sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Tempos de glória, tempos de fome

Cena do filme "A idade do Fogo". 
A história sempre se moveu em torno de uma mesa – ou de algo que remetesse a ela. Desde que o primeiro humanoide sentiu fome. Desde sempre, pois. Em Brasília, não é diferente. À mesa, rica ou pobre, alimentam-se os visionários, os abastados, os poetas, os desvalidos.

Há pouco, abri o écran, na volta do almoço. Plaft! Surge na tela a notícia. “Justiça determina o despejo imediato do Piantella.” O Piantella foi, durante um bom tempo, o restaurante que matava a fome e dava status aos poderosos do Planalto Central. Foi como um dardo na minha memória gustativa. Não que eu o frequentasse ou que ele fizesse parte dos meus hábitos. Não. Aliás, estive lá umas poucas vezes, na modesta condição de convidado.

Mas a notícia doeu na minha memória. Guardadas as proporções, foi como se soubesse do despejo da Pastelaria Viçosa, da Rodoviária do Plano. Ou, um pouco mais intelectual, se aproximou à dor que senti quando o Mercado Municipal (sim, Brasília teve um Mercado Municipal) foi fechado. Neste caso, por conta da morte do seu criador, Jorjão.

Priscas eras: políticos de diferentes naipes, à mesma mesa.
Matando a fome no Piantella e deixando o ódio de lado. 
Sinal dos tempos. No Piantella as oposições sentavam-se à mesa e decidiam muitas das questões capitais da Capital do Brasil. Ulysses sorveu alguns bons goles de poire, sua aguardente preferida, extraída da pêra. Eram tempos outros. Temperados com uma política mais delicada do que a que se pratica hoje. Menos embrutecida, menos à flor da pele. Menos odiosa.

a aguardente de pêra.
Sinal dos tempos. O despejo do Piantella acontece justo nesses dias sombrios, véspera de eleição. Uma eleição em que nos servem um cardápio vencido, comida podre, indigesta. Um soco no estômago do qual, qualquer que seja o resultado, iremos à lona. E a história segue sendo resolvida em torno de uma mesa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário