quarta-feira, 31 de julho de 2013

My Way

Simples assim. Dona Nina Simone. My Way. Porque hoje é quarta.

Nas asas da British

Maurilo Andreas é um publicitário, em Belo Horizonte, com quem mantenho uma amizade de longa data. Nos últimos anos, nos vimos pouco. Mas nunca deixamos de nos falar. E o que nos liga diariamente é o que costumo chamar de "mágica facilitadora da web". Essa capacidade de trazer para perto coisas que num passado recente jamais imaginávamos ser possível.

Hoje, cruzando virtualmente com Maurilo numa esquina da internet, deparei com um comentário dele sobre uma campanha publicitária da British Airways. Uma campanha institucional de aproximação das pessoas. Claro, por trás da campanha há todo um sentido comercial com vistas a vender mais passagens e aumentar as margens de lucro da empresa. Mas o vídeo que o Maurilo comentou vem carregado de algo mais que negócios. É uma campanha com alma.

A proposta da empresa aérea é simples: Com mais voos partindo dos Estados Unidos em direção à Índia, era preciso ter mais passageiros comprando passagens. E isso poderia ser anunciado de várias formas. Quem se encarregou de pensar a campanha, entretanto, pensou com a alma.

A essência da história reside em "comprar passagens para ver a mãe". A mãe aqui pode ser qualquer pessoa de quem você sinta saudade, de quem você esteja separado há muito tempo, ou quem você simplesmente queira ver e achava que isso era uma idéia impossível. Mas a campanha privilegia os filhos e as mães.

No filme que inaugura a campanha, um filho indiano que está vivendo há muito em Nova York fala das lembranças, do tempo em que viveu em família, do carinho por sua terra e de algo que nós brasileiros chamamos de saudade, palavra que não encontra uma tradução exata em outra língua, a não ser pela demonstração do sentimento. Em outros cantos do mundo, só se traduz a saudade pelo sentimento. Nós, além de sentirmos, usamos um substantivo único para descrevê-la - saudade.

Pois bem, o filme varia entre a Índia e os Estados Unidos. A companhia aérea procura a mãe oferecendo a oportunidade de aproximá-la do filho com uma passagem. Pede a ela que prepare as comidas que o filho mais gosta e registra tudo em vídeo.

No final, bem, o final não vou contar porque é preciso que você veja o filme para que se emocione. Para que descubra como é simples encontrar sentido na vida e como uma campanha publicitária pode traduzir de forma universal um sentimento entre mãe e filho, que bem poderia ser ou estar em qualquer lugar do planeta.

São só cinco minutos. Mas vão valer o seu dia. Pode acreditar. Não importa que você não entenda inglês. A saudade, assim como o amor, tem a capacidade de ser compreendido de forma universal.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Uma palmeira, um sonho!

Quem nasce numa ilha tem os olhos soltos no mar.
Quem nasce numa ilha tem os olhos soltos no mar. Meu pai, Inocêncio Viegas, nascido no pedaço mais pulsante da ilha de São Luis,  o bairro da Madre Deus, filho de barqueiro, não foge ao banzeiro (o barco, que eu não tive como conhecer, de "seu" Opílio Viegas, meu avô, chamava-se Bela Rosa). Viegão pensa como menino. Às vezes, age como menino. Varia de comportamento - entre o menino e o homem  - com a velocidade do balanço do mar que, eu sei, ele traz na alma.

Tem sonhos puros que lhes provocam um riso solto, matreiro, sapeca, só de pensar em realizá-los. Sonhos simples e complexos, a depender da artimanha necessária para envolver minha mãe, Isabel. Juntos, são duas crianças, acostumados a caminhar uma vida inteira, a subir e descer ladeiras. Já descobriram quase tudo, um do outro. A parte que falta descobrir é o que lhes dá tempero para seguir caminhando.

Viegão não conta tudo. Guarda uns segredos de menino, umas traquinagens que tira da cartola (como um mágico de circo mambembe). Mais pelo prazer de poder contar depois como fez para realizar suas peraltices, do que pela sofisticação delas. Quase sempre, Isabel, minha mãe, é quem sofre as consequências, que depois de algum beiço, terminam em risos, invariavelmente.

