segunda-feira, 29 de março de 2010

A orquestra catrumana dos “Joãos”


Em 2008, eu coordenava uma campanha na eleição para prefeito, em Montes Claros, norte de Minas Gerais. Faltavam poucos dias para o sete de setembro e nós ainda não sabíamos como fugir da mesmice, na hora de homenagear o dia da independência do Brasil.

Três e pouco da tarde de um dia quente, como só os dias quentes do sertão de Guimarães Rosa sabem ser. Eu conversava com dois outros “Joãos” – o Flores, diretor de cena; e o Rodrigues, artista plástico e secretário municipal de cultura (da imagem aí ao lado).

Eu queria algo diferente. E lembrei do projeto que o João Rodrigues tinha posto em prática – Uma orquestra de rabecas. O projeto era precioso. Gente do campo, mãos rudes, calejadas pelo trabalho duro da roça, que se dispunha a tocar instrumentos musicais. Mais do que isso, se propunha a aprender a fabricá-los. Uma ousadia, coisa de artista, encravada no sertão.

Eu disse o que pensava. Queria vê-los saindo por detras das árvores, tocando em seus instrumentos uma música que encantasse e desse legitimidade àquela homenagem. Dezenas deles, multiplicando a imagem tão viva de outro ícone do sertão: Zé côco do Riachão. João, o Flores, começou a imaginar a cena. Raios de sol, no fim da tarde, entre as árvores do sertão. Em meio aos feixes de luz, os homens e suas rabecas.

A imagem era linda, mas como produzir isso, em tão pouco tempo? Não sei. Sei que fui correndo para o computador, parir o texto. Os “Joãos” que se encarregassem de decifrar a fórmula. Eis que o Rodrigues sugeriu o óbvio: porque não fazer a gravação na própria luteria?

Bingo. Misturando as cenas da fazedura dos instrumentos com os homens tocando em peças acabadas. Uma metalinguagem da criação. A simplicidade vencendo outra vez. Estava ali, em estado puro, a nossa homenagem. À independência, ao homem, à vida. E a música a ser tocada? Aí, foi a minha vez: o Hino da Independência! Por que não?

De novo, o óbvio em nossas mãos. Essa é uma das lições que as campanhas políticas nos dão sempre. O melhor pode ser o mais simples. Desde que feito com paixão. Com verdade. Com tesão.

Tinhamos exatos três dias para ensaiar o hino. Quer dizer, para eles aprenderem a tocar o hino e gravar as cenas. O resultado vocês terão a oportunidade de ver aí abaixo. Ficou uma peça preciosa como todos aqueles homens e seus instrumentos musicais o são também. Preciosos.

Essa semana, conversei com João Rodrigues. Ele já não é mais secretário de cultura. Mas a arte plástica ganhou com a sua volta ao atelier de pintura. João me disse que a orquestra não existe mais. A luteria, também não. O que ficou daquela gente está na memória de cada um deles. Está na minha memória e na memória dos dois “Joãos”. E no filme, editado pelos meninos competentes da produtora mineira Casca de Noz, que vocês vão poder assistir já, já.


Luteria – é o local onde se fabricam instrumentos de corda.
Catrumano – termo que define a gente mais original do sertão de Minas Gerais.

4 comentários:

  1. Inveja é uma admiração às avessas, mas tem hora sim que gostaria de estar com os seus olhos e com seus ouvidos, não com os meus. Nossa emoção vem da mesma tribo e de lá aprendemos a enxergar beleza no cotidiano. Poesia pura e simples.
    Se tivesse com seus olhos e seus ouvidos, em todos os lugares onde esteve, além de sentir, seria testemunha. A inveja é não presenciar o que também gostamos. Você é demais!

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  2. Postei o comentário acima com um endereço emprestado (sic). Burrice de internauta distraída.
    Bjs Maranhão!
    Mariza

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  3. Gostaria de deixar claro, que aonde você escreveu que não existe mais a Orquestra e a Luteria, gostaria que corrigisse pois continua existindo sim, tanto a Luteria como a Orquestra.

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  4. Boa notícia, Moisés. Quando puder, me mande detalhes sobre como estão os dois: a orquestra e a luteria. É sempre bom saber que as boas idéiais resistem ao tempo e às mudanças políticas.

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