uma política mais delicada do que a que se pratica hoje. Menos embrutecida, menos à flor da pele. Menos odiosa.

a aguardente de pêra.
Sinal dos tempos. O despejo do Piantella acontece justo nesses dias sombrios, véspera de eleição. Uma eleição em que nos servem um cardápio vencido, comida podre, indigesta. Um soco no estômago do qual, qualquer que seja o resultado, iremos à lona. E a história segue sendo resolvida em torno de uma mesa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Tempo, reflexão, poesia e música


Antes, a desculpa era o tempo seco. Que não era propriamente uma desculpa, mas uma constatação. Na seca brasiliense, o corpo é mais exigido. Em nível de sofrimento, mesmo. Fazer exercícios físicos requer mais que coragem. E sacrifício.

Me agarrei nisso para conter meu ímpeto de corredor. E justificar  a lentidão dos meus passos. Fiz disso um argumento para me convencer. Mas, não. Não é bem isso.

Há dias, meu corpo prefere a calma à correria. Na minha idade - carrego 56 de estrada - começo a respeitar mais esses sinais. Certo, o exercício físico me devolve a alegria de viver. Sim, claro. Mas há outras alegrias quando se respeita os limites, também. E descobri-las é revigorante.

Dias de contemplação, pois.

Sigo acordando cedo. Madrugando, com os passarinhos. Eles, ali perto da minha janela, fazem uma algazarra matinal que começa bem antes dos carros barulharem a manhã. Me entregam uma sinfonia particular. E eu desfruto.

Na madrugada, me espreguiço, olho pro teto ainda no escuro, penso. Alguns chamam esse processo de meditação. Embora eu saiba que meditar é um ato mais disciplinado, de maior concentração. Medito a meu modo. E me serve.

Lá fora o dia também se mostra preguiçoso, numa medida boa. Nuvens de chuva espantam a secura e anunciam uma primavera que chega já, já. Abelhas fazem a corte entorno de plantas carregadas de botões, prestes a virar flor. Seria isso a tal harmonia da natureza? Penso que sim.

Pés no chão, piso refrescante, chaleira fervente, café, pão com manteiga, bolo de fubá, banho de ducha forte. Minha avó dizia que a água lava tudo. Leva tudo. E que um bom banho sempre deixa tudo mais em paz.

Resisto às notícias cotidianas da TV. Eu, que ajudo a fazê-las em certa medida, sei que são mais capazes de entristecer do que de alegrar. Tenho preferido a alegria, confesso. A poesia escondida nas entrelinhas. Ou a poesia explícita.

A senhora Ayumi e seus bonecos.
Acabo de ler a história de uma senhorinha que vive em uma ilha distante, no Japão. Um local que já teve milhares de habitantes e hoje tem trinta e sete pessoas. A senhora Ayumi, que saiu e voltou à sua terra natal encontrou um jeito de manter quente seu coração e vivas as suas memórias. Ela constrói bonecos de pano. E os espalha pela ilha.

Alguém pode achar que é um jeito mórbido de viver. Mas não é. Os bonecos da senhora Ayumi são quase gente. Se assemelham com vizinhos que se foram, com crianças que partiram em busca de novas aventuras. Com entes queridos que partiram desta vida. O fotógrafo alemão Fritz Schumann produziu um curta metragem sobre a história dela e de seus bonecos. Tá ai embaixo. São seis minutos e meio de delicadeza oriental.


Meu corpo e minha mente agradecem pelo respeito ao tempo. E eu entendo ainda melhor que viver é a busca de um equilíbrio qualquer. Plim. Meu telefone avisa. Tem mensagem pra mim. Estico os olhos sobre a xícara de café. Mariana, minha filha, é quem me escreve.



Uma mensagem curta. Abre o texto com o jeito que ela me chama desde que assistiu uma novela ambientada na índia - "Bom dia, papadih!" E segue falando. Ouço a voz dela e a vejo com a cara cheia de risada.  "40 anos depois, 'Maria Maria' ganha um clip oficial. Veja que coisa mais linda!". E encerra anexando o clip que eu vou compartilhar ai embaixo.

