sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Remember

Pra não esquecer. Misty Miller. Porque hoje é sexta.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Música de fechar a noite e abrir o dia

Laura Veirs. Sun Song.

Entre dos aguas

Paco de Lucia. 1948 * 2014 +

Mari, Biel, Manoel - poesia em fim dia

Mari Guedes
Devo a leveza do meu fim de tarde a Mari Guedes. Mari é dessas pessoas que a gente gosta sem saber porquê. Não precisa nem conhecer. Basta perceber a delicadeza das coisas que ela publica na internet. 

Pois bem, Mari me deu de presente um fim de dia cheio de poesia. Cheio de Manoel de Barros. Ela me fez assistir um curta metragem feito por um jovem diretor de cinema, que eu acho que é de Porto Alegre, Biel Gomes
Biel Gomes

A história de amor e a poesia de Manoel falam por si só. De quebra, revi lugares, ruas, parques da cidade em que vivi durante mais de 20 anos, Campo Grande - MS. Obrigado, Mari. Obrigado, Biel. Gracias, Manoel. 

A história do filme Dedicatória, quem conta é o próprio Biel. Vale a pena ler. Vale a pena gastar doze minutos para ver o resultado dessa viagem poética. 


Em novembro do ano passado, uma pessoa super importante pra mim, iria fazer aniversário no dia 09. Mais ou menos uma semana antes resolvi dar de presente a ela o livro "Poesia Completa" do Manoel de Barros (poeta preferido dela).

Quando cheguei em casa com o livro, decidi escrever a dedicatória. Porém, não consegui. Talvez pela infinita distância entre a beleza da escrita do Manoel e a minha. Ou talvez pela distância entre mim e ela. Não sei. Sei que com isso, comecei a pensar que era o próprio livro que não me deixava escrever nas suas páginas, pensei que como a poesia de Manoel de Barros foi escrita no meio do mato, o livro podia estar traumatizado por estar numa cidade de concreto, precisando se reencontrar com os lugares que ele foi concebido pra me deixar escrever a dedicatória.

Pois é, viajei né? Sim, viajei. Dessa viagem da minha cabeça, acabou virando algo real. Como faltava só uma semana para o aniversário Dela, comprei uma passagem no dia seguinte para Campo Grande, terra do Manoel. Nesse momento, pensei em registrar toda essa trajetória de uma forma experimental, para ver se dali saía talvez um curta, um documentário, uma dedicatória.

Passei 3 dias lá sozinho, levando o livro pela cidade, pelo meio do mato, no meio dos bichos e afins. Fazendo cada poesia do livro voltar a sentir "o cheiro do sol de lá"... Toda essa trajetória me levou a um final incrivelmente mais lindo do que eu poderia imaginar, mas isso prefiro que vocês vejam no próprio filme. 


Bom, voltando a trajetória, voltei para Porto Alegre e consegui finalizar o curta até o dia do aniversário. Entreguei para Ela o livro com um laço de presente, na Casa de cultura Mário Quintana. Mas, antes que ela abrisse o livro para ver a dedicatória, fomos até umas das salas de cinema de lá e passei o curta numa sessão fechada pra ela.
Essa é a história desse curta, dessa experiência...


Espero que vocês gostem.

Biel Gomes

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Vilaró, Claudinsky.

Carlos Páez Vilaró, em seu atelier. 
Manhã cedo. Abro o jornal e vejo que se foi mais um poeta. Carlos Páez Vilaró. Um uruguaio magistral. Criador e habitante da CasaPueblo, um conjunto arquitetônico/poético, construído ao longo de uma vida inteira, na encosta de uma rocha, no litoral Uruguaio, bem perto de Punta Del Este.




A CasaPueblo tem uma ligação direta com o nosso poetinha maior, Vinícius de Moraes. Inspirado nela, Vinícius compôs "A Casa", canção que embalou muito sonhos infantis e que embala o imaginário popular poético dos amantes de Vinícius.
Cláudia Brisolla, Claudinsky.

Corre o dia. O celular me alerta: Claudinsky me escreveu um recado. Ela me avisa da passagem do poeta. Me manda um poema e uma dedicatória e diz ter lembrado de mim e do Blog ao rever o poema "Cerimônia del Sol".

