sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Tempo, reflexão, poesia e música


Antes, a desculpa era o tempo seco. Que não era propriamente uma desculpa, mas uma constatação. Na seca brasiliense, o corpo é mais exigido. Em nível de sofrimento, mesmo. Fazer exercícios físicos requer mais que coragem. E sacrifício.

Me agarrei nisso para conter meu ímpeto de corredor. E justificar  a lentidão dos meus passos. Fiz disso um argumento para me convencer. Mas, não. Não é bem isso.

Há dias, meu corpo prefere a calma à correria. Na minha idade - carrego 56 de estrada - começo a respeitar mais esses sinais. Certo, o exercício físico me devolve a alegria de viver. Sim, claro. Mas há outras alegrias quando se respeita os limites, também. E descobri-las é revigorante.

Dias de contemplação, pois.

Sigo acordando cedo. Madrugando, com os passarinhos. Eles, ali perto da minha janela, fazem uma algazarra matinal que começa bem antes dos carros barulharem a manhã. Me entregam uma sinfonia particular. E eu desfruto.

Na madrugada, me espreguiço, olho pro teto ainda no escuro, penso. Alguns chamam esse processo de meditação. Embora eu saiba que meditar é um ato mais disciplinado, de maior concentração. Medito a meu modo. E me serve.

Lá fora o dia também se mostra preguiçoso, numa medida boa. Nuvens de chuva espantam a secura e anunciam uma primavera que chega já, já. Abelhas fazem a corte entorno de plantas carregadas de botões, prestes a virar flor. Seria isso a tal harmonia da natureza? Penso que sim.

Pés no chão, piso refrescante, chaleira fervente, café, pão com manteiga, bolo de fubá, banho de ducha forte. Minha avó dizia que a água lava tudo. Leva tudo. E que um bom banho sempre deixa tudo mais em paz.

Resisto às notícias cotidianas da TV. Eu, que ajudo a fazê-las em certa medida, sei que são mais capazes de entristecer do que de alegrar. Tenho preferido a alegria, confesso. A poesia escondida nas entrelinhas. Ou a poesia explícita.

A senhora Ayumi e seus bonecos.
Acabo de ler a história de uma senhorinha que vive em uma ilha distante, no Japão. Um local que já teve milhares de habitantes e hoje tem trinta e sete pessoas. A senhora Ayumi, que saiu e voltou à sua terra natal encontrou um jeito de manter quente seu coração e vivas as suas memórias. Ela constrói bonecos de pano. E os espalha pela ilha.

Alguém pode achar que é um jeito mórbido de viver. Mas não é. Os bonecos da senhora Ayumi são quase gente. Se assemelham com vizinhos que se foram, com crianças que partiram em busca de novas aventuras. Com entes queridos que partiram desta vida. O fotógrafo alemão Fritz Schumann produziu um curta metragem sobre a história dela e de seus bonecos. Tá ai embaixo. São seis minutos e meio de delicadeza oriental.


Meu corpo e minha mente agradecem pelo respeito ao tempo. E eu entendo ainda melhor que viver é a busca de um equilíbrio qualquer. Plim. Meu telefone avisa. Tem mensagem pra mim. Estico os olhos sobre a xícara de café. Mariana, minha filha, é quem me escreve.



Uma mensagem curta. Abre o texto com o jeito que ela me chama desde que assistiu uma novela ambientada na índia - "Bom dia, papadih!" E segue falando. Ouço a voz dela e a vejo com a cara cheia de risada.  "40 anos depois, 'Maria Maria' ganha um clip oficial. Veja que coisa mais linda!". E encerra anexando o clip que eu vou compartilhar ai embaixo.

Meu tempo respeitado. Minha existência justificada. Obrigado, filha.




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