A sala tinha cinco pessoas, contando comigo. Era a última sessão do dia. E eu me sentia dono do cinema. Era tarde e eu não sabia exatamente o que esperar daquele filme. Bobagem. Bastou começar pra eu sentir saudade dela. Pra eu sentir uma vontade besta de chorar, de tanta emoção. Pra eu não me livrar do pensamento, que insistia: Preciso ligar para Mariana e falar sobre Cássia Eller.
Pouco mais de uma hora e meia de filme. Uma carga intensa de alegria e dor. Por que? Por que essa moça foi embora, tão cedo assim? Por quê?
São perguntas que não cabem e não tem respostas. Como não há resposta para a falta de Janis, de Hendrix, de Renato. E todos eles seguem doendo no peito, do mesmo jeito.
O filme "Cássia Eller", de Paulo Henrique Fontenelle, é um reencontro com o passado recente. Um rememorar da vida de uma moça que chegou, chegando, e parou geral. Bastava ela abrir a boca pra cantar e encantar. Foi assim desde o começo. No filme, a gente acompanha a trajetória da carioquinha, que nasceu no Rio, passou por Minas, pelo Pará, e desabrochou em Brasília. Pro mundo.
Cássia inaugurou o escracho na MPB. Começou roqueira, mas foi além. Sua voz rouca e marcante tomou conta de músicas já feitas e lhes deu uma roupagem nova, uma assinatura nova, as fez novas, ao final. Cássia cantou como poucos, de Zé Côco do Riachão a Edith Piaf. Muitas das músicas que ela cantava se tornaram definitivas em sua voz. Apesar dos outros. Um exemplo? Por Enquanto, da Legião Urbana. No meu entender, a versão definitiva é de Cássia.
Cássia inaugurou o amor homoafetivo em público. Amou uma, amou duas, amou muitas ao mesmo tempo. E nunca foi vulgar. E sempre foi intensa, sempre foi crua. Sempre foi Cássia. E quando deu vontade e deu jeito, engravidou. Cássia inaugurou a transformação pública de roqueira estereotipada, masculinizada, em delicadeza materna.
Chicão nasceu sob o signo do amor. No mesmo dia em que se rezava a missa de sétimo dia da morte do pai, um músico da banda de Cássia, Tavinho, que dias antes sofrera um acidente fatal, de carro. A vida deu pra Chicão duas mães e uma família completa. Chicão era filho de Cássia, mas a melhor cantora do mundo, pra ele, era Mariza Monte. Foi ele quem sacramentou: "A Mariza canta, você grita".
Cássia ouviu o filho e reaprendeu a cantar a suavidade. E suave ela determinou: "Quando eu me for, não deixem que tirem ele dela. A mãe de Chicão é Eugênia". Não precisou, Chicão foi explícito para o juiz: "Eugênia é minha mãinha". E pronto. Cássia inaugurou a nova família no Brasil, sem alarde, sem barulho, só com um pouquinho de confusão.
Ai, como me doeu aquela tarde de sábado, do dia 29 de dezembro, de 2001. Lembro como se fosse agora. Mariana adorava ela. E era uma criança ainda, tinha 12 anos completados. E sabia de cor e salteado as músicas dos discos de Cássia. E meu coração ficou apertado quando a televisão interrompeu a programação para avisar que Cássia tinha morrido.
Foi como um soco no estômago. Olhei pra Mara e perguntei: Como a gente vai dizer isso pra Mariana? Ela também não sabia. Foi uma dor imensa. Acho que continua sendo.
O filme termina e eu tenho vontade de abraçar as quatro pessoas que assistiram comigo. Acho que eu precisava de um abraço, ao fim do filme. Corro pro carro e ligo pra Mariana. Ela dorme. Quando acordar, vai ter que dar um jeito de ver o filme e reencontrar a Cássia que ela perdeu, aos doze anos. A Cássia que se foi, sem nunca ter saído das nossas vidas. Dos nossos ouvidos. Da nossa alma.
Serviço: Aqui em Brasília, o Filme "Cássia Eller" está em cartaz no Cine Cultura, Liberty Mall, em sessão única, às 21h20min.
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