No início da década de 70 fui viver, junto com toda a minha família, em Foz do Iguaçu. Meu pai havia sido transferido para lá. Foi um período de grandes mudanças. Saído direto do Maranhão, com oito anos de idade, com uma realidade nordestina, costumes nordestinos, desembarquei no Sul com uma temperatura perto de cinco graus. Foi um contraste absurdo. Não foram poucas as vezes em que nos pegamos pensando coletivamente em voltar correndo para São Luis.
Penso mesmo que esse "desterro" involuntário foi responsável pelos meus primeiros escritos. Vem dessa época algumas cartas tristes, escritas a amigos distantes, incapazes de imaginar o que eu passava. Mas elas eram a forma mais contundente de traduzir a minha saudade e o meu estranhamento a aquele lugar onde a maioria dos vizinhos e amigos falava uma outra língua, que eu não compreendia direito. O tempo se encarregou de me mostrar, havia vida além de São Luis. Até fazer com que a saudade se transformasse em pura memória, sem dor, sem sofrimento.
A segunda parte da minha infância vivi em Foz. E um bom pedaço da adolescência também. E foi como adolescente, alguns anos depois, que descobri o rádio como um companheiro de jornada. Foz do Iguaçu é a ponta do Brasil que faz fronteira com um pedaço da Argentina e outro do Paraguai. Por isso, habituei-me a conviver de perto com um sotaque duplamente castelhano.
Entre as manias que desenvolvi, havia uma que ainda hoje carrego com imenso carinho - dormir ouvindo música. Eu tinha na cabeceira da cama um radinho que funcionava a pilhas. E que sintonizava, invariavelmente, a Rádio Mitre, de Buenos Aires. O programa que eu ouvia, na hora de dormir, tocava baladas americanas, músicas populares e pop rock argentino. As minhas noites de adolescentes eram embaladas por "The Playters", Mercedes Sosa e um camarada chamado Charly Garcia, entre tantos outros.
Mas era de Charly uma das melodias que mais me marcaram esse período - "Los Dinossaurios". O arranjo de piano e as notas iniciais dessa música me causavam uma comoção, me provocavam uma melancolia inexplicável e me faziam dormir e sonhar.
Não havia a compreensão do contexto, da luta pela libertade, dos tempos de ditadura militar. Não havia a compreensão da letra que falava de pessoas desaparecidas e muito menos havia a capacidade de entender o simbolismo que existia no fato da Rádio Mitre tocar, todas as noites, anos a fio, músicas como aquela.
Hoje, vasculhando a blogosfera, encontrei um vídeo em que o próprio Charly canta essa música. Foi uma volta ao passado distante, à adolescência. E devo dizer que ainda hoje, aquela dorzinha no peito se manifesta aos primeiros acordes de "Los Dinossaurios".
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