Obrigado pela lembrança, Claudinsky. A CasaPueblo está na lista de lugares que eu gostaria de conhecer antes de encerrar minha jornada por aqui. Uma hora, dá certo.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Encontros e reencontros I

O Dr. Matta Machado me conta de um reencontro. Conta de jeito simples. Sem muito tro-ló-ló. Zé Morais, seu amigo, resolveu comemorar o aniversário. A emoção do convite, a belezura da resposta. Entre os dois, uma amizade de longa data, Zé Morais e Matta. Antes de ir ao encontro do Zé, o Matta escreveu. Tá ai embaixo. É poesia pura. É só ler pra compreender e se deliciar. 


O Zé e o Matta.
Velhos amigos de uma vida inteira. 
Zé Morais,

Certamente porque as lembranças de nossas juventudes são exato, as de ontem;

E porque a vontade e o prazer de viver são parte de nosso caráter;

Também porque é glorioso ir mais longe,
desde que livres, autônomos e lúcidos;

E ao longo de nossa aventureira trajetória, ver como tantos talentos surgem e nos acompanham e são tão queridos!

Podemos dizer:
A vida é bela.
O nosso endereço é:
Rua das Horas que Voam.

Morais,

Para brindarmos à sua saúde eis uma cachaça da mais perfeita estirpe.
É de Sete Cachoeiras, artesanal.


Meu pai e o Vianney a apreciariam.

Até já, 
Matta. 

Home

Pra abrir a segunda-feira.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Short cuts - de fevereiro


Uganda. Era o apelido dele. Parecia um Ébano, um Deus negro. Retinto, como se diz no Maranhão. Era auditor. Era de uma nobreza sem par. E se sabia bonito.

Uganda tinha manias. Almoçava e tirava um cochilo encostado em uma porta. A porta, diziam já tinha a medida côncava das costas dele. Era solteiro convicto. Mais tarde, adotou uma menina. Linda, educada, cobiçada por todos os seus amigos.

Ele tinha um Del Rey que cuidava como se fosse sua namorada. O carro era um brinco. Sempre que chegava, se anunciava: "Auditoria, na área".

Um dia, voltava pro carro, no fim do expediente. E encontrou um safado tentando roubar o pneu do Del Rey. Uganda virou macho e deu uma bronca no ladrão. O malaco, quase sem desviar o olho do que fazia, retrucou: "Que isso, negão, deixa de onda e rouba o retrovisor,  porque o pneu já é meu!"

Foram as últimas palavras dele antes de levar uma coça. "Seu" Uganda não deixou por menos.

Velhos amigos


Havia muito, eles não se viam. Foi uma alegria. Se conheciam desde meninos. Cresceram juntos, frequentaram a mesma escola. No auge da juventude, iam a festas, disputavam as meninas da turma, eram como irmãos. Mas a vida os fez distantes.

Não o suficiente para se esquecerem um do outro.
Isso, não. Agora, por exemplo, estavam ali.
Frente à frente, emocionados e saudosos.

Começaram a relembrar as aventuras, priscas eras. Entre uma lembrança e outra, começaram a rir das disputas ingênuas, típicas de moleques. O campeonato de cuspe à distância, as corridas de rolimã, as caçadas de passarinho...

Um deles lembrou também que havia uma disputa comum nos fins de festas: Quem conseguia urinar mais distante, o jato mais forte. A prova de fogo da uretra.  A urina, aliás, servia para vários fins. Os românticos se aliviavam escrevendo o nome da amada. Para isso também havia concurso. Ganhava aquele que escrevesse o nome completo, com letra cursiva. Haja bexiga!

Riam-se como meninos.
E como meninos é que veio a ideia:

Vamos relembrar as velhas disputas? Vamos ver quem urina mais longe? 
Cê tá louco, isso não é mais pra nós.
Vamos, rapaz, deixa de onda. Tá com medo de perder?

Depois de muita insistência, um concordou com o outro e as regras foram estabelecidas. Um de costas pro outro. À terceira contagem, a prova começava. E assim foi. A tarde caia. A praça vazia, ideal para um duelo livre de testemunhas.

1, 2, 3, já!