A mais recente foi assim: Tarde de sol, calor intenso. Viegão avisou Bel que iria regar as plantas. Não demorou a perceber que a mangueira estava toda furada. Decidiu comprar uma nova. No caminho para a loja de materiais de jardinagem, cruzou com um caminhão que vendia palmeiras. Logo elas.

As palmeiras alimentavam um antigo sonho dele. Ter uma palmeira no jardim. Diante de tanta resistência alheia, a palmeira no jardim virou questão de foro íntimo, uma questão de honra. No silêncio ele arquitetou. Mas nunca conseguira até então.

Parou o carro. Desceu. Assuntou o preço. Quinhentos e cinquenta, disse o dono das plantas. Ali, diante do vendedor de palmeiras, ele pensou como quem quisesse enganar a si próprio: Vou fazer uma proposta para inviabilizar o negócio, assim não tem briga lá em casa.  - Dou R$ 400,00, plantada no meu jardim. Mal teve tempo de terminar a frase e o cabra respondeu: Qual é o endereço?

Isabel: Como ficar zangada?
Viegão vibrou por dentro, nem acreditava. E avisou o sujeito: - Mas tem que ser agora, antes que a minha mulher termine de tomar banho. O vendedor mais que de pressa pegou os apetrechos e disse: É pra já!, passando a mão em uma palmeira. Viegão mandou parar. - Quero uma que já tenha côco, não tenho mais tempo pra esperar o bicho crescer. E dizendo isso, apontou para outra palmeira, que já vinha com uns coquinhos em broto.

Negócio fechado. Plano em ação. Cava, cava, terra vermelha. Jardim esburacado. Tensão. Reza, pra que o banho de Isabel fosse mais longo. Mas, como não existe plano perfeito, Dani e João, netos que estavam na casa dos avós, foram correndo avisar da novidade no jardim.

Uma olhada atravessada, um beiço, estava feita a encrenca. Quando custou isso? Disparou Dona Isabel, sem nem chegar perto da tal palmeira. Uma pechincha, R$ 400,00. E olhe que começou com R$ 550,00! argumentou Viegão, meio que se esquivando da bronca.

Tarde demais pra Isabel ficar zangada. A palmeira estava lá plantadinha da silva. Traquinagem concluída, Viegão tratou de alegrar Isabel: Vamos marcar o dia da inauguração? Ela não resiste, lança um olhar que começa com repreensão e termina com cumplicidade. São duas crianças grandes, um jardim e, agora, uma palmeira.

Viegão e sua palmeira no jardim: Sonho realizado.
E já vem com côco.


domingo, 28 de julho de 2013

Por los hermanos

Águas que marcaram a minha adolescência: Cataratas.
Em tempos de reconhecer valores en los hermanos, reconheço a Fito Paez y Joaquim Sabina. Fito, autor de melodias que embalaram minha adolescência fronteiriça - entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina. Idos tempos de portunhol, de ladeiras, cinema nas tardes de quarta, de galletas, de Puerto Yguazu.

Memórias de um tempo passado, que cambem bem nesta manhã de domingo ao som de Fito, numa canção de amor e compromisso.  

sábado, 27 de julho de 2013

After Midnight, for ever

JJ Cale
Ele partiu ontem à noite. Quem me avisou foi o Grings, através do seu blog. Fui atrás de ler o que não tinha lido ainda. De ouvir o que ouvi muitas vezes ao longo da vida. Só pra lembrar da guitarra dele. Da simplicidade na forma de tocar. E da leveza dos dedos nas cordas. JJ Cale, aos 74, não resistiu a uma parada cardíaca. Entre os seus milhares de órfãos, amantes da boa música, estão pelo menos dois ilustres (pra ficar nos poucos) Neil Young e Eric Clapton.

Que siga em paz. E obrigado pela trilha sonora que nos deixou. Ai embaixo, duas das grandes músicas que tem a sua marca: Cocaine e After Midnight, esta última, ao vivo, em companhia de Eric Clapton.



sexta-feira, 26 de julho de 2013

Paroupupti

Letícia Sabatella
Claudinha Brisolla, a quem eu chamo carinhosamente de Claudinski, anoiteceu me mandando um link de uma música cantada pela Letícia Sabatella. No recado, ela diz que lembrou de mim e achou que eu iria gostar da música. Acertou, Claudinski!

