sábado, 28 de fevereiro de 2015

Cássia, o filme


A sala tinha cinco pessoas, contando comigo. Era a última sessão do dia. E eu me sentia dono do cinema. Era tarde e eu não sabia exatamente o que esperar daquele filme. Bobagem. Bastou começar pra eu sentir saudade dela. Pra eu sentir uma vontade besta de chorar, de tanta emoção. Pra eu não me livrar do pensamento, que insistia: Preciso ligar para Mariana e falar sobre Cássia Eller.


Pouco mais de uma hora e meia de filme. Uma carga intensa de alegria e dor. Por que? Por que essa moça foi embora, tão cedo assim? Por quê?

São perguntas que não cabem e não tem respostas. Como não há resposta para a falta de Janis, de Hendrix, de Renato. E todos eles seguem doendo no peito, do mesmo jeito.


O filme "Cássia Eller", de Paulo Henrique Fontenelle, é um reencontro com o passado recente. Um rememorar da vida de uma moça que chegou, chegando, e parou geral. Bastava ela abrir a boca pra cantar e encantar. Foi assim desde o começo. No filme, a gente acompanha a trajetória da carioquinha, que nasceu no Rio, passou por Minas, pelo Pará, e desabrochou em Brasília. Pro mundo.


Cássia inaugurou o escracho na MPB. Começou roqueira, mas foi além. Sua voz rouca e marcante tomou conta de músicas já feitas e lhes deu uma roupagem nova, uma assinatura nova, as fez novas, ao final. Cássia cantou como poucos, de Zé Côco do Riachão a Edith Piaf. Muitas das músicas que ela cantava se tornaram definitivas em sua voz. Apesar dos outros. Um exemplo? Por Enquanto, da Legião Urbana. No meu entender, a versão definitiva é de Cássia.



Cássia inaugurou o amor homoafetivo em público. Amou uma, amou duas, amou muitas ao mesmo tempo. E nunca foi vulgar. E sempre foi intensa, sempre foi crua. Sempre foi Cássia. E quando deu vontade e deu jeito, engravidou. Cássia inaugurou a transformação pública de roqueira estereotipada, masculinizada, em delicadeza materna.


Chicão nasceu sob o signo do amor. No mesmo dia em que se rezava a missa de sétimo dia da morte do pai, um músico da banda de Cássia, Tavinho, que dias antes sofrera um acidente fatal, de carro. A vida deu pra Chicão duas mães e uma família completa. Chicão era filho de Cássia, mas a melhor cantora do mundo, pra ele, era Mariza Monte. Foi ele quem sacramentou: "A Mariza canta, você grita".

Cássia ouviu o filho e reaprendeu a cantar a suavidade. E suave ela determinou: "Quando eu me for, não deixem que tirem ele dela. A mãe de Chicão é Eugênia". Não precisou, Chicão foi explícito para o juiz: "Eugênia é minha mãinha". E pronto. Cássia inaugurou a nova família no Brasil, sem alarde, sem barulho, só com um pouquinho de confusão.


Ai, como me doeu aquela tarde de sábado, do dia  29 de dezembro, de 2001. Lembro como se fosse agora. Mariana adorava ela. E era uma criança ainda, tinha 12 anos completados. E sabia de cor e salteado as músicas dos discos de Cássia. E meu coração ficou apertado quando a televisão interrompeu a programação para avisar que Cássia tinha morrido.

Foi como um soco no estômago. Olhei pra Mara e perguntei: Como a gente vai dizer isso pra Mariana? Ela também não sabia. Foi uma dor imensa. Acho que continua sendo.


O filme termina e eu tenho vontade de abraçar as quatro pessoas que assistiram comigo. Acho que eu precisava de um abraço, ao fim do filme. Corro pro carro e ligo pra Mariana. Ela dorme. Quando acordar, vai ter que dar um jeito  de ver o filme e reencontrar a Cássia que ela perdeu, aos doze anos. A Cássia que se foi, sem nunca ter saído das nossas vidas. Dos nossos ouvidos. Da nossa alma.