Um silêncio quebrado apenas pelo barulho líquido dos dois. O primeiro, sem se virar, fala:
Acho que perdi, molhei toda a ponta do meu sapato. 
Ao que o outro contesta: Perdeu nada, eu estou com a calça toda molhada.  

Riram-se, como nos velhos tempos, como meninos que foram um dia.

O baile da vida


Astolpho estava perto de completar cem anos. Nadava três quilômetros toda manhã. Silvéria, já com os seus 95,  o acompanhava pela beira da praia. Com um olhar no horizonte, sem perder de vista o companheiro. O sol das sete horas era um presente. Seus cabelinhos brancos, esvoaçados, estabeleciam um contraste poético com o azul esverdeado do mar.

Os dois não se importavam com a idade. Viviam a vida com o vigor de dois jovens. Quando esfriava no Sul, corriam para o Rio de Janeiro. No verão, desciam para Garopaba. Porto Alegre lhes tinha por alguns meses. Assim se dividiam entre a praia catarinense, o Parque da Redenção e as noites na gafieira carioca.

Silvéria contava que um dia quebrou a perna. Passou um bom tempo em recuperação. Andava com a ajuda de muletas. Já no fim do resguardo, foram ao Rio e lá, a um salão de festas. Silvéria gostava de dançar. Convidou Astolpho. Ele, "pé de valsa" que só, quis saber se ela já podia.

Silvéria não teve dúvidas, atirou a muleta pro lado e, com um olhar juvenil, cheio de desejo, lhe disse: "Se eu não puder nós já vamos saber". Dançaram uma noite inteira. Até o sol raiar.

Música de sábado

Gabriel conversa comigo. Sobre a vida. Sobre a rua. Sobre a tese política, sobre a falta de rumo. De repente ele diz que quer me mostrar uma música. "Vi e gostei, pai. É tão simples, é tão leve! Acho que você vai gostar". Taí, então. Gostei.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Quixabeira


Tino Gomes me escreve cedo do dia. Bom mineiro, Tino madrugou pra lembrar de tempos idos. Pra mandar abraço e saber das coisas. Coisa de quem anda pelo mundo levando alegria e safadeza poética.

Bom dia, Tino!


   

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A história de Raimundo

Raimundo, o poeta de rua.
Há nestes dez anos de Facebook boas e belas iniciativas. Esta é uma delas. Um curta-metragem contando a  história de Raimundo Arruda Sobrinho. Começou a circular na rede não faz muito. Maurilo viu na página da Brokolis do Brasildo meu amigo de longa data, Paulo Emílio. E agora eu rebato por aqui.

Raimundo era um sem-teto que por 35 anos viveu em uma "ilha", nas ruas de São Paulo. Ele tinha um hábito, escrever poesia; e um desejo, publicar um livro. Em Abril de 2011, Shalla Monteiro cruzou com ele, construiu uma amizade e criou-lhe uma página no Facebook. A partir dai, a história se conta sozinha. Vale a pena ver.
Shalla e Raimundo. Depois da rua, de volta à vida, em Goiânia.   

Esta é uma das 10 histórias escolhidas para celebrar os dez anos da plataforma de encontros virtuais.
Coisa simples, inteligente e sensível.
Coisa que dá gosto de ver.
História boa de contar.
Ainda mais com um pouco de poesia.

Que venham novas histórias.



Você e Eu


Gilberto Passos Gil Moreira. Revisitando a vida, revendo Carlos Lyra e Vinícius, numa composição que foi gravada originalmente por João Gilberto. Na contra-mão de Chico e Caetano, Gil inova revendo o que passou. E lança na internet a primeira música de um novo disco, recheado de velhas canções. Pra começar a quarta-feira.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Para sempre, Nico


Nico Nicolaiewsky era meu amigo. Ele nem me conhecia. Mas era. Eu faço parte dos milhares de admiradores dele espalhados pelai. Ele nem tinha como conhecer a todos, mas nós o conhecíamos muito bem.

No meu caso, estava chegando ao Rio Grande do Sul para fazer faculdade de jornalismo e a música que ele já fazia, com o “Musical Saracura” me hipnotizava. Em 85, deixei o RS, mas Nico nunca mais saiu de perto dos meus ouvidos e da minha alma. Depois, nos encontramos de novo, várias vezes. Por esse Brasilzão afora. 