A música é linda, delicada, e fez a minha sexta amanhecer melhor. Um mantra de leveza e equilíbrio. Por isso, compartilho o presente aqui. No vídeo, Letícia canta uma canção em linguagem dos índios Krahô. Ela é acompanhada pelo trumpete de Fernando Alves Pinto. Pra ver, é só clicar ai embaixo.

http://youtu.be/YUBZi-rpIZY

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Quem me levará...

Dominguinhos
Tempos atrás, Mauro di Deus me deu um presente - O Milagre de Santa Luzia. Um documentário sobre a safona e sua influência na música brasileira, de norte a sul. O documentário é também o primeiro longa metragem dirigido por Sérgio Rosenblit, e é conduzido de forma magistral por Dominguinhos.

Havia 30 anos, Dominguinhos não viajava de avião - ele morria de medo e fazia tudo o que fosse preciso para evitar as viagens aéreas. No filme, ele conduz sua caminhonete branca, Brasil afora, conversando e tocando com gentes de todas as regiões, sanfoneiros do pantanal, dos pampas, das geraes, do interior e da cidade.

O filme é uma ode à musicalidade mais telúrica que esse país já produziu. É também uma bela homenagem e reconhecimento ao trabalho daquele que foi considerado pelo próprio Luiz Gonzaga, o  Rei do Baião o seu sucessor natural. Gonzaga foi quem batizou Dominguinhos.

Ontem, Dominguinhos perdeu uma longa briga que travava contra o câncer. Nos deixou. Hoje, em algum lugar do universo, os dois devem estar se encontrando, ao som da sanfona.

Ah, ía me esquecendo. O título do documentário - O Milagre de Santa Luzia - faz uma homenagem ao mestre Lua, Luiz Gonzaga, nascido no dia da Santa e, por isso, batizado com o seu nome.



sábado, 20 de julho de 2013

Olhar de fotógrafo

Torre de TV, em Brasília. Por Ronaldo Silva.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Trago esse sorriso...

A terça começa cedo. E bem. Com velhos amigos me encontrando (ainda que virtualmente) e me presenteando na madrugada, com música da melhor qualidade. Almir Sater, Toninho Porto, Rodrigo Sater, no programa da Inezita Barroso (um patrimônio da TV brasileira. Aliás, dois, ela e o programa) - Viola Minha Viola, cantando Tocando em Frente.

De quebra, o Almir explica no final da apresentação, a gênese da música. Não tem como não começar bem o dia. Bom dia!

domingo, 14 de julho de 2013

J'Arrive A Toi

Carla Bruni. Fechando o domingo. J'Arrive A Toi.

O mundo lá, quem sabe...

Short cuts de ontem

As emas de Brasília

Houve emas, um dia. 
Há em Brasília um lugar chamado Recanto das Emas. Na entrada da cidade, há um conjunto de emas esculpido em concreto. Deve fazer algum sentido, devia ser um lugar onde havia muitas emas no passado. Hoje, há carros, motos e gentes em profusão. Comecei o dia lá. Cinco da manhã. Recanto das Emas. Essa é uma das variáveis que tornam o meu trabalho precioso. Ele me faz, por exemplo, conhecer Brasília por dentro. Longe dos palácios, dos monumentos, das curvas de Niemeyer. Uma Brasília que não existe no imaginário externo, mas que é muito presente aos olhos de quem vive aqui.
Nessa época do ano, no Recanto das Emas, às cinco da manhã faz muito frio.

Manhã de sol

Não é um sábado comum. Aliás, os meus não servem de parâmetro pra ninguém. Há quem comece a sexta sonhando com o sábado. Meus sábados tem um quê de continuidade. Minha noção de descanso não requer dia cristão. Descanso quando dá. Pode ser segunda, terça... Às vezes, pode ser até sábado. Mas esse, não.

Circulo pelas ruas quase vazias de uma Brasília em tempo de férias escolares e recesso político. A cidade fica com um jeito de cidade da gente. Me sinto meio dono de tudo por aqui. Até o trânsito é mais livre. Fazendo hora, chego ao CCBB. Não dá tempo de ver o que há. O telefone toca e o trabalho chama.

