terça-feira, 24 de março de 2020

Matei o bicho!


Isabel e Inocêncio
Meus pais. 
por Innocêncio Viégas 


"Se correr o bicho pega! Se ficar o bicho come!" O que fazer? - Matar o bicho!

A coisa aqui está pra lá de Bagdá. São cinco filhos, todos buzinando em nossos ouvidos, prevenindo-nos para não sairmos de casa. 

A Bel cumpre religiosamente todos os preceitos, eu, que fui um menino sem muita folga, filho único, escolhi a liberdade. Sem ter o que fazer, além dos afazeres da cozinha, fui arrumar a biblioteca. Logo veio a proibição: livro velho tem ácaro, poeira e faz mal a idoso, pode provocar alergia e a queda de imunidade é uma porta aberta, entendeu? Porta? Lembrei-me da porta da rua. Guardei a escada, dei tchauzinho para os livros e fui procurar algo para sair de casa. Logo achei: pagar o boleto da conta do cartão, na loteria. 

- Não vai ficar zanzando por aí, o menino te leva, disse a Bel, referindo-se ao Guga, nosso filho mais novo. Guga me levou à loteria, paguei a conta, fiz uma "fezinha" e já voltamos. Lembrei que estava cabeludo. Pedi então, ao menino, que me deixasse no barbeiro, é perto de casa, quando terminar volto andando. Ele não questionou, boa praça que é, deu folga para o velhão aqui. Ele saiu e eu, em vez de ir para a barbearia, fui primeiro à padaria. 

Lá encontrei a "velharada" tomando café e falando em coronavírus. Arrepiei-me todo, pedi um pingado grande e um pão com manteiga na chapa. Deitei e rolei na gostosura e tomei parte no papo dos coroas. Despedi-me dos amigos e fui, agora, para a barbearia. 

O coitado do barbeiro estava solitário. Nenhuma vivalma havia aparecido. Ao ver um candidato abriu o sorriso e já foi colocando a máscara e calçou as luvas. Ofereceu-me a velha cadeira "Ferrante"dos velhos tempos das saudosas barbearias. 

Disse-lhe como queria o corte e, em lugar do sabão, na hora do arremate com a navalha, preferi álcool. Ele concordou. A televisão, no alto da parede dizia que 348 idosos, na Itália haviam partido desta para melhor e estavam cremando os corpos para matar a peste. 

O Guga chegou em casa, a Bel não me viu. - Cadê o pai? - Ficou na barbearia, falou o Guga. Incisiva, ligou logo. Atendi e já previ o desfecho. 
- Já terminou? - Não! Respondi.
- Vai demorar? - Só um pouquinho!
- Vou mandar o Guga te buscar!
Pronto! Cortaram o barato do velhão. Fui resgatado.

Matutando, logo achei a solução para a situação. Resolvi ficar confinado dentro da adega. Se álcool 
é bom para evitar o vírus, é lá que o danado não entra.


Peguei um dos livros do irmão Fagundes de Oliveira, um livro pequenino "danado de bão", com 
o título "Relicário". Passei à leitura. Vou recordar os velhos tempos e, na virada de cada cinco páginas, um gole da "marvada" para matar o bicho. Tô numa boa! 

Vocês ainda estão pensando nessa coisa ruim? "Sigam o líder!" Vamos matar o bicho. Não esqueçam de derramar um pouquinho pro Santo. 

Bicho morto, passeio garantido! A onda vai passar!
Bebam com moderação!
Matei o bicho! 

Innocêncio Viégas - É meu pai. E também é: Teólogo – Escritor; Membro das academias: Acad. de Letras de Brasília; Acad. Maçônica de Letras do DF; Acad. Maçônica de Letras Paranaense; Acad. Maçônica de Letras e Artes do Brasil – GOB; Acad. Taguatinguense de Letras; Confraria dos Amigos da Boa Mesa – COMES; Academia Maçônica de Letras do Maranhão (correspondente); Academia Maçônica Internacional de Letras; ANE – Associação Nacional de Escritores – Instituto Histórico e Geográfico do DF - CERAT.
Email – inocencio.viegas@gmail.com

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