Ele no palco, ao lado de Ique Gomes e na pele do sborniano mais famoso do mundo, no musical Tangos & Tragédias. E eu na plateia. Anônimo, a admirá-lo à distância.


Nico jamais soube uma vírgula a meu respeito. Mas ontem, quando li sobre a morte dele, senti uma dor no peito como se tivesse sabido da morte de um amigo de infância. Desses com quem a gente divide um banho de mar, uma confissão ou uma taça de vinho.


Repassei a história dele com a ajuda de outros amigos virtuais, como o Márcio Grings, de Santa Maria, e o Arthur de Faria. O Arthur, aliás, merece ser lido em seus textos sobre a música do RS. Sobre os seus amigos queridos e sobre a amizade dele (essa sim, real) com o Nico.

Enquanto lia, vi a minha vida de estudante passar como num filme Super 8 assinado por Giba Assis Brasil, Nelson Nadotti ou Carlos Gerbasi. Percorri o campus da UNISINOS, as ruas de São Leo, o Bairro do Bonfim, em Porto Alegre, o Araújo Viana, o Ocidente e o Bar João. 

Meu exílio voluntário gaúcho me invadiu pelas entranhas como as manhãs de sol invadem o Gasômetro, à beira do Rio Guaíba. Me lembrei da primeira valsa emocionante que ouvi do Nico, “Feito um Picolé no Sol”, eu já estava fora das terras gaúchas, mas aquilo me transportou na hora para a Redenção.

A música era poesia também. Quem lê a letra viaja num poema feito de um fôlego só. De novo recorri à internet e achei um filme do Nico cantando essa música, numa apresentação do ano passado, na reinauguração do Teatro Araújo Viana, em Porto Alegre. A gravação está meio tremida, mas vale a pena pela música e pelo Nico.



Flor é outra das muitas poesias musicadas pelo Nico que viraram clássico. O texto é curto. O contexto é mágico. A beleza, infinita.
Flor que desabrocha no sertão
Tem que ser toda como areia
Que vive ao seu redor
Constante sol
Ou então vai ser mais uma só
Mais uma só...
Mais uma só...


Nico, Ique e o espetáculo Tangos & Tragédias ganharam o Brasil e o mundo. A fórmula que nasceu como uma brincadeira virou um dos mais respeitados e divertidos espetáculos da cultura gaúcha. Uma mistura fina de humor, poesia e música de qualidade. 


Depois de um tempo, tornou-se uma tradição entre os gaúchos, principalmente os de Porto Alegre – não terminar um ano sem ver pelo menos uma apresentação de Tangos & Tragédias, no teatro São Pedro. E foram muitos anos, e muitos espetáculos, e milhares de espectadores, habituados a encerrar o show seguindo os dois músicos do teatro até o fim apoteótico na Praça da Matriz.


Mais recentemente, Nico montou um show, Música de Camelô,  com releituras de sucessos populares. Música de câmara, para piano e voz, feita a partir de canções que despertam amor e ódio em suas versões originais. 

Bingo! O maestro acertou de novo. E é simples entender porque assistindo versões nicolaiewskyanas para Los Hermanos, Michel Teló e João Lucas e Marcelo. 





Ontem, a poesia perdeu um pouco de cor. Nico nos deixa a todos um pouco mais órfãos.  De sua leveza musical, de um estilo despojado de enfrentar a vida e de um cada vez mais raro humor refinado. Sai de cena para virar um risco no céu (lembrando um outro poeta da música gaúcha que também partiu cedo, Carlinhos Hartlieb). A saudade já bate forte.  Vida que segue, voando. 



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Ícones


Pense em ícones. Imagens que todo mundo seja capaz de identificar e compreender com a rapidez de segundos. Pense num universo de situações que ligue, ao mesmo tempo, o cinema, a pintura, a literatura, a música e tudo o mais que tenha a ver com a cultura. Pensou? Agora junte tudo isso em um minuto de filme para traduzir a personalidade de um jornal dominical. Não consegue? O pessoal que cuida da comunicação institucional do The Sunday Times conseguiu.