Pioneiros


Vila Planalto
Na Vila Planalto, (sim, Brasília tem vilas) lugar onde vivem muitos do que ajudaram a construir essa cidade, é dia de festa. O sonho de ser dono de um pedaço de chão está mais perto. Sim, em Brasília a União é dona de quase tudo. Do chão aos céus. Então, ser dono de sua própria casa é um sonho mais sonhado que em outros lugares. Avisto gentes de quase cem anos. Umas senhorinhas elegantes e altivas. Elas também vivem longe de monumentos e Palácios. Mas os seus companheiros de vida  estiveram bem perto, ajudaram a construir muitos desses palácios e monumentos. Os que ainda estão vivos frequentam e dão sentido a uma outra Brasília. Que não existe no imaginário externo. Quantas Brasília existirão por ai, sem que consigamos enxergar?

Rodas do passado e de hoje

Rodas do passado e de hoje
Num outro extremo da cidade, senhores de cabelo branco, e outros nem tanto, cultuam um lazer caro - carros antigos. Não são muitos, mas servem pra mostrar uma outra Brasília que persiste. Houve um dia, esses carros circularam pelas ruas novas da cidade. Resistiram à poeira e ao tempo. Persistem para não nos deixar esquecer. Desde o inicio, essa cidade foi pensada em uma outra dinâmica. Por aqui o corpo humano ainda se divide em cabeça, tronco e rodas.

Música, maestro!

No meio das asas há um eixão.
Quando dou por encerrado o dia de trabalho já passa das três da tarde. O corpo pede cama. A alma pede mais. Pratico uma esgrima pessoal entre ceder ao cansaço ou apostar na alma. Entro no Eixão, uma artéria contínua de dezesseis quilômetros de asfalto. Vista do alto, se traduz na espinha dorsal das asas Sul e Norte, planejadas por Lúcio e Niemeyer, que sustentam o vôo eterno da cidade pássaro.

Lula Theodoro, meu maestro soberano.
Ligo pro meu maestro soberano, Lula Theodoro. Há meses não passo por lá. Ele atende e me entende a alma. Me chama para assinar letras de músicas que fizemos juntos. Digo que assino se ele me mostrar músicas novas, parcerias que ele musicou e que eu não conheço ainda. Agora, é a resposta. Venceu a alma. O corpo que se canse um pouco mais. Meu descanso não acontece mesmo de forma convencional.

A foto, a lua

O maestro, o grupo e o aprendiz. 
No estúdio, Lula me mostra um blues que eu nem sabia que existia. Me pede pra contar a história. Eu conto. Um dia, voltando do trabalho pra casa, já tarde da noite, encantei-me com a lua e, tenho certeza, ela comigo. Firmamos um pacto: Ao chegar em casa, eu faria uma foto da lua. Ela merecia. Cheguei. Antes de tudo, abri uma garrafa de vinho. Olhei a lua. Sentei à mesa. Ela era mesmo linda. Tomei uma taça e o cansaço me venceu. Dormi pensando nela. Acordei em dívida. Escrevi. Depois de escrito o registro, pensei que podia mandar pro meu maestro - quem sabe, ele enxergasse na minha escrita alguma melodia. Ele enxergou sem me dizer nada. Até hoje. Entrei no estúdio e gravei. A letra está ai embaixo. A música ainda leva uns dias até que ele dê tratos (entenda-se, usar os recursos técnicos para fazer da minha voz algo audível). Uma hora, a gente escuta junto.

Fiquei de Lua


Fiquei de fazer 
uma foto da lua pra você.
Não deu. 
O cansaço me venceu.

Abri um vinho
Fiquei sem graça
Dormi, logo na primeira taça

Fiquei de fazer 
uma foto da lua pra você
Não deu. 
O cansaço venceu

Se a chuva deixar
se a lua sair
essa noite
eu vou me redimir

Logo mais, acredite, 
eu vou fazer
uma foto 
da lua pra você


Quem sabe isso quer dizer amor

O domingo segue frio e azul. Um vento que não me espanta. Corro, faço café, escrevo. A cabeça mais leve, a alma plena. Penso em Milton e sinto saudades. Meu descanso, definitivamente, não é igual ao de todo mundo. A alma agradece o cuidado. Quem sabe, quem sabe...



sexta-feira, 12 de julho de 2013

O vinho, a volta.