Meu tempo respeitado. Minha existência justificada. Obrigado, filha.




domingo, 16 de setembro de 2018

Memória de cinema


Ontem, fui ao cinema.
Fazia algum tempo que não ía. Já na fila pra comprar o ingresso, ouço alguém me chamar. "Ei, Maranhão!" Minha surdez esquerda me impede de saber, de imediato, de onde vem o chamado. Mas não me impede de reconhecer, um pouco mais à frente a figura do Nilson Araújo.

Encontro desses, assim, inesperado. Nilson chegou a mim pelas mão de minha querida Margot (Margarida Marques). Como amizade não exige medida, ficamos amigos, um pelo outro. E todos por nós.

Nilson me pergunta há quanto tempo estou por Brasília. Faço as contas. Já se vão doze anos. E nos surpreendemos, ambos, com a nossa distância. Um abraço. Um combinado de não deixar o tempo ceder à distância novamente. Domingo, quem sabe, a gente se vê de novo.

Pago o ingresso. Vou assistir "O Paciente". Entro na sala quase vazia. São seis ou sete pessoas comigo. E eu gosto de cinemas assim. Vazios, são como se fossem meus. Me sinto mais à vontade pra sentir o filme por completo.

Neste caso, o filme é também uma espécie de reencontro com uma Brasília de tempos atrás. "O Paciente" conta a história do curto e doloroso período de calvário, entre a descoberta da doença e a morte de Tancredo Neves. O presidente que foi sem nunca ter sido. Como eu já falei aqui mesmo neste blog, tempos atrás. 

É estranho entrar num filme cujo final não é segredo pra ninguém. Todos sabem como termina, antes mesmo do filme começar. Tancredo morre sem subir a rampa do Palácio de onde deveria governar e conduzir o início do processo de redemocratização do Brasil - interrompido vinte e um anos antes pela ditadura militar.

Me pergunto o que faço ali e a resposta é nítida. Estou em busca do que fui no passado. Da minha própria história profissional. Eu explico. Havia pouco, eu tinha saído da universidade e aceitado um convite para ser repórter da TV Bandeirantes em Dourados, no interior do Mato Grosso do Sul.

A convalescência de Tancredo exigiu da Rede Bandeirantes a convocação de pelo menos mais uma equipe para atuar em Brasília. E a equipe da Band de Dourados estava na lista pela proximidade geográfica. E assim, do dia pra noite, virei correspondente nacional, na cobertura de maior impacto da TV Brasileira  naquele momento.

Minha missão era ficar na portaria do Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente eleito, José Sarney. Minha vida em Brasília era marcada por plantões que não terminavam nunca. Até que a morte de Tancredo foi anunciada, por Antônio Brito, perto das nove da noite de um domingo, dia 21 de abril de 1985.

No link que inscrivi ali em cima, você vai saber que a minha companhia, naquele exato momento, era a de um velho amigo de lides estudantis, o Hugo Studart, à época, repórter do Jornal do Brasil. Nós éramos dois jovens iniciantes na profissão. Com um desafio imenso de relatar um momento único da vida política nacional.

Hoje, na sala quase vazia do cinema, sou tomado por um misto de euforia e angústia, como se estivesse vivendo tudo de novo. Mas agora, pelo lado de dentro da história. Alcançando detalhes que  naqueles dias eram impossíveis de se alcançar.

O medo de Tancredo - o de que os militares não passassem o poder a Sarney - era o mesmo que todos nós vivíamos. Por isso, mesmo sentindo um dor imensa e com os médicos suspeitando de uma apendicite, ele pedia antibióticos e recusava a ideia de uma intervenção cirúrgica. Acreditava ser capaz de suportar a dor até a hora de assumir a Presidência.

Mas os detalhes que o levaram à morte só vieram à tona muito tempo depois. Meus olhos frios de agora me permitem concluir que o combinado presunção/vaidade/arrogância teve um papel decisivo no desfecho mortal de Tancredo.

A foto original, feita por Gervásio (um dos mais importantes fotógrafos de Brasília) .
A cena reproduzida, no filme de Sérgio Rezende. 
Mas outro aspecto sobressai na história do filme que chega às telas agora. Já naquela época havia uma precariedade na estrutura hospitalar de Brasília. Precariedade que ía da falta de equipamentos à burocracia.