Quem me mostrou primeiro foi o Maurilo Andreas. E eu acho que vale a pena dividir com vocês aqui. O filme é tão impressionante que você vai querer ver mais vezes. Depois, se dê ao luxo de conferir como tudo foi feito. Veja o making of e fique mais impressionado ainda.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O carnaval do Victor

Carnaval, do Antônio Victor

Antônio Victor Rego é um grande e velho amigo, dos idos tempos das jornadas cinematográficas, pelo interior do Maranhão. O tempo andou, a vida seguiu e ele virou artista plástico. Hoje, acordei com uma tela dele diante dos meus olhos. Dessas mágicas que a internet permite. Uma cena de fazenda, feita durante uns dias de carnaval. O texto do Victor fala mais e melhor do que qualquer coisa que eu possa dizer.


Logo, logo será carnaval. Preciso definir como ele será este ano. Quando pintei esta tela estávamos curtindo o carnaval de 2013, em Santa Luzia do Paruá, na fazenda de minha querida cunhada Marne e seu digníssimo marido, Zé Rubem, cabra de sangue quente das Alagoas, radicado no Maranhão há mais de quinze anos.

Passei os primeiros momentos estudando o melhor ângulo e me debrucei na tela fazendo o desenho, até com certa rapidez. Porém, a pintura veio lentamente (juro que tinha propósito diferente, desejava ser um Monet com suas pinceladas rápidas, captando a luz do momento como era característica dos impressionistas). Não me incomodei com isso. Ao contrário, trabalhei as tintas tentando conferir ao trabalho as tonalidades que saíssem das entranhas do lugar. 

O clima, sua instabilidade, o vento, o calor do tempo com nuvens pesadas, sem vento e logo depois o vento novamente, agora com o seu sopro meio gelado como prenúncio de chuva. Chuva no sertão tem um gosto diferente, ela faz você ficar diferente. 

Toda essa energia foi captada no momento da feitura da tela e eu queria isso registrado de alguma forma. Foi por isso que saí de lá com a tela não terminada e passei vários dias trabalhando as tintas, na busca da cor que traduzisse aquele momento. Hoje vejo esse trabalho e me sinto como se estivesse lá. Naqueles momentos dos dias de carnaval, sob um tempo de sol e chuva, sentindo o cheiro de terra molhada. O meu sentimento está nesta tela.

Antôno Victor Rego

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Só uma frase(sic)!



Havia em minha casa um negra que mandava em nós com a propriedade dos sábios, dos deuses africanos. No contrato, na carteira de trabalho, ela era empregada doméstica. Em realidade, ela compunha parte da nossa pequena orquestra sinfônica. E nos ajudava a tornar os dias felizes mais felizes. A enfrentar os dias difíceis com leveza. E a espantar toda e qualquer tristeza que houvesse. Foram mais de doze anos de convivência diária. Quando ela foi embora, contra a nossa vontade, nos deixou um vazio imenso. E um repertório de boas lembranças pra sempre.

Mariana e Gabriel têm a educação e a compreensão do mundo que tem, também, graças a ela. Florência dos Santos, era assim que se chamava no papel. Pra nós, era a Flora. Nos dias felizes, eu brincava de falar francês com ela depois do almoço. "Florance, melance" era a senha pra que ela me trouxesse um pedaço de melancia. Ou me desse uma esculhambada, dependia do humor e da fartura de frutas em casa.

Quando me via triste, ela também me esculhambava carinhosamente.
"Maranhão, já pra rua. Chega de tristeza. Tristeza não ganha pão. Um homem bonito desse... forte... não pode ficar se arrastando pelos cantos. Já pra rua, que na rua essa tristeza passa. Isso é só uma frase (sic)."

Como ficar em casa? Como ficar triste? Com a Flora, era impossível.

Hoje, li um texto da Cláudia Girelli sobre saudade, que veio acompanhado de uma receita. Os dias tristes me enchem de saudade. Hoje pensei na Flora. Se estivesse aqui, estaria me mandando pra rua e assinando com a sua fala clássica: "Maranhão, isto passa, é só uma frase(sic)!"

Sim, Florance, é só uma frase (sic). Dói, mas passa já.