Violà!
Faz pouco, tomei uma taça de vinho.
Fazia mais de quarenta dias, não tomava.

Fruto de uma promessa por meu pai.

Hoje, meu pai e minha mãe vieram me ver.
Trouxeram uma sacola e dentro, uma garrafa de vinho argentino.

Tiveram paciência de esperar o meu dia de trabalho terminar.
Tiveram toda a paciência e o carinho de pais que sabem entender os filhos.

Quando o meu dia de trabalho terminou, meu pai e minha mãe brindaram.
Ela, com uma coca-cola. Ele, com um dedo de vinho na taça.

Falamos da vida, comemos pão, queijo, mu-mu e nata.
Mara fotografou. Rimos da vida, de nós e de tudo o mais.

Meu pai veio tomar vinho por mim. Eu sei disso.

Ao final, ele me disse baixinho: Promessa cumprida, meu filho.
Meus olhos se encheram d'água.

Voilà! O Viegão está de volta!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Colisão

Meus velhos e bons camaradas Marcio, Rodrigo e Jerry. Los Hermanos irmãos e a excelente, Colisão. Pra sacudir as ideias desta tarde de quinta. Ouça alto. 

Wadjda


O Sonho de Wadjda é um filme que conta a história de uma jovem menina saudita. Apesar de viver em um ambiente onde predominam as regras e limitações impostas ora pela religião, ora pela tradição ou pela cultura, em sua personalidade de menina não há espaço para preconceitos ou diferenças. Wadjda, antes de ser uma menina é um ser humano com sonhos e ambições típicas dessa fase da vida (quase uma criança) e muita determinação.

Ela se inscreve numa competição escolar para recitar o Corão. E está determinada a vencê-la e conquistar o prêmio máximo. Wadjda imagina que assim vai ser possível juntar o dinheiro necessário para comprar uma bicicleta verde, que encantou os seus olhos. O filme é dirigido por Haifaa Al Mansour e o trailer já dá uma ideia da dramaticidade da história. É bom ficar atento à sugestão que encontrei lá no blog da Fernanda van der Laan. E, tendo chance, não deixe de assistir.

domingo, 7 de julho de 2013

Short cuts do mar sem fim

Sumé

Cícero Sumé e o cofre. Sabedoria intuitiva e meio sorriso inteiro.
Em Cabedelo todo mar é muito, até em dia de chuva. Aqui chove como Deus gosta, nessa época do ano. E mesmo assim os olhos que olham pro mar não encontram fim. Tem barco, gaivota desavisada, chuvisco que se horizonta. Mas fim de mar... isso, do mar se acabar, isso não tem, não.

Há coisas que, de princípio, são incompreendidas. Carecem de explicação. Ou não. Haverá entendimento para um cofre plantado no cimento da calçada, em frente ao restaurante do Cícero Sumé? Haverá, sim. Mas de princípio, só estranheza e riso.

Lá dentro, entre areias e mesas e chapéus de palha, um negro alto, vistoso e bem humorado circula entre clientes, pescados, camarões e fogo de cozinha. O dólman (palavra que vem do turco dolaman, que pode ser traduzida como manto) lhe torna mais elegante, mais altivo em sua simplicidade.

Sumé faz a comida, serve os pratos e depois vem à mesa conferir a satisfação com seu paladar. No começo, a gente acha que nada ali vai dar certo. Mas dá. No restaurante dele, a chuva fina invade as mesas, a areia se mistura ao passar lento das horas, tudo tem ritmo próprio. Abre meio sorriso que vale por um inteiro (está fazendo um tratamento dentário que lhe impede de gargalhar abertamente). E fala, e fala, e como fala o Sumé.

