domingo, 29 de novembro de 2020

Don Diego

Capa do jornal Crônica, de Buenos Aires,
em 26/11/2020


bola de meia
bola de gude
do grude na bola
sem hora
sem meia

bola na areia
no barro
na chuva

pelota
miúda
en la calle
suscia

alejo estás ahora
mirandome
desde arriba
tu nueva morada
blanca nube
cielo azul

el mas divino
ser humano
el mas humano
ser divino

tus passos
ayer en la cancha
ahora 
bailan como
alas bienditas

 tiempo
passado
traspassado
eterno

hasta siempre!
Diego

domingo, 1 de novembro de 2020

Das horas úmidas de meu pensamento

     


As horas do domingo escorregam lá fora. Pela janela acompanho um chuvisco. Que não sabe se vai ou se fica. As horas escorregam lá fora. Aqui dentro observo a tua dor fininha, a tua alegria, a tua desvontade de fazer algo que exija mais do que sair da cama.

Minto. Quando abri os olhos de manhã, foi o cheiro de café quem me tirou do sono. Me invadiu as narinas e me trouxe de volta à vida real. Sabor de pão com manteiga invadindo uma manhã que ainda se disfarçava de madrugada.

Estavas ali. E num instante, estavas por cima de mim. Tua renda preta roçando meu peito e me chamando para levantar. Como? – eu me pergunto. Teu corpo sobre o meu é um convite para ignorar o tempo, para derreter-se em carinho e perder-se entre os lençóis. 

Um beijo. Um espreguiçamento. E o corpo se move em direção à janela. O amor em cheiros imaginários tem o seu valor. Lá fora, já desde cedo, as horas úmidas passavam. O asfalto molhado. Os pássaros aquietados. Só alguns poucos se arriscavam num canto suave e molhado. Domingo de horas passantes. Lentidades.

Então veio a mesa. Ah! Nossa mesa sempre está em flor. Pode faltar manteiga (melhor que não falte), mas não faltam flores. As flores me levam pra outros rumos. Lembram as coisas que já vivemos. Lembram as ruas floridas de Santiago, no dia em que dançamos enquanto uma orquestra jovem soltava seus acordes clássicos e populares em troca de aplausos. E nós, lá no meio, admirados e felizes, nos permitimos um tango. Que inveja sentiram alguns de nossa liberdade.



As flores tem o dom de fazer isso comigo. O leite em pó torna o café moreno. O açúcar é minha perdição. Ovos revoltos, pão. E um riso que não se mede. Sim. Essa é a fórmula de nossa mesa matinal, em um domingo de quase chuva e quase frio. E as hora lá, passando umedecidas, do lado de fora da janela.

Conto uma velha piada que te faz sorrir. Sempre. Sabe, preta, em Portugal há um grande índice de consultas aos oftalmologistas depois do pequeno almoço. E nem preciso seguir para que espalhes os teus dentes adiante do contorno dos lábios e dispares em uma gargalhada. Um muxoxo. A piada é velha. E, ainda assim, te faz gargalhar.

Falamos da vida, com suavidade e ternura. Falamos dos erros cometidos em explosões que revelam o nosso cansaço e o nosso limite. Quando, meu Deus, nos veremos livres outra vez? Não há tristeza em nossa voz. Há uma constatação firme, circunspecta, consternada de que o horizonte não nos mostra ainda um ponto final para essa dor pandêmica.

Compramos vinhos e fazemos planos. Os vinhos aplacam as dores e dão sabor à alma. Por isso, os temos e os tomamos. O que vai ser desse dia? O que vai ser desse tempo? Quem contará essa história e de que forma isso vai acontecer? Tantas perguntas sem resposta. Tanto vazio no ar para um domingo que vai deixando as horas escaparem pela janela úmida. Não sei. E não sei se saberemos.

Sei apenas que nosso barco segue lento e constante em direção ao que vai no leme de nossas cabeças. Via láctea brilhante e intensa como a que vimos deitados lá fora, no tempo, naqueles dias de Pirenópolis. Navegar impreciso. Preciso. Necessário.

 
Lembras dos pães de Bismarque? Das músicas de Chico Filho. Dos chapéus de Cabocla. Lembra? Por favor, não esqueças. É a memória desse tempo que ainda nos manterá vivos e eternos.

Na mesma da hora, quando a chuva deu uma trégua e a janela se iluminou com uma nesga de sol, era o sinal: Caminhamos?