quinta-feira, 14 de março de 2013

Dia de poesia


Todo dia é dia de poesia. É como penso. Mas hoje, independente do que eu possa pensar, é dia de poesia pra todo mundo. Não sei quem assim o instituiu, mas diferente do ditado que diz que todo excesso prejudica, o excesso de poesia não existe. Em qualquer quantidade, em qualquer medida, a poesia sempre encontrará espaço pra deixar a vida mais leve e bela.

Portanto, como amanheci o dia sendo delicadamente lembrado por gente querida, que sabe da minha paixão por poesia, venho aqui agradecer tanto carinho.

E recorro ao meu poeta mais próximo, Manoel de Barros. Dele, me encantam as invenções de mundo, o universo lúdico que transforma as palavras em seres vivos e lhes atribui novo sentido. Quase musicado. Sempre carregando, na essência, a alma das tantas crianças que Manoel traz dentro de si.

Neste dia da poesia, recorro a uma auto-definição. Manoel por ele mesmo. Poesia pura. Como só havia de ser. Viva Manoel. Viva toda a poesia!


Manoel por Manoel


Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. 
Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. 

Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
 Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. 

Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
 Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. 

É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.

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