Serviço: Aqui em Brasília, o Filme "Cássia Eller" está em cartaz no Cine Cultura, Liberty Mall, em sessão única, às 21h20min. 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Short Cuts - Memória de Brasília

A amizade, o vinho, o tempo


Velhos amigos, boas histórias.
Pelo menos uma vez por mês, uma turma de amigos se reúne em torno de uma mesa, para lembrar o passado, planejar o futuro e se deliciar com o presente. São velhos amigos que tem muito em comum e que nunca perdem a oportunidade de traduzir o amor por Brasília em uma declaração de amor à vida. O vértice desses encontros é o Silvestre Gorgulho.

Com Silvestre, tomando lições sobre Brasília. 
Silvestre é um apaixonado incorrigível. E no rastro da paixão dele, que tem Brasília como eixo, se alinham Carlos Magalhães da Silveira, Paulo Castelo Branco, Waltercy Santos, Tadeu Filippelli, Cláudio Gontijo, Antônio Bigonha, Denise Rottemburg, entre outros. Um time seleto.

De vez em quando, tenho a honra de poder sentar à mesa com eles. Encontros que viram aula de história, sem o quadradismo comum às salas de escola. É história viva. Contada entre risos soltos, comida deliciosa e bons vinhos.

O humor adolescente do Cel. Affonso Heliodoro. 
Num desses encontros, tive ao alcance das mãos a lucidez provocante do coronel Affonso Heliodoro, perto de completar 98 anos de idade. Esse mineiro de Diamantina, protagonista da criação de Brasília,  tornou-se parte indiscutível da história da Nova Capital do Brasil.

De encontro em encontro, Silvestre vai inventando um jeito da gente nunca esquecer Brasília.
As fotos desse encontro foram feitas por Ronaldo Ferreira.


Duas Torre, um outro horizonte 

Dia atrás, Orlando Brito, um dos mais respeitados profissionais do fotojornalismo brasileiro, publicou duas imagens da Torre de TV, na página "Memórias de Brasília", criada por Silvestre Gorgulho para que a memória desta cidade não se perca assim tão fácil.

A Torre de TV, em dois tempos,
sob o olhar cuidadoso de Orlando Brito.
Uma das fotos de Orlando, registrava um inusitado flagrante de uma prova de hipismo na base daquele monumento. O horizonte praticamente vazio ao redor. O próprio Orlando explica: "No começo dos anos 70, a cidade completava dez anos de existência. Promover eventos culturais e esportivos ao pé da Torre era uma das principais estratégias de entretenimento, em Brasília".

Na outra foto, produzida por ele, agora, do mesmo local de onde tirou a primeira,  vê-se claramente o registro da passagem de quatro décadas. Entre uma e outra, além da força do tempo, os efeitos da modernidade. Ao invés de provas de hipismo, carros, escadas rolantes, bicicletas e telefones celulares.

Olhando pra essas fotos e lendo o texto do Orlando, em que ele também fala da Torre Digital, lembrei-me de buscar os registros da construção da outra torre, a última grande obra de Oscar Niemeyer em Brasília.


A "Flor do Cerrado" que ficou deslumbrante depois de pronta, já era linda e desafiadora, enquanto estava construção. Estive lá várias vezes, enquanto operários e máquinas a erguiam. Muitas dessas visitas, acompanhado pelo Silvestre.



Em todas, ficava extasiado com a imagem lá do alto. Em uma dessas idas, tomei um susto com a minha imagem refletida nas peças de vidro que depois comporiam as pétalas arredondadas da "Flor".




Impossível não imaginar: O que será daquele horizonte, daqui a quarenta anos?  




O carro, a menina, a copa de 70

Dora, 1970, em dia de comemoração:
A Variant em Brasília e o Brasil campeão, no México. 
Naquele dia, a seleção brasileira de futebol acabara de sagrar-se campeã, no México. Pelé, Rivelino, Tostão e companhia ainda não tinham saído do estádio, quando as ruas de Brasília se enfeitaram de verde e amarelo e se encheram de alegria e gente, na medida do que era possível preencher aquela imensidão de espaço.