Num determinado momento, crucial para saber a abrangência dos efeitos de uma infecção no corpo do presidente, o diretor do Hospital de Base admite, constrangido, que um exame não poderia ser feito aquela hora da noite porque o equipamento estava trancado em uma sala. E o responsável pela sala, que levava a chave pra casa... morava em Sobradinho. Quem conhece Brasília sabe o que isso significa em termos de distância e tempo.  Existem pelo menos uns 25 quilômetros separando o Hospital de Base da cidade de Sobradinho.

Tancredo morreu depois de ter o corpo aberto, para grandes intervenções cirúrgicas, por três vezes, em menos de um mês. A estrutura orgânica daquele senhor de setenta e cinco não resistiu a tanta invasão. O ego e a vaidade dos médicos também contribuíram para o desfecho trágico.

O filme de Sérgio Rezende é precioso porque consegue traduzir o clima tenso daqueles dias. A caracterização de Othon Bastos no papel de Tancredo é impressionante. Esther Góes faz uma Risoleta Neves vigorosa. Paulo Betti mostra um professor-doutor Pinotti em quem a vaidade pesa mais que o conhecimento (pelo menos, neste caso).

Othon Bastos, como Tancredo Neves. 
Naquele vinte e um de abril morreram Tancredo e um pedaço da Democracia, que tentava ressurgir no Brasil. A Nova República nascia envelhecida.

No escuro do cinema senti, outra vez, todas as angústias do jovem repórter que eu era. Quando o caixão de Tancredo ganha as ruas em imagens reais, documentais, e Milton Nascimento começa a cantar é impossível não viver aquela dor, outra vez. Saio da sala e piso de novo na realidade. O tempo não para. E os antibióticos, nos quais Tancredo tanto confiava, continuam não servindo para salvar o país do desarranjo político em que nos metemos, desde que ele se foi.      
 


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

E pronto!

Isso de ser irmão,
a gente não controla.
Irmão é. E pronto.

Feio ou bonito.
Acertado ou com defeito.
Parceiro ou encrencado.

Irmão é.
E pronto.

Assim sendo, somos.
Irmãos.  E pronto!

De pé: Isanor e Iram.
Sentados: Inorbel, Isabel e Ildenor


sábado, 1 de setembro de 2018

Prata da Casa

O jornalista e músico Rodrigo Teixeira
Em 2016, o músico, jornalista e grande amigo meu, Rodrigo Teixeira, me mandou os originais de um livro que ele escrevia, sobre a história da música sul-mato-grossense.

Rodrigo me pedia que lesse os originais e escrevesse um prólogo. Uma desafio que eu encarei com a emoção de quem viveu por vinte e três anos em Mato Grosso do Sul. De quem aprendeu a amar aquela terra, que me deu dois filhos lindos, reconhecimento profissional e grandes amigos. Entre os quais, a maioria dos personagens desta história musical pesquisada com zelo e escrita com maestria pelo Rodrigo. 

Fiz com carinho e emoção.
Hoje, quase dois anos depois, o livro me chega às mãos.
Um presente quente e afetuoso. Que eu compartilho em imagens e me delicio ao ler.





No vídeo, ai embaixo, um clássico do cancioneiro sul-mato-grossense, na voz do "Hermanos Irmãos", grupo composto por Jerry Espíndola, Marcio de Camillo e Rodrigo Teixeira. Trem do Pantanal. 




Sobre a vida (carta ao meu maestro soberano)

(Para Luis Theodoro)

Querido maestro.

Dias atrás fiz 56.
Não sei direito o que isso significa porque é a primeira vez que faço 56. Portanto, me resta descobrir vivendo. Talvez, por isso mesmo, venho pensando muito na vida.

Tenho recebido muitos presentes, apesar dos tempos difíceis que enfrentamos. Fazer o Caminho de Cora foi um deles. Talvez, o mais importante trabalho que eu tenha feito na vida. Mas tem outros também. Menores, mais simples, mas nem por isso, menos importantes.

Com meu irmão, Iram.
No dia do meu aniversário, meu irmão, Iram, me deu um livro escrito por um menino que nasceu em Campo Grande, MS, dois ou três anos antes de eu chegar por lá. Seu nome, Danilo Nuha. O "Japa". Portanto, eu já tinha vinte e poucos quando ele nascia. 

Danilo "Japa"Nuha
Nossos destinos se cruzaram de modo distinto. Nunca nos encontramos, mas sempre estivemos por perto. Ele é amigo de grandes amigos que fiz por lá, como o poeta e compositor Paulo Simões, como Rodrigo Teixeira, Almir e tantos outros. 

Paulinho Simões e o Japa
Um dia, eu estava cruzando o país, ponteando em algum aeroporto destes ai, quando encontrei um livro assinado por ele. "Nada Consta", era o nome do livro. Nele, o Japa conta as histórias de sua curta (por enquanto, e que seja longa!) e intensa existência. De como se aventurou no mundo. De como foi de limpador de fossas a pedreiro. De jornalista a muambeiro. De um sujeito comum a iluminado pela proximidade de Bituca. Comprei.

Li numa avidez incontrolável. Tanto que acabei a leitura antes do avião pousar novamente. Assim como tenho feito sempre, compartilhei a leitura. Com Mariza, com meu irmão, com tantos outros amigos. 

O livro de aventuras do Japa
Agora, não faz muito, no dia do meu aniversário, meu irmão me presenteou com um outro livro do Japa Nuha. Neste, ele que virou, há pelo menos dez anos, o mais próximo assessor de Milton Nascimento, faz um trabalho de resgate primoroso, reunindo as canções escritas por Milton e contextualizando a escrita e a música. O livro é uma delícia e eu acabo de lê-lo.
Meu mais novo presente
Desta vez, usei a tecnologia para fazer algo que, agora, o tempo permite: Enquanto lia as canções e suas histórias, acessava minha conta do spotfy e, além de ouvir as músicas, organizei a minha própria playlist com as letras e canções do Milton, que constam no livro. Uma maravilha destes tempos pós-modernos e virtuais. Bem melhor que perder tempo com ódios e rancores tão comuns às redes sociais.

Dai que, ler esse livro me provocou a escrever. Dai que, fazer o Caminho de Cora também me revolucionou internamente. Dai que, a cada dia mais eu sinto vontade de escrever.

Dai que, hoje, acordei, terminei de ler o livro e de ouvir as músicas de Milton. E pensei em o quanto nossa parceria anda distante. Dai que, senti saudades e comecei a escrever de uma só vez algo que eu suponho tem cara de poesia, mas também de música. E que fala exatamente dessa questão do tempo que passa. E da vida que passa e fica.

Então, te escrevo por isso. Pra mostrar o que escrevi, pra matar a saudade e pra falar da vida.
Taí. Que seja o que a vida queira.

SIM.
A VIDA HÁ
ENTRE O QUE FOI
E O QUE SERÁ

SIM, A VIDA HÁ. 

MESMO QUE NESSE 
HIATO DE TEMPO
A GENTE NÃO SINTA
O TEMPO PASSAR

A VIDA HÁ
ENTRE O QUE FOI
E O QUE SERÁ

ENQUANTO ISSO
O TEMPO PASSA
E A GENTE VIVE 
UMA CERTEZA

SIM.
HÁ VIDA 
ENTRE O QUE FOI
E O QUE SERÁ.

 
Um abraço saudoso.
De quem segue vivendo.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O que foi e o que será




Sim.
Há vida entre o que foi 
e o que será. 
Nesse hiato de tempo,
o tempo passa. 
E a gente vive
enquanto o tempo passa.


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Do mestre, com carinho

Luiz Evangelista foi meu professor em Maringá, no Paraná, em 1979. Hoje penso que ele foi, seguramente, quem me abriu a mente para a filosofia e para a literatura. Duas das coisas que me sustentam. E que me fazem ser quem sou. 

Ontem, Luiz me deu a honra de assistir o Caminho de Cora, pela TV Brasil. Hoje ele me escreveu. Em tom solene, como cabe a um dos mais respeitados cientistas que esse país já deu. Com intimidade, que só quem foi seu aluno sabe reconhecer. 

Por isso, transcrevo a escrita. 
Porque ela justifica tudo o que eu sou hoje. 
Agradecido, Luiz. Muito. 

Luiz Evangelista, meu "Merlí".


