segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Eram tempos de Luiza Romão


Conheci essa menina pelas mãos de Gabriel, meu filho.
E fiquei encantado.

Enxerguei nela uma vitalidade que havia tempos, não via.

Ode aos touros Furiosos é um libelo à liberdade e ao respeito. É mais, é uma fina esperança de que nem tudo está definitivamente perdido, nesses tempos de intolerância e futilidade.

Luiza tem o frescor de uma juventude que gasta o seu tempo com algo mais que facebooks. Tem o vigor de quem conhece literatura, de quem bebe da mesma água que saiu do pote de Guimarães Rosa ou Leminski.

Hoje, eu conheci Luiza Romão. Acho que não esqueço mais dela. Valeu, Gabriel!


E já que você chegou até aqui, aproveite, gaste mais sete minutos e conheça um pouco mais da guria!

sábado, 5 de setembro de 2015

Tempo de entregas


O tempo é de entreguidão.
Minha curta vida de 53 entra em fase de desapego.
Entrego para guardar. Entrego sem solfejo tudo o quanto já não me pertence.

Assim, me preparo para receber o resto que me resta de vida.
Não há senão uma pequena dor no corpo – talvez, da vesícula que já me avisou, 
quer também sair de mim.

Torço por uma despedida sem litígio. 
Peço-lhe em silêncio que aguarde um pouco mais.
O tempo do desapego vesicular ainda se faz em construção.

Do ouvido caverna que tenho do lado esquerdo da cabeça, o eco oco é sem sentido.
Um zumbido que me acompanha desde que entreguei, também, meus instrumentos auditivos, que me situavam melhor ante o mundo.

Nesta manhã de sábado abro o meu jornal virtual 
e dou de cara com o meu melhor poeta vivo, Ferreira Gullar.
Está aos 85. Seu tempo de entrega é mais longo. Seu desapego, maior.

Ferreira Gullar
Foto: Zô Guimarães/Folha Press
Vô Opílio
Pensa com todas as letras em não mais escrever poesias. Não que não as queira mais. Elas é que não lhe vem como vinham antes. Elas e o espanto com o mundo que lhe alimentava a inspiração. O mundo, diz o poeta, já não lhe espanta mais.

O olhar sisudo de Ferreira, sua parede de quadros, sua lentidão nos movimentos, seus longos cabelos brancos. Tudo, em Ferreira, é majestático.

Leio atentamente com um pesar intraduzível. Ferreira é mais do que meu poeta vivo. Maranhense, como eu, é de um tempo que conheço apenas nas descrições imaginárias de meu avô Opílio.

Nessa manhã de sábado, a consciência desse tempo de entregas me faz perceber melhor a passagem do tempo. Meu filme vital explode em meu pensamento.

Corrida na chuva; jogo de bola-de-meia na fábrica de arroz; banhos matinais no tanque da casa de tia Luzia; bolinha de gude; caminho da escola; areia branca e mar. O mar salgado da areinha. 

O mar esverdeado de minha ilha de São Luis. A ponte, as comportas da represa, o bairro do Anjo-da-Guarda, a Madre Deus e seus sotaques – matraca, pandeiro, caboclo de penas, mãe Catirina e pai Francisco. 

Meu primo Jorge, minha tia Dica, Bunbunga, Coscotô, Nildo, Junior Carajás e Carlinhos carretel. Djé e seus olhos grandes. Eis o meu time de infância, eis meu espelho matinal dos dias em que estive menino.

Leio, escuto, penso. Há uma sede de que esse tempo não dure tanto. 
De que essa seca de horizontes se molhe enquanto há dia, enquanto os ipês florescem nas ruas.

Nessa manhã de sábado de entregas, entrego meus desejos ao acaso e à sensibilidade dos que me guiam, me protegem e me guardam.


A poesia, enfim, segue comigo.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Carta para Margot

Foto: Sheyla Leal

Querida Margot.

Os dias são quentes e secos em Brasília.
Eu escuto um blues, a seco, como se isso fosse solução, mas não é.

O blues tem apenas a capacidade de nos tirar da letargia. 
De espantar a falta de esperança e a tristeza dos dias.

Os dias são tensos. Intensos.
Tudo é velho no Front.
Nada de perspectivas boas no ar. 
Tudo é incerto. 
E ainda assim, é preciso insistir.

Meus filhos, Mariana, 27, e Gabriel, 23, nunca tinham conhecido 
o sentido da palavra "crise" como sentem agora.

Os dias são tensos e carecem de esperança. 
O Brasil anda sem rumo, feito nau desgovernada.

Governo? Nada.
Nada de braçada na incerteza.

De novo? Nada. 
Nem lá, no Planalto, nem aqui, na Planície.

E ainda assim, vamos tendo que achar sentido.
Na florada dos ipês, por exemplo. 

De amarelos, 
de tão intensos que são, 
de tão fugaz amarelidão,
eles carregam o dom de nos iludir.

Ilusão boa, essa que eles nos dão.

Invadem, sem pedir licença, as inéditas manhãs de setembro 
e, feito mágica, nos fazem achar que vamos ter forças pra dar jeito.

É o que nos resta.

Um pouco de cor e poesia, pra enfrentar os nossos velhos dias.

Dias tensos, em Brasília.


Besos, desde aqui.

Maranhão. 

Margarida Margot Marques é jornalista. 
Já não está conosco.

E mesmo já tendo ido daqui, vai continuar sendo, pela eternidade, uma das maiores jornalistas que conheci. 
Um bom pedaço da vida, passamos juntos em terras sul-matogrossenses. 

Margot era um amor que eu tinha. Foi minha comadre, madrinha de Mariana. E, de vez em quando, bate uma saudade imensa de conversar com ela. 


Resolvo a saudade escrevendo. 
Algo me diz que ela lê. 
Algo me diz, ela me entende.