Fazia três anos que o bancário Ernani Amaral Prado, havia desembarcado por aqui. Funcionário do Banco Mercantil, ele morava com a família na altura da 707, na W3 Sul. Uma de suas filhas, Dora Prado, tinha sete anos, estudava no Elefante Branco e se emocionava, cada vez que o pai passava, veloz, com a sua Variant, por baixo das tesourinhas.

Dora Prado
Dora é jornalista, vive hoje em Belo Horizonte e, mesmo de longe, diz que ainda se emociona toda vez que enxerga as linhas de Brasília.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pra curar essa dor


Fernanda Takai e Samuel Rosa. Pra curar essa dor.

Mauro Habanero

Há dois dias, Maurinho Di Deus fez aniversário. Está em Cuba, com Clarice e, a esta altura também, com Nina Di Deus.

de lá, Mauro que pensa muito e escreve pouco, manda algumas linhas:

Mauro Di Deus
Vim a Cuba rever a minha namorada e conhecer um pouco mais dessa ilha que há anos nos motiva a seguir lutando em busca de um mundo melhor.

Os cubanos são maravilhosos e fazem de tudo para melhorar a nossa estadia por aqui. Só mesmo ficando um período grande aqui, para entender melhor o país, as mudanças ocorridas e as que estão por ocorrer.

Como programa obrigatório, as idas constantes ao Clube de Jazz Zorra y el Cuervo, onde se ouve o que de melhor existe na nova cena do jazz cubano, como o trumpetista Yassek Manzano, as cantoras Daimeé (nova descoberta nessa viagem; uma naniquinha menor que eu, mas que no palco cresce e magnetiza a todos com o poder se sua voz), a Zule Guerra, e muitos outros.
Mauro e Nina


Em breve colocarei aqui gravação que fiz de uma canja que Daimeé deu no show do Yassek. Sem falar no clima, agradabilíssimo, resultado de uma frente fria que deixa a temperatura por volta dos 19º. Quem diria!!! O calor dos trópicos, só na literatura. Hasta breve.

Como sou curioso demais, não aguento esperar o retorno dele, me antecipo ao Maurinho e vou atrás dos nomes que ele citou em sua breve mensagem. Encontro Zula Guerra. Mauro tem razão. Uma vez mais. A nova cena do Jazz cubano está mandando muito bem. 

De quebra, veja o show do "senhorzinho" que dança à frente do palco. Uma delícia. Com vocês, Zula Guerra y Blues Habana


domingo, 8 de fevereiro de 2015

Kazuo foi pra praia

Kazuo Okubo
Kazuo Okubo, me informa o Facebook, deve estar na praia. Kazuo é um dos mais importantes fotógrafos de Brasília. A fotografia nele é mais que ofício. É tradição. Coisa de pai pra filho. E, desconfio, é também prazer, é diversão.

Kazuo deve ter ido descansar na praia. Mas levou sua "Rolleiflex". Isso quer dizer que o olhar de fotógrafo descansa fotografando. E o que ele viu, na Riviera de São Lourenço é poesia pura. Como só Kazuo é capaz de nos traduzir.

Valeu, Kazuo!
Boa praia.
Bom descanso.
Boa poesia pros olhos.
Pros seus e pros nossos.












sábado, 7 de fevereiro de 2015

Prato do dia (ou da noite)

Companhia perfeita para as noites de chuva. 
Sopa de Capeletti à moda mezzo maranhense - mezzo italiana.

(Porção individual)

Três copos de água fervente.
Meio tablete de Caldo de Legumes.
Um punhado (moderado, de acordo com a fome, ou com a gula) de Capeletti de carne.
Cinco minutos de fervura com a panela tampada.

Antes de servir, cortar umas lascas de queijo parmesão no prato.
Servir a sopa e pingar uma dose de vinho tinto sobre a sopa, já no prato (dica de quem conhece).
Pingar umas gotas de limão na sopa servida (dica de quem faz isso desde criança).

Pão francês e uma (ou um pouco mais) taça de vinho para acompanhar.

Simplicidade divina, para os dias de chuva!

