sexta-feira, 1 de julho de 2011

Quatro naipes, muita história

Espada

Eu era o neto mais velho. Minha avó, Antonieta, adorava jogar Bisca (no Sul, chamam de canastra). E eu era o parceiro mais habitual dela. Jogávamos contra os vizinhos – “seu” Moura e Dona Juca. Têta. Era assim que nós a chamávamos.

Ela não gostava de perder. Arrumava encrenca todo aquele que quisesse trapacear. Mas, em reservado, combinava comigo sinais que me ajudavam a saber como estava a “mão” dela.

Em troca da parceria, ela apitava os meus jogos de futebol no campinho que havia no fundo de casa. Dona Antonieta, minha avó.


Paus

O baralho fazia parte da vida dos Franke. “Seu” Heinz gostava de jogar canastra. E os jogos eram em família. O gosto foi passando para os filhos. E as rodadas de canastra viraram uma tradição. “Seu” Heinz também não gostava de perder. Jogava sempre em parceria com a sogra, que tinha medo de cometer jogadas erradas.

Das marcas desse tempo, uma ficou para sempre na memória da família. Na mão direita do “Seu” Heinz faltava uma falange do dedo indicador. Fruto de uma bombinha que estourou fora do tempo. Invariavelmente, quando estava ganhando a rodada, ele – pra zombar dos adversários – juntava os indicadores das duas mão e dizia “o jogo está parelhinho”, evidenciando a diferença entre um dedo e outro. E soltava uma gargalhada.

Ouro

Lá em Maringá, toda segunda feira é dia de baralho e barulho. Doze mulheres se reúnem para jogar tranca e conversar. Doze rosadas criaturas de idade, profissão e gostos totalmente diversos. Em comum, só duas coisas: A segunda feira e o baralho!

De 24 a 82 anos a distância das idades, na mesa, se restringe a quatro naipes: copas, ouro, espadas, paus. Jogam e fazem barulho. Um barulho bom, desses onde não há nome de gente, a não ser que seja para falar sobre elas mesmas. Cantam, contam "causos" e, assim, destrancam a alegria de viver.

Bebem vinho no inverno e cerveja no verão. Mulheres comuns que decidiram: o primeiro dia útil da semana também pode ser feliz. Não se vêem em outro horário, não partilham outra vida social. Se completam em quatro horas. Como crianças espoletas, entram em férias do natal ao carnaval, para depois retornarem saudosas ao carteado das segundas-feiras felizes.

Copas

Em nossa casa o baralho uniu raízes distintas. As do Sul e as do Nordeste. O jogo é o mesmo; as regras, as mesmas; o prazer é o mesmo. Só os nomes são diferentes. Quando sentamos à mesa para o carteado damos sequência a uma tradição cujo significado vai além do divertido. Gabriel e Mariana cresceram nos vendo fazer rodadas de canastra nos fins de semana. No princípio, noites inteiras. Com Hércules e Lé. Depois com o Naour e a Elenir; e, para sempre, com o Sérgio e a Flora, nossos maiores e melhores parceiros.

Hoje jogamos menos. Jogamos os quatro, eu, Gabriel, Mara e Mariana. Quase sempre, nas noites de domingo, que é quando o Gabriel vem com aquele convitezinho irresistível: Que tal um baralhinho? É sinal de reunião. É sinal de alegria. A canastra ou a bisca têm o dom mágico de fazer o tempo passar. De fazer a vida seguir. Seguindo assim, o baralho vai costurando a memória e unindo, quase por acaso, histórias tão distantes e tão distintas.

Um comentário:

  1. Você conseguiu "bordar" todos os naipes na tradicional toalha de jogar.
    Baralho é bom, com família, com amigos.

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