A ciência do cofre

Fico à vontade para perguntar sobre a mania de cofres (há outro, no centro do restaurante). Sumé não resiste e ri um riso mais solto, mesmo com a falta dos dentes. "Isso ai é meu marketing, minha referência". Me espanto. Como assim, Sumé? Ah, o cabra vem aqui, come e vai embora. Depois encontra com outro fala do restaurante. E diz, ali... aquele lugar que tem boa comida... aquele... do cofre. E então o outro diz: Ah, eu sei, o do cofre. Pronto, é a minha referência. A ciência simples e funcional do cofre. A sabedoria intuitiva de Sumé. Quem disse que o mar tem fim?




Paris - Montevidéu. Quem disse?

O Mercado do Porto, em Montevidéu.
Há uma ponte imaginária entre Montevidéu e Paris. Uma esquina que une o Mercado do Porto com o Quartier Latin. Quem sabe, uma invenção de Hugo Cabret. A mesma estação que acolheu os sonhos daquele menino, em Paris, abriga o sabor mais genuíno do mercado do Porto, em Montevidéu.

A parrilha em brasa, no Uruguai...
...e os frutos de um mar distante, no Quartier Latin.
Uma viagem imaginária como se não houvesse precisão de nexo entre uma realidade e outra. Como se o fogo e o fruto fossem o elo que une realidades tão distante e distintas. Como se a existência de um mar sem fim fosse apenas um detalhe entre o Cone Sul e a Velha Europa.

Quem disse que o mar tem fim?
Eu, menino andante, caminheiro de estradas outras, percorro desprovido de senso ou direção os caminhos que vão dar nestas duas pontas, ou mais. Ao sabor do vento, na velocidade de um tempo que não acaba nunca. E que quase sempre me faz acreditar que a vida faz sentido. Volta e meia me pego pensando: Quem disse que o mar tem fim?


 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O milagre


Viver é reinventar.
O milagre nas mãos, todos os dias.
Viver é não descuidar.

Eles por eles

Manoel e Guimarães. Um, de Barros. Outro, Rosa. Encontrei uma página dedicada aos dois, hoje de manhã. Acho que vou ficar "freguês". Porque hoje é quinta. Porque poesia nunca é demais. E porque o dia merece.


"Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina"
Manoel de Barros - O Guardador de Águas


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Panelas Cantantes

Por Mariza Poltronieri*
Luis, Olívia e os filhos. Priscas eras e panelas cantantes.

Luís e Olívia Poltronieri compuseram uma família numerosa. Tal qual uma canção, misturaram a realidade nua e crua e a poesia, no seu jeito de criar filhos. Nasci depois de três e antes de dois, a quarta de seis. Os tempos vividos eram duros, terra estranha para aventureiros gaúchos em terra paranaense. 

Numa cozinha de restaurante esperava ser amamentada por uma mãe-cozinheira. Lá, guardada num cesto de pães, meu sono e minha noção de tempo eram regidos por aromas e sons. Creio até que sabia a hora de chorar movida pela fome, pelo levantar das tampas das panelas.
Morávamos no fundo do restaurante. A casa era pequena e simples. A vida era simples. Convertida assim, neste presente de consumo compulsivo, uma vida simples pode ser uma aflição, mas não lá. Olívia, prática que era, cuidava dos assuntos objetivos das necessidades dos filhos. Luís cuidava dos sonhos.
Lembro-me dos dias frios, as camas alinhadas pilhadas por cobertas e casacos, que serviam de mantas com braços. Uma lata grande de óleo fazia-se de lareira improvisada, no meio da sala. Braseiros retirados do fogão a lenha do restaurante, aqueciam pais e filhos numa conversa generosa.
Olívia e sua turma.
Lembro-me dos dias de chuva. Corríamos a juntar os pingos com panelas que viravam música. As panelas cantantes. E se a energia faltasse, velas iluminavam nossos rostos, contávamos histórias, inventávamos brincadeiras e a noite passava mansa e gentil até a chegada da luz.
Tudo tão terno no comum das horas que guardo em mim um passado quente.
A saudade é uma companhia doce.

* Mariza Poltronieri é culinarista, em Maringá, sócia do Bistrô Buena Vista. Escreve aqui sempre que tem vontade. E sobre o que quiser. Toda vez que ela aparece, tempera as páginas desse blog com histórias deliciosas. Hoje, com as suas panelas cantantes.