segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Memórias da profissão - Eisenstein e Junio

Para Junio Cheze

Em 1984 eu era um jornalista recém-formado. E enquanto dicidia o que fazer da vida, vim para Brasília, onde meus pais já moravam. Uma tarde, recebi um telefonema de Mara, à época, minha namorada, lá em São Leopoldo, onde fizemos a faculdade de jornalismo.

- O Junio procurou por ti. Tem uma vaga de repórter na TV Bandeirantes, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Ele diz que o trabalho é a tua cara. Foi o suficiente. Mochila nas costas (naquela época, nosso mundo cabia em uma mochila), lá fui eu.

Começava ali a minha relação com o mundo profissional, pelas mãos do Junio Cheze. O mesmo Junio, colega de turma, que eu tinha visto caminhar descalço, auditório da UNISINOS a dentro, para apresentar o documentário "Terra de Índio", em que ele contava a história da luta de Marçal Guarani, o Tupã Y, líder indígena assassinado em Dourados.

Eu agora faria parte daquela terra de índios. Terra que me viu crescer na profissão, que viu meus filhos nascerem. Que viu a vida do Junio mudar, de repente.

Foi naqueles anos, não demorou muito, Junio montou um semanário. E deu a ele o nome do nosso jornal laboratório, na UNISINOS: Enfoque. O jornal o fez virar gente e também provocou a sua primeira morte. Em busca de notícias, Junio se embrenhava naquelas estradas viscinais. Até que um dia sofreu um acidente que o deixou tetraplégico.

Ainda assim, ele prosseguiu fazendo jornalismo. Ressurgiu depois de 15 dias em coma. E seguiu lutando e escrevendo bravamente. Toda vez que nos encontrávamos, ele pedia pra que eu falasse sobre o filme "O Encouraçado Potemkin", do diretor russo Sergei Eisenstein.

Na última vez em que estive em Dourados, junho do ano passado, junto com o Rodrigo Pael, fui visitar o Junio. Fazia muitos anos que não nos víamos. Ele se emocionou. E eu mais ainda. Apesar do tempo e da distância, nossa amizade se mantinha viva, como se não tivéssemos saído daquela faculdade, lá no Rio Grande do Sul. Como se tivessemos nos encontrado ontem, na entrada de Dourados, onde o inicio da minha trajetória profissional ficou registrado.

Ontem à tarde, Junio Cheze nos deixou, aos 48 anos de idade. O jornalismo perdeu um grande cara. O amigo vai deixar muita saudade. Ainda bem que eu pude encontrá-lo no ano passado. E falar de novo do filme que ele tanto admirava.

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