sábado, 9 de março de 2013

O Batom e eu


Por Mariza Poltronieri*


Quando crianças, somos crianças. Os gêneros feminino e masculino inexistem.

Lá na década de 70, em meus primeiros passeios em festinhas inocentes, a boca , símbolo da expressão humana, da voz que liberta, do sorriso que ilumina, saía com brilho, um gloss sem cor, um debut do começo do feminino.

O batom em minha vida e na das mulheres da família é mais que um ritual de passagem, é um vestir-se. Cada uma de nós tem sua cor preferida. Uma usa cor-de-boca, outra rosa, vinho, laranja. Eu sempre usei vermelho. O batom parece ser um símbolo de vaidade, mas mais que isso, é um símbolo de liberdade.

Conta a lenda familiar que meu avô, pai de nove mulheres, todas jovens fagueiras e bonitas, vaidosíssimas e prontas para namorar, um dia tomou uma decisão maluca e arbitrária, implicou com as bocas marcadas das meninas, vestidas de carmim. Instituiu que ninguém mais sairia maquiada. Ordem de pai não se contesta, mas se camufla. Todas saiam sem batom, vestiam-se nele na rua, despiam-se dele ao voltar pra casa.

Assim foi por alguns dias, até que alguém esqueceu e apareceu com a cara enfeitada. Antes que seu Fortunato, o afortunado de mulheres, emitisse qualquer som, todas as meninas se juntaram e disseram “Ninguém mais vai mentir, mas também não vamos mais tirar o batom”. A união faz a força, ele aceitou.

Mariza Poltronieri
Sair de casa com a boca nua é estranhar-se. É como ficar sem cédula de identidade ou sair sem calcinha. O batom encoraja e protege ao mesmo tempo.  A boca que fala com batom é diferente da que fala sem ele. Ele toma posse da fala, vira um vetor do discurso ou um microfone da voz. Um batom é quase uma companhia, além disso, ele enfeita e seduz.

Um homem só sabe o que é um batom quando estampado num beijo. Pode ser mãe, namorada, amiga ou filha, mostra-nos inteiras. O batom guarda em si o íntimo e o exposto de todas nós; o sensível, o profissional e o social.

Somos o que nascemos pra ser: mulheres.

*Mariza Poltronieri é culinarista em Maringá. É filha de Olívia. Mãe de Fernanda e Vinícius. Escreve aqui no blog sempre que quer e sobre o que quiser. E, pelo visto, não abre mão do seu batom vermelho.  

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