Prezado Sr. Viegas,
tomo a liberdade de manifestar-me sobre o extraordinário programa que tive o privilégio de acompanhar na TV Brasil. 
Como sou um velho fã da poeta goiana, tomei a liberdade, também, de escrever um pequeno texto.
Eu gostaria de agradecer-lhe. O seu trabalho foi um presente para o Brasil.
Boa noite.
Atenciosamente,
Luiz Roberto Evangelista


Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. 
Eu sou Aninha. 

Eu a conheci na Bienal de 1986, em São Paulo. Ela tinha deixado este estranho mundo há pouco tempo. Lá estavam dois livros seus;  eu os comprei e os li, avidamente. E os guardo, com muito cuidado. Estão na minha estante (desorganizada) de literatura, ao lado de alguns outros que, como ela, amavam escrever...

Habituei-me, nesses anos todos, a ser só eu a gostar dela. Nas rodas, no meu ambiente (universitário!), entre os amigos, em casa, fora do País... Eu me habituei também a falar dela, de vez em quando. Mesmo em minhas aulas de física, ao longo dos anos, uma vez ou outra eu a mencionava. Poucos (na verdade: ninguém, de que eu me lembre) a conheciam!
A ela eu juntei outra mulher do Interior: Helena Meirelles, “a maior violeira do Brasil e do Mundo”.  Eu o fiz,  e me convenci: este é o Brasil com as suas mulheres fortes. Mulierem fortem, quis inveniet?

Que surpresa ao vê-la agora retratada em seu caminho, que corta o seu Goiás 
profundo – Goiás que, aliás, só é profundo porque deu ao mundo filhos como ela – diga-se! 
A TV Brasil nos levou, pela mão competente e pela alma de poeta de Maranhão Viegas, a percorrer com ela os seus próprios caminhos.  Conhecemos o “Caminho de São Tiago”, conhecemos, no Sul da Itália, o “Caminho de São Francisco”. Agora, conhecemos o caminho de Cora. 
O mundo estranho de Einstein que ela deixou é agora menos estranho; na verdade, é mais doce, pois temos a sua companhia. A companhia de Aninha, da casa velha da ponte.  Doceira. Poeta. 

Luiz Roberto Evangelista
Maringá, 23 de agosto de 2018.

Pra quem não teve a oportunidade de ver, ai está o Caminho de Cora. Desfrute!


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O menino à espera de Cora





Sabe menino novo? Que fica olhando pro relógio na noite de natal? Que vai e volta da porta do quintal, e olha pra cima pra ver se o dia acabou? Se o céu já está estrelado? Assim. Bem assim estou hoje. É dia de "Caminhos da Reportagem" na TV Brasil. E é a estreia de "No rastro da Poesia. No Caminho de Cora."

Tô que não me contenho.
Dá meia-noite e não dá 21:45.

Agora, nesse exato momento, me vem à memória o dia em que li pela primeira vez sobre o Caminho de Cora. Foi no final de março, início de abril deste ano. Naquela hora, me subiu um calor pelo corpo. Pensei comigo: E se eu criasse coragem para fazer a reportagem sobre esse caminho? Me enchi de força e fui. Atravessei a redação, bati na porta da chefe e pedi preferência. Se um dia decidirem fazer um “Caminhos da Reportagem” sobre o Caminho de Cora, eu sou candidato a fazer.

Dois meses depois fui chamado pra uma reunião e a notícia veio de supetão: Você vai fazer o Caminho de Cora. Mas tem que ser no começo de junho, antes das suas férias. Ai, foi quando deu aquele frio na barriga. Sabe como? Aquele frio que encolhe o estômago da gente. Que faz parecer o chão faltar. Ok. Eu desejei. Ele veio. Agora... é fazer.

A literatura de Cora passou a frequentar minhas noites. O caminho de Cora, os meus dias. Assisti gravações antigas em que Cora fala da vida dela. Vi documentários novos, contando sua história sob o prisma da emoção de quem não ficou parada, nem respeitou os limites impostos pelo tempo. Uma caminhante. Uma peregrina. Uma aventureira incansável.

