sábado, 12 de fevereiro de 2011

Carta de amigo, texto de poeta

Marco Antônio Pontes, um novo "velho amigo" que fiz por estas plagas, me escreve. Ao ler o seu texto, me emociono e percebo que é injusto guardá-lo apenas para mim. Aí vai:

Salve!, Maranhão, cadê você?

Sim!, a Meschiya Lake é ótima. Conhecera-a ligeiramente dia desses (foi na tv) e também tive a sensação de que a visão desmentia a audição: estivesse vendado juraria ouvir a fantástica Billie Holiday.

Interessantes, as observações sobre branca com voz negra. Não sei como explicar o fenômeno, mas sempre dá certo. Temos na mpb excelentes exemplos: quer voz mais negra que a de Clara Nunes? Até Elis Regina, a maior cantora brasileira (Elizete Cardoso é hors concours) tem interpretações -- não todas, que é pluralíssima -- em que a voz parece ascender de porão de navio negreiro; ou da cozinha, como escorregou no preconceito o Fernando Henrique.

Esperava encontrá-lo em nossos almoços sexta-feirais para comentar seus "Passos na areia". Esclarecedor, o relato da origem do apelido. Eu bem poderia ter adotado o pseudônimo"Gerais"; ficaria plural...

Você só não explicou por que diabos um natural da linda São Luís foi dar com os costados no outro extremo do Brasil, onde não há palmeiras, sabiás nem paisagem extra-terrestre como a dos Lençóis.

Deliciei-me com a reação de "seu" Opílio, cuidadoso cumpridor do racionamento, ante o esbanjamento energético do pau-de-luz. (Tive a sorte de conviver longos anos com o avô materno: "sô" Plínio Dias desentortava com um martelinho os pregos que arrancava de caixotes para reaproveitá-los quando necessário; recolhia pela casa cada pedacinho de barbante -- você sabe o que é isso? --, formava um grande novelo e suportava estoicamente o riso de mofa da mulher, filhos e netos a chamá-lo "pão-duro"; mas quando alguém precisava amarrar qualquer coisa, fazer um embrulho -- naquele tempo não havia fita adesiva, sacos plásticos, essas comodidades -- era sua vez de rir e partilhar sem avareza o tesouro.)

Muito bonita, sua foto dos Lençóis. Já reparou como a arquitetura de Brasília tem algo daquelas curvas e contrastes? Quem sabe? Niemeyer conheceu a região, antes de projetar, por exemplo, o Museu da República.

Eu descobri os Lençóis assim meio por acaso. Em 1974 sobrevoava o Delta do Parnaíba num pequeno monomotor, a fotografar Luís Correa, Pedra do Sal, Lagoa do Portinho, Sobradinho... Ao revelar o filme (era assim, naquele tempo...) não reconheci algumas fotos, bem diferentes da paisagem do lado piauiense do Delta. Dia seguinte pedi ao piloto que refizesse o trajeto e maravilhei-me com o seu "deserto" dourado entremeado de lagoas em inacreditável azul -- pena que fizesse fotos em p&b...

Finalmente, destaco-lhe frase que particularmente me tocou: "Estive distante sem nunca ter partido."

É que me assalta igual impressão a cada vez que retorno à pequena Rio Novo, cidade que entre outros méritos teve o de me ver nascer, perdida entre as serranias e vales da Mantiqueira, Zona da Mata de Minas. Noutra forma de dizer o mesmo, eu saí daquelas montanhas mas elas não saíram de mim. Temos, eu e os irmãos, a sorte de conservar a velha casa, construída por meu pai quando eu tinha cinco, seis anos.

Nas noites que atravesso a ler ou escrever nas reincidentes voltas ao lar paterno, habitualmente na companhia de um Red Label, o "cachorro engarrafado" de Vinícius ("não é o melhor amigo do homem?" -- explicava), sinto-me como no verso do "poetinha": "No silêncio profundo daquela casa cheia de montanha em torno."

Pois é isso, caro amigo. Viu? no que deu provocar reminiscências de velho escriba. Sou econômico no falar porém pródigo no escrever. E isso vem de décadas: só consegui conquistar a primeira namorada -- quando já me constrangia por que na provecta idade de 12 anos ainda não sabia como era um beijo na boca -- ao enviar-lhe um bilhete na sala de aula, na verdade umas três folhas de caderno a enaltecer-lhe a beleza. Por sorte, ela gostou.

E ainda não termino (claro, você tem a alternativa de deletar-me a prolixidade a qualquer momento...). Falta dizer que sentimos sua ausência, a cada semana, nos encontros com os vinhos e demais delícias do Francisco; explicam-me que tem estado ocupado; percebo que descumpre a Lei de Vera Brandt: "Quem não ganhou a semana até o meio-dia de sexta-feira pode deixar tudo pra segunda que não vai mais ganhar."

Memória que puxa memória, tem a historinha do empresário britânico que, prestes a deixar o escritório na City para encontrar os amigos no clube para o sagrado lunch das sextas-feiras, que se prolongaria até a inevitável happy hour, recebeu um telegrama (assim chegavam as notícias naquele tempo) a informar-lhe de que numa de suas minas de ouro na África do Sul houvera um desabamento, dezenas de operários morreram, suas ações em bolsas mundo afora despencavam e urgia adotar providências. Pois ele atirou o telegrama na gaveta, trancou-a à chave e comentou com a secretária: "Oh!, Mary, lamentável; vou estar muito preocupado segunda-feira de manhã."

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M. A.

Um comentário:

  1. Meu querido compadre
    Queria postar um comentário no seu blog,na carta de seu amigo, mas estou sozinha e não tenho a mínima idéia de como se faz isso. Tentei mas não consegui. Então, segue o comentário. Posta para mim e depois socorre a comadre, mandando um roteirinho. Brigadin, beijos mil, Edna.


    Como boa gaúcha não deixo passar em branco uma referência ao Pagos!
    Maranhão andou do extremo Nordeste ao extremo Sul só para conhecer Mara, hoje Viegas, ter dois filhos lindos e empolgar grandes amizades como as dos gaúchos Margarida Marques, Ewerton Lopes e a minha, entre outras milhares. O fato de esses encontros ocorrerem em Campo Grande é mero detalhe! E para suavizar as saudades dos Lençóis ele devia parar ali próximo ao Gigante da Beira Rio e olhar o por do sol no Guaíba, grande lago que reúne o estuário de cinco rios e que banha a nossa querida Porto Alegre dos Casais.
    Brincadeiras à parte, querido amigo, nós estivemos 10 dias às margens da Lagoa dos Patos. Viagem inesquecível para os dois netos encantados com tanta água e a liberdade de praia rasa, onde podiam brincar. E ainda fomos ao Uruguai( Rio Branco). A viagem ao “exterior” encantou o Mateus, meu neto de seis anos, que gravou com cuidado o nome “daquele país onde fomos” para fazer bonito junto aos colegas no retorno às aulas. Encontro de família, daqueles de renovar energias. Retorno às origens, aos tchês, ao sotaque, como água de chuva fazendo mais verde o verde das folhas.
    Sei muito bem a sensação que tens ao andar pelas ruas do Madre Deus. E acredito que poderemos, ainda este ano, cruzar aquelas ruas juntos. Te conto mais semana que vem.

    Edna Della Nina

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