Caçada

Bebel Gilberto

Não conheço seu nome ou paradeiro

Adivinho seu rastro e cheiro

Vou armado de dentes e coragem

Vou morder sua carne selvagem

Varo a noite sem cochilar, aflito
 
Amanheço imitando o seu grito

Me aproximo rondando a sua toca

E ao me ver você me provoca

Você canta a sua agonia louca

Água me borbulha na boca

Minha presa rugindo a sua raça

Pernas se debatendo em seu fervor

Hoje é o dia da graça,

hoje é o dia da caça e do caçador

Eu me espicho no espaço feito um gato

Pra pegar você, bicho do mato

Saciar sua avidez mestiça

Que ao me ver se encolhe e me atiça
E num mesmo impulso me expulsa e abraça

Nossas peles grudando de suor

Hoje é o dia da graça,

hoje é o dia da caça e do caçador

De tocaia fico a espreitar a fera

Logo dou-lhe o bote certeiro

Já conheço seu dorso de gazela

Cavalo brabo montado em pelo
Dominante, não se desembaraça

Ofegante, é dona do seu senhor

Hoje é o dia da graça,

hoje é o dia da caça e do caçador

Bebel Gilberto. De Chico Buarque. Caçada.
Fechando o dia de sábado chuvoso de Brasília.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Correspondência de avô

Mariana e seu avô Viegas
Os hospitais são frios e tristes por natureza. Ninguém tira férias em hospital. É um dos lugares onde a gente vai por necessidade, desejando que a estada seja a mais curta possível.

Mariana, minha filha, teve que enfrentar essa dita, nesse começo de ano. Uma cirurgia não programada. Felizmente, tudo segue bem e ela já está em casa, longe da frieza hospitalar e perto do carinho de todos nós.

Mas a estada de Mariana no hospital foi leve (na medida que isso seja possível). Graças à contribuição de todos: da Mara, do Gabriel, da Clarice, da avó Isabel, do avô Viegas, dos parentes e amigos queridos que ligaram, mandaram mensagens ou roubaram alguns minutos do dia para dedicar-lhe um carinho pessoal.

Ontem, quando já estava em casa, sorriso largo, Mariana me contou sobre o presente que recebeu, ainda no hospital. Um pacote lacrado. Bem lacrado. Um mistério que lhe foi enviado pelo seu avô, por meio da sua avó, portadora oficial da encomenda.

Isabel, a portadora obediente da "encomenda". 
Com recomendações explícitas e rigorosas: "Só entregue isso à minha neta. Ninguém está autorizado a abrir, senão ela. E saia de perto quando ela estiver abrindo". Isabel, olhou com desconfiança para aquele pacote misterioso. Mas cumpriu à risca o combinado.

Mariana começou a rir antes mesmo de abrir o pacote, só de ouvir as recomendações transmitidas em detalhes pela sua avó.

Pacote entregue, começou a abri-lo. Dentro do pacote lacrado havia um envelope pardo com a seguinte instrução, escrita à mão na caligrafia precisa e preciosa do avô:
O envelope e a instrução

"Minha querida neta, Mariana. 
Este livro é para ser lido longe das vistas de outra pessoa, médico, 
enfermeira  e, quando o acompanhante estiver dormindo. 
Se chegar alguém durante a leitura, esconda-o.
Boa leitura!
Abraços e muita saudade.
Teu avô,
Viegas. " 

Mariana abriu o pacote com cuidado exigido e curiosidade transbordante. Lá de dentro, do mais profundo mistério, saltou um divertido e inusitado "Almanaque do Tio Patinhas".

O almanaque
Mariana riu um riso que não cabe em hospitais.  Aquela correspondência do avô, aquele enigma deliciosamente infantil... por um instante transformaram a frieza do lugar em ambiente de sonho. A dor, assim, vai dando lugar à alegria. E a vida fica mais leve.

O riso, a magia, a vida mais leve a cada dia. 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Clareana, Mariana e quem mais chegar


Porque o dia é de alegria.
Pra minha filha, Mariana.

Circo de Marionetes

Almôndegas. 
Velhos tempos.
Mesmas histórias.
E o coração sempre palpita.

Seguimos rindo de nervosos. 
No entanto, o coração palpita.
Armados de fé até os dentes.
Estamos vivos de teimosos.

No entanto, o coração se agita.