Aumentei o ritmo das minhas corridas para aguentar o tranco do caminho. Comprei botas especiais para suportar a caminhada. Tá certo, eu só percorreria alguns trechos dos 300 quilômetros do caminho. Não haveria tempo de fazê-lo todo, nos cinco dias destinados à produção do material. Mas eu sabia que caminharia muito.

De carro, fizemos cinco vezes a medida do percurso. 1.500 quilômetros no total. Subimos morro, enfrentamos estradas de terra, mato, pó e sol a pino. E descobrimos vida interiorana e poesia, muita poesia, espalhada pelo caminho. Não só as poesias de Cora (cuidadosamente postas em lugares estratégicos), que renovam a energia dos caminhantes cada vez que o cansaço se manifesta.

No caminho de Cora, a vida é um pouco poesia. Basta permitir o olhar. Basta querer enxergar. Basta não ter pressa e ter calma.

Hoje, minha ansiedade é outra. Daqui a algumas horas vai ao ar, em rede nacional, pela TV Brasil, o resultado do trabalho de uma equipe briosa, - "chiquitita, pero cumplidora" como se costuma dizer nos pampas - que forma o Núcleo de Programas Especiais. Onde são pensados, planejados, gestados e paridos alguns dos melhores produtos desta TV, entre os quais a série "Caminhos da Reportagem".

Quase não acredito na distância do tempo, entre aquela primeira leitura despretensiosa, que me informava sobre a existência do Caminho de Cora Coralina, e o quase agora da exibição do programa. Eu o vi na ilha. E me emocionei muito.

Espero que a minha emoção se traduza, também, aos olhos de quem o veja na TV. E que a emoção se espalhe numa medida boa. Na dose certa de poesia que salva o dia. Como a simplicidade do "seo" Quinzinho. Como a singeleza da TiaTó. Como a firmeza dos peregrinos Mário e Marina. Como a coragem das “Mulheres Coralinas”, da Ebe.

Enfim, o menino que me habita corre feliz em direção ao seu "presente", que chega já. No rastro da poesia. No Caminho de Cora Coralina.

Meus agradecimentos à equipe que não mediu esforços para colocar esse projeto de pé: Mariana Fabre, Sigmar Gonçalves, Hugo Madureira, Isaias Cipriano, André Pacheco, Rogério Verçoza, Dailton Matos, Edivan Viana, Suzana Guimarães, Julia Costa e Henrique Correa. E, por uma questão de justiça, agradeço também a todos os que, em alguma medida, contribuíram com a feitura deste sonho real. 

Mariana Fabre e Sigmar Gonçalves, os pulmões do Caminho de Cora. 

Henrique Correa, Cintia Vargas e Suzana Guimarães.
O coração do Caminho de Cora.  

Um agradecimento especial a Cintia Vargas, Ana Passos, Patrícia Paiva e Adriana Motta, que enfrentam os leões desse nosso tempo agudo e dão o norte da nossa jornada diária. E o meu sincero reconhecimento à TV Brasil, que me deu a oportunidade impar de juntar poesia e jornalismo - uma fórmula que não me sai da cabeça. Nunca.

Serviço:
"Caminhos da Reportagem"
No rastro da poesia. No Caminho de Cora
Quinta-feira - 23.08.2018 - 21h45
Reapresentação: Domingo 26.08.2018 - 20h00 
TV Brasil 





O vídeo completo está ai embaixo. Desfrute!!

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sete vidas



Onze dias.
O voo que me levou para fora é
o mesmo que me traz de volta.
A temperatura é mais baixa.

Antes havia sol e o tempo era quente. 
O sistema de som no aeroporto informa: 
agora, em SP, treze graus.

É frio. Mas não é tanto que me faça esquecer 
a tua respiração ritmada em meu rosto.
Gatos novos não respeitam espaço e tempo. 
Se movem com a convicção de que tem sete vidas.

Bem que podia ser assim.
Sete vidas.

Eu tenho sono enquanto espero o avião 
que me leva de volta pra casa. 
Treze graus. 

É frio e minha alma de gato novo rejeita limites.
Quem me dera, sete vidas!

domingo, 29 de abril de 2018

Meu menino



Gabriel cresceu. Faz vinte e seis hoje.
Meu menino cresceu.
Mas seguirá sendo, sempre, "meu menino".











Feliz aniversário, filho.