segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A missão do Cronista

Por: Ramón Rocha Monroy*
Tradução: Maranhão Viegas


Os companheiros eram bravos, corajosos, abnegados, amorosos, carinhosos. Davam mais de si do que uma pessoa no seu perfeito juízo daria. Viviam entre a esquina da morte e da vida, com notório desinteresse por seguir vivendo, com uma vocação precoce por sacrificar-se.

Nós seguimos vivendo. Às vezes, pela sensatez. Quem sabe, por covardia. O azar poderia nos impor o confronto com a morte. Tudo estava escrito para que isso acontecesse, mas não aconteceu. E, às vezes nos perguntamos: Por que sobrevivemos? Por que seguimos vivos? Por que, previsivelmente, morreremos de morte natural em nosso leito? Quando olhamos fotografias antigas, desgastadas pelo tempo, dos nossos companheiros que já se foram, por um instante, sentimos inveja do seu destino. A luta os levou à morte e a morte lhes tornou gloriosos. Enquanto a nós, apenas a doença e a morte nos está reservado. Por consequência, o esquecimento.

Pensando na crueldade desse destino, encontrei a razão que me ajuda a seguir vivendo. Por que sobrevivemos? Simples: porque estávamos destinados a viver para contar. É exatamente aí, que começa e termina o nosso compromisso. Temos que contar a história, temos que perpetuar na memória das novas gerações o que foram, o que fizeram e a determinação dos nossos companheiros. Como o amor e a solidariedade foram definitivos em suas vidas. E, especialmente, como suas vidas tiveram muito mais significado do que suas mortes. Eles se fizeram grandes seres humanos Gigantes, mesmo.

Caso tivessem sobrevivido, hoje estariam na linha de frente, mas morreram. A nossa missão é fazer com que eles jamais morram de todo. Que cada gesto de amor, solidariedade, coragem, dedicação deles, se torne conhecido pelo nome e sobrenome. Para que todos tenham oportunidade de saber. Seus filhos, os filhos de seus filhos e de todos nós. Desta e das gerações que estão por vir.

Por isso seguimos vivendo. Podemos até morrer em nosso canto, esquecidos por todos, no mais absoluto anonimato, mas se formos fieis ao nosso destino, deixaremos registrado o que é fundamental dizer. Não aquilo que se refere a nossas vidas rudes, modestas, comuns. Mas às vidas grandes e gloriosas daqueles que tivemos a honra de conhecer.

Por fim, compreendo a minha missão de cronista. Eu poderia ter morrido, me transformado em um herói e transcendido ao esquecimento. Mas quis o destino, a vida, que eu tivesse uma outra missão a cumprir: Recordar meus amigos que morreram, contar a história de suas vidas e perpetuá-los na memória coletiva, popular.

Ramón Rocha Monroy é um dos mais importantes jornalistas bolivianos da atualidade. Escritor de romances, roteirista e documentarista consagrado, vencedor de três prêmios nacionais de literatura e, há anos, adotou o pseudônimo de Ojo de vidrio. Foi escolhido pelo Conselho Municipal de Cochabamba para ser "o cronista da cidade", uma missão voluntária para recuperar a memória de Cochabamba.

"Como a memória é um eterno presente, ao deitar-me percorro as camas de todas as mulheres que amei. Retorno exausto e termino dormindo, outra vez, sozinho. Na noite passada, fiquei no meio do caminho. A memória da tua pele não me deixa em paz". Ojo de Vidrio 

2 comentários:

  1. Ramón me escreveu e eu divido com vocês o que ele me mandou:

    Puxa, me encantó la traducción. Escribí ese texto con algunos whiskies encima y un largo presentimiento de que acaso esa sea nuestra misión en esta vida. Muy muy agradecido, mi querido Maranhao.

    Ramón "Ojo de vidrio" Monroy

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  2. Liliana Bayá escreve, de Cochabamba:

    Querido Compadre.
    Recien hoy pude leer lo que escribiste en tu blog de Ramón. Tengo que felicitarte por tan buena traducción...parece que fué escrito en portugues... atravez del corazón.
    un beso grandote,

    Liliana

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