sábado, 8 de fevereiro de 2014

Para sempre, Nico


Nico Nicolaiewsky era meu amigo. Ele nem me conhecia. Mas era. Eu faço parte dos milhares de admiradores dele espalhados pelai. Ele nem tinha como conhecer a todos, mas nós o conhecíamos muito bem.

No meu caso, estava chegando ao Rio Grande do Sul para fazer faculdade de jornalismo e a música que ele já fazia, com o “Musical Saracura” me hipnotizava. Em 85, deixei o RS, mas Nico nunca mais saiu de perto dos meus ouvidos e da minha alma. Depois, nos encontramos de novo, várias vezes. Por esse Brasilzão afora. 


Ele no palco, ao lado de Ique Gomes e na pele do sborniano mais famoso do mundo, no musical Tangos & Tragédias. E eu na plateia. Anônimo, a admirá-lo à distância.


Nico jamais soube uma vírgula a meu respeito. Mas ontem, quando li sobre a morte dele, senti uma dor no peito como se tivesse sabido da morte de um amigo de infância. Desses com quem a gente divide um banho de mar, uma confissão ou uma taça de vinho.


Repassei a história dele com a ajuda de outros amigos virtuais, como o Márcio Grings, de Santa Maria, e o Arthur de Faria. O Arthur, aliás, merece ser lido em seus textos sobre a música do RS. Sobre os seus amigos queridos e sobre a amizade dele (essa sim, real) com o Nico.

Enquanto lia, vi a minha vida de estudante passar como num filme Super 8 assinado por Giba Assis Brasil, Nelson Nadotti ou Carlos Gerbasi. Percorri o campus da UNISINOS, as ruas de São Leo, o Bairro do Bonfim, em Porto Alegre, o Araújo Viana, o Ocidente e o Bar João. 

Meu exílio voluntário gaúcho me invadiu pelas entranhas como as manhãs de sol invadem o Gasômetro, à beira do Rio Guaíba. Me lembrei da primeira valsa emocionante que ouvi do Nico, “Feito um Picolé no Sol”, eu já estava fora das terras gaúchas, mas aquilo me transportou na hora para a Redenção.

A música era poesia também. Quem lê a letra viaja num poema feito de um fôlego só. De novo recorri à internet e achei um filme do Nico cantando essa música, numa apresentação do ano passado, na reinauguração do Teatro Araújo Viana, em Porto Alegre. A gravação está meio tremida, mas vale a pena pela música e pelo Nico.



Flor é outra das muitas poesias musicadas pelo Nico que viraram clássico. O texto é curto. O contexto é mágico. A beleza, infinita.
Flor que desabrocha no sertão
Tem que ser toda como areia
Que vive ao seu redor
Constante sol
Ou então vai ser mais uma só
Mais uma só...
Mais uma só...


Nico, Ique e o espetáculo Tangos & Tragédias ganharam o Brasil e o mundo. A fórmula que nasceu como uma brincadeira virou um dos mais respeitados e divertidos espetáculos da cultura gaúcha. Uma mistura fina de humor, poesia e música de qualidade. 


Depois de um tempo, tornou-se uma tradição entre os gaúchos, principalmente os de Porto Alegre – não terminar um ano sem ver pelo menos uma apresentação de Tangos & Tragédias, no teatro São Pedro. E foram muitos anos, e muitos espetáculos, e milhares de espectadores, habituados a encerrar o show seguindo os dois músicos do teatro até o fim apoteótico na Praça da Matriz.


Mais recentemente, Nico montou um show, Música de Camelô,  com releituras de sucessos populares. Música de câmara, para piano e voz, feita a partir de canções que despertam amor e ódio em suas versões originais. 

Bingo! O maestro acertou de novo. E é simples entender porque assistindo versões nicolaiewskyanas para Los Hermanos, Michel Teló e João Lucas e Marcelo. 





Ontem, a poesia perdeu um pouco de cor. Nico nos deixa a todos um pouco mais órfãos.  De sua leveza musical, de um estilo despojado de enfrentar a vida e de um cada vez mais raro humor refinado. Sai de cena para virar um risco no céu (lembrando um outro poeta da música gaúcha que também partiu cedo, Carlinhos Hartlieb). A saudade já bate forte.  Vida que segue, voando. 



Um comentário:

  1. Obrigada, por me apresentar o Niko apesar de tarde. Não, nada é tarde quando se tem uma memória fresca. A música dele me remete a algum lugar perdido que não sei em que canto está. Essa musica Flor, tem um cheiro que sai da terra molhada! Simplesmente linda!

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