domingo, 14 de julho de 2013

O mundo lá, quem sabe...

Short cuts de ontem

As emas de Brasília

Houve emas, um dia. 
Há em Brasília um lugar chamado Recanto das Emas. Na entrada da cidade, há um conjunto de emas esculpido em concreto. Deve fazer algum sentido, devia ser um lugar onde havia muitas emas no passado. Hoje, há carros, motos e gentes em profusão. Comecei o dia lá. Cinco da manhã. Recanto das Emas. Essa é uma das variáveis que tornam o meu trabalho precioso. Ele me faz, por exemplo, conhecer Brasília por dentro. Longe dos palácios, dos monumentos, das curvas de Niemeyer. Uma Brasília que não existe no imaginário externo, mas que é muito presente aos olhos de quem vive aqui.
Nessa época do ano, no Recanto das Emas, às cinco da manhã faz muito frio.

Manhã de sol

Não é um sábado comum. Aliás, os meus não servem de parâmetro pra ninguém. Há quem comece a sexta sonhando com o sábado. Meus sábados tem um quê de continuidade. Minha noção de descanso não requer dia cristão. Descanso quando dá. Pode ser segunda, terça... Às vezes, pode ser até sábado. Mas esse, não.

Circulo pelas ruas quase vazias de uma Brasília em tempo de férias escolares e recesso político. A cidade fica com um jeito de cidade da gente. Me sinto meio dono de tudo por aqui. Até o trânsito é mais livre. Fazendo hora, chego ao CCBB. Não dá tempo de ver o que há. O telefone toca e o trabalho chama.

Pioneiros


Vila Planalto
Na Vila Planalto, (sim, Brasília tem vilas) lugar onde vivem muitos do que ajudaram a construir essa cidade, é dia de festa. O sonho de ser dono de um pedaço de chão está mais perto. Sim, em Brasília a União é dona de quase tudo. Do chão aos céus. Então, ser dono de sua própria casa é um sonho mais sonhado que em outros lugares. Avisto gentes de quase cem anos. Umas senhorinhas elegantes e altivas. Elas também vivem longe de monumentos e Palácios. Mas os seus companheiros de vida  estiveram bem perto, ajudaram a construir muitos desses palácios e monumentos. Os que ainda estão vivos frequentam e dão sentido a uma outra Brasília. Que não existe no imaginário externo. Quantas Brasília existirão por ai, sem que consigamos enxergar?

Rodas do passado e de hoje

Rodas do passado e de hoje
Num outro extremo da cidade, senhores de cabelo branco, e outros nem tanto, cultuam um lazer caro - carros antigos. Não são muitos, mas servem pra mostrar uma outra Brasília que persiste. Houve um dia, esses carros circularam pelas ruas novas da cidade. Resistiram à poeira e ao tempo. Persistem para não nos deixar esquecer. Desde o inicio, essa cidade foi pensada em uma outra dinâmica. Por aqui o corpo humano ainda se divide em cabeça, tronco e rodas.

Música, maestro!

No meio das asas há um eixão.
Quando dou por encerrado o dia de trabalho já passa das três da tarde. O corpo pede cama. A alma pede mais. Pratico uma esgrima pessoal entre ceder ao cansaço ou apostar na alma. Entro no Eixão, uma artéria contínua de dezesseis quilômetros de asfalto. Vista do alto, se traduz na espinha dorsal das asas Sul e Norte, planejadas por Lúcio e Niemeyer, que sustentam o vôo eterno da cidade pássaro.

Lula Theodoro, meu maestro soberano.
Ligo pro meu maestro soberano, Lula Theodoro. Há meses não passo por lá. Ele atende e me entende a alma. Me chama para assinar letras de músicas que fizemos juntos. Digo que assino se ele me mostrar músicas novas, parcerias que ele musicou e que eu não conheço ainda. Agora, é a resposta. Venceu a alma. O corpo que se canse um pouco mais. Meu descanso não acontece mesmo de forma convencional.

A foto, a lua

O maestro, o grupo e o aprendiz. 
No estúdio, Lula me mostra um blues que eu nem sabia que existia. Me pede pra contar a história. Eu conto. Um dia, voltando do trabalho pra casa, já tarde da noite, encantei-me com a lua e, tenho certeza, ela comigo. Firmamos um pacto: Ao chegar em casa, eu faria uma foto da lua. Ela merecia. Cheguei. Antes de tudo, abri uma garrafa de vinho. Olhei a lua. Sentei à mesa. Ela era mesmo linda. Tomei uma taça e o cansaço me venceu. Dormi pensando nela. Acordei em dívida. Escrevi. Depois de escrito o registro, pensei que podia mandar pro meu maestro - quem sabe, ele enxergasse na minha escrita alguma melodia. Ele enxergou sem me dizer nada. Até hoje. Entrei no estúdio e gravei. A letra está ai embaixo. A música ainda leva uns dias até que ele dê tratos (entenda-se, usar os recursos técnicos para fazer da minha voz algo audível). Uma hora, a gente escuta junto.

Fiquei de Lua


Fiquei de fazer 
uma foto da lua pra você.
Não deu. 
O cansaço me venceu.

Abri um vinho
Fiquei sem graça
Dormi, logo na primeira taça

Fiquei de fazer 
uma foto da lua pra você
Não deu. 
O cansaço venceu

Se a chuva deixar
se a lua sair
essa noite
eu vou me redimir

Logo mais, acredite, 
eu vou fazer
uma foto 
da lua pra você


Quem sabe isso quer dizer amor

O domingo segue frio e azul. Um vento que não me espanta. Corro, faço café, escrevo. A cabeça mais leve, a alma plena. Penso em Milton e sinto saudades. Meu descanso, definitivamente, não é igual ao de todo mundo. A alma agradece o cuidado. Quem sabe, quem sabe...



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