sábado, 6 de novembro de 2010

Almoço chinês, lembrança de natal

foto: Alexandre Dourado
O dia amanheceu chuvoso e preguiçoso, como há muito não acontecia. Almas recolhidas, cachorros também. Tudo andando lentamente, exceto o vizinho da oficina ao lado, que resolveu trocar algumas placas de ferro a partir das sete e meia da manhã.

Acordo, vou ao computador. Mariana também acorda e avisa: tem aula na faculdade. Preparo um café, pão na torradeira nova e espero que ela desça. Lá se vai a baixinha, avisando que depois da aula tem um pagode e não volta tão cedo. A vida segue. A chuva também. O cara do portão chega para consertá-lo. Assim funciona a vida quando se está em casa. Parece não haver nada para fazer e tanta coisa acontece ao mesmo tempo.

Portão consertado, procuro o livro que comecei a ler - 1822, do Laurentino Gomes. Café na cama pra Mara, que passou mal à noite com febre e dores no corpo. O Bi, dormindo. O treino de fórmula um. O cumprimento do vizinho pela vitória na eleição. O Clipping do dia chegando atrasado.

No computador, recebo o e-mail do Assis. Vou atrás do disco, baixo o arquivo. Escuto as músicas. Vou mexer nas fotos e o programa avisa: a versão beta expirou. Se quiser continuar usando, compre outra. Desconfio que outros programas essenciais também estão assim. Bingo. Não vou comprar. Tenho um programa mais antigo que comprei ano passado. Procuro, acho, instalo, reinicio, pronto. A vida virtual volta ao normal.

A fome bate. E não fiz a metade do que havia planejado - ler meu livro. Mara no banho, sinal de melhora. Que tal uma comida chinesa? Vamos lá ou vou buscar? Os dois (o Bi acordou) respondem eu uníssono - vá buscar.

Banho, barba, desodorante, roupa limpa, carro e rua. A chuva persiste. Ô diazinho pra não fazer nada, penso comigo. E concluo que já fiz muito. Um macarrão chop suei, "família feliz" - um prato que mistura legumes e frutos do mar; e bananas caramelasdas para a sobremesa. Enquanto espero, passo no super e compro pipocas de microondas para a tarde. Almoço pronto, cozinha arrumada, uma nesga de sol.


À mesa, falamos do natal. Vamos para Fortaleza. E começam as lembranças dos natais passados. Há diferenças extremas entre as tradições sulistas e nordestinas. Hoje, menos; por conta da globalização. Hábitos sulistas, como árvores cobertas de neve, não eram comuns no nordeste, anos atrás.

Do período de oito anos, do nascimento até deixar o Maranhão em direção ao Sul, me lembro muito pouco. Mas lembro do nervosismo de esperar o "Papai Noel". Criança dormia cedo. Eu resistia. Mas, invariavelmente, dormia antes de ver o bom velhinho chegar com os presentes.


No dia seguinte, embaixo da rede, lá estava o presente. E eu me odiava por não ter resistido ao sono. Entretanto, o que importava era saber o que tinha merecido. Brinquedos de plástico, carrinhos, bolas de futebol. O que quer que fosse, era válido, era deslumbrante abrir o pacote e poder sair à rua para comparar os presentes e - principalmente - brincar.

Mara lembrava de outras tradições. Quatro semanas antes, a contagem regressiva se dava pelo acendimento de velas especiais. Uma a cada domingo e o natal cada vez mais perto. A cada vela acesa, cantoria e orações. Até que chegava o dia em que a sala era trancada aos menores. "Papai Noel" estava trabalhando.

E na Noite de Natal, a árvore repleta de velas, brilhos e presentes, era um sonho. Antes de abri-los, cantos em alemão, orações, puxados pelos avós e tios. A meia-noite não chegava nunca. Diante de tantas memórias, Mara lembrou de uma história engraçada. O primo dela, Norberto, como todas as outras crianças da família, era obrigado a ir à missa do Galo. Norberto, por ser o mais velho deles, garantia uns goles de trago antes de cumprir a obrigação religiosa.

Certa vez, Norberto só teve tempo de sentar-se no banco da igreja e ver o início da missa. Não demorou muito, estava cochilando entre os primos. Num determinado instante, o padre falou mais alto - a ponto de acordá-lo: "... e a virgem Maria estava grávida..." Norberto não se fez de rogado, esfregou os olhos e exclamou bem alto, de forma a que todos ouvissem na igreja: - Mas bah, tchê! a gente não pode dar um cochilo que a "virgem" já está grávida!

Silêncio geral na igreja e o "ôpa" (avô em alemão) fuzilando o Norberto. Naquele ano, todos os outros primos ganharam um troco por acompanhá-lo à missa. Menos o primo Norberto.

Um comentário:

  1. Adorei essa historia. Virei fä do Norberto. Maravilhoso ouvir essa historia de onde estou, Alemanha. Terra dos antepassados da Mara e do Norberto. Saudades suas, meu querido. Ferias, finalmente.beijos, mil. Luzinha

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