segunda-feira, 3 de abril de 2017

Até que sejamos pó

* Por AnDERsoN RiBEirO


Sempre achei que poder atravessar a rua era ser independente. Independente nas vontades como querer determinado biscoito e comer depois porque não tinha fome naquele momento em que todos estavam reunidos à mesa. 

Atravessar a rua era bem ensinado, explicado, vigiado. Olhe para todos os lados! Diziam. E assim se pagava micos; pois olhar todas as direções; inclusive para cima e para baixo, mesmo ‘sabendo’ que carros ou outros veículos jamais poderiam vir dessas direções. Era obrigatório para mostrar que realmente havia aprendido a lição mais importante da empreitada. 

Depois era a noção de tempo, espaço e responsabilidade. Como atravessar a rua sem que passe por perto a possibilidade de ser atropelado. Só atravesse quando não vier nenhum carro! E assim se passa pelo segundo teste, ainda que corra um pouco pra conseguir e seja repreendido por não deixar a rua ficar completamente deserta. 

Depois das provas, era hora de realizar favores. Comprar um ingrediente do almoço que faltou, urgentemente, na mercearia. Ir ao armarinho, armazém, feira, supermercado; pagar contas que estão por vencer; levar qualquer coisa na casa da avó e outros parentes e amigos, ir à escola sozinho, mas jamais, em hipótese alguma, ir a festas sozinho. Ah! Esse é outro teste e a independência vai ficando mais distante. Depois de adulto a independência toma outras proporções. São muitas provas até ‘ganhar’ o próprio dinheiro e perceber que a independência nunca chega... Que independência é atravessar uma vida inteira. 

*Anderson Ribeiro é um dos novos/velhos amigos que acabei de encontrar. A vida é assim. Pronto. 

sábado, 1 de abril de 2017

O som da mansidão



Caro amigo, Mário.
Meu maestro soberano, Lula.

Escrevo agora, depois de ter conseguido espaço e tempo para
digerir o som da noite de quinta. De quinta, nada, som de primeira,
noite de primeira.

Tudo contribuiu para uma noite de reencontro de amigos. Chuva, lá fora;
calor humano em farta monta, num espaço acolhedor, confortável e
harmônico. 

Meu abraço em Dona Isaura, na entrada da casa, foi mais do que um desejo de
boas-vindas. Foi como se tivesse abraçado cada um dos seus filhos e netos que compunham a cena, no palco. Ela estava radiante.
E não era por menos. Não haveria de ser.

Macarrão e Armando não são filhos, mas é como se fossem. No mínimo, irmãos. 

A música que sai da cabeça de vocês, antes de chegar aos nossos ouvidos, passa - inevitável - pelo coração. Quando chega aos instrumentos, vem carregada de um sentimento puro, de emoção viva, de raiz. Uma mistura bem dosada da brisa carioca com o ar das montanhas dos Geraes.

Recorro a Caetano pra dizer que encontrei ali "Miltons, Tons e seus tons geniais".
E chicos, e Edus, e Mários e Lulas...

Senti um orgulho besta de ver pais e filhos dividindo o palco, a luz e a inspiração.
Gabriel e sua troca de olhares com Lula revela intimidade única, que vai além dos teclados. Nos teclados, aliás, é quando a sua timidez explode em qualidade sonora.  

Artur (é assim que se chama o filho do Mário, né? Se não for me perdoem, mas falo do filho do Mário.) tem uma voz aveludada e comovente. Tão linda que faz esquecer o senho fechado e os gestos mínimos. Seu corpo é sua voz. E sua voz é tudo. Ponto. 

Julinha merece um beijo especial. A menina brasileira desabrochou mulher, na França, e voltou pra ocupar seu espaço. 

Um show de mansidão.
Obrigado pelo som de primeira, na noite de quinta. Som da mansidão. 

Um abraço.  

Maranhão Viegas 

Carta escrita ao Mário e ao Luiz Theodoro - este último, a quem me permito chamar de "meu maestro soberano - depois de assistir ao show de lançamento do primeiro CD de Mário Theodoro, na noite de quinta-feira, 30.03, no Teatro dos Bancários, em Brasília.