segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Quem é do mar não enjoa


Há em mim um tanto de mar que nem eu sei medir. Creio que isso venha de nascença. Na ilha onde eu nasci, havia mar por todos os lados. Há também o fato de meu avô ser barqueiro e atravessar sem medo a Baia de São Marcos, vindo de Alcântara para São Luis, trazendo de lá o que pudesse no seu “Bela Rosa”.

O barco eu não conheci. As histórias, sim. Sei até como meu avô se desfez dele. Lamento apenas que tenha sido antes de eu virar gente pra também poder navegar com ele.

O mar que sempre me atraiu um dia quase me levou. Eu tinha cinco anos e ia para a praia bem cedo, comprar peixe com meu pai. Isso era quando a Areinha, praia que ficava no fim da Madre Deus, recebia os barcos dos pescadores e ainda permitia que meninos tomassem banho pulando do trapiche pro mar.

Me lembro de olhar encantado para eles. Corriam e saltavam com uma intimidade e um domínio de dar inveja. Eles e o mar. E eu olhando. Até que um dia, criei coragem. E também me fui. Ninguém me disse que eles sabiam nadar e eu não. Na minha ingenuidade, achava que era possível estabelecer com o mar um combinado: eu pulo ai dentro e você me diz o caminho de volta. Mas não foi assim.

Corri pela ponte de madeira que acabava no mar e saltei, pelo prazer de saltar, pela sensação de liberdade. Meu pai ficou me olhando. Junto comigo, saltaram outros meninos. Eu fiquei no fundo por alguns instantes. Eles pulavam e, como uma flecha, estavam com a cabeça fora d’água. Eu não. Tenho a imagem até hoje. Contei três deles passando por mim antes de me faltar o ar. Num impulso, me ergui e para minha sorte, o medo, a falta de ar, a angústia fizeram com que a minha cabeça fosse para fora do mar.

A primeira visão que tive foi a do meu pai, já sem camisa em posição de pular. Também por impulso, ele me puxou pelos cabelos, agarrou o meu braço e me tirou da água. Levei tempo até entender que, da mesma forma que aprendi a andar em terra firme, o amor pelo mar exigiria que eu aprendesse a nadar. Eu aprendi.

Quarenta anos depois, em 2005, eu e meu pai nos encontramos no mar, de novo. Desta vez, distante de São Luis. Nos encontramos em Garopaba, Santa Catarina. O mar era diferente, mais frio. Mas o respeito por ele era o mesmo. A foto que está aí acima é na verdade uma montagem. Eu e meu pai não entramos juntos no mar. Quando um entrava, o outro ficava olhando. Mas, por uma dessas coincidências da vida, nós fomos fotografados quase no mesmo ângulo, na mesma praia, em momentos diferentes, mas muito parecidos.

Então, achei justo eternizar esse encontro: eu, ele e o mar. As fotos são do Marcelo Domingues, marido de minha irmã. O trabalho de colocar a minha imagem e a do meu pai na mesma cena é do José Luiz Cerozzi, grande amigo, diretor de arte com quem trabalho há mais de 20 anos. A base da foto é a cena em que meu pai carrega a prancha. A minha imagem foi inserida na foto com a fusão do mesmo mar.

O resultado é uma declaração de amor. Ao meu pai. Ao meu avô. Ao mar.

4 comentários:

  1. Adorei esta história! Já vivi travessuras parecidas...kkk... o desafio de testar a liberdade e os limites... mas eu queria que vc contasse uma história romântica: como vc e Mara se conheceram. Eu já a conheço, mas nós mulheres adoramos romance...rs,rs,rs... Vc já falou sobre família, aventuras, raízes... está faltando o super "loirão" da tua vida. Bjs para os dois e inté. Janine

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  2. E eu, mineiro de tudo, tenho com o mar um daqueles amores secretos que se tem aos 12 pela professora: apaixonado, sim, mas com um certo veniz de respeito que nada consegue romper.

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  3. Que bela história!Ao lê-la olho pela minha janela a AREINHA que tua trazes na lembrança, procuro vê-la mais distante e PODER admirar seu horizonte no cair da tarde desta quarta-feira de cinzas .
    Concordo com esse sentimento de TER O MAR dentro de nos.É um sensação incrível,pois todas as vezes que dessa nossa bela ilha me distanciei não tive distante as mares , seus movimentos e o sopro de carinho a trazer frescor pro meu corpo com sua brisa.
    Que esse sentimento lhe seja cada dia mais forte e resistente, lhe dando sopro de criação, revisitando suas memórias e fazendo agente ficar mais perto do teu viver.
    Um abraço do tamanho da baia de São Marços.
    Laurinda Pinto

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  4. Meu irmão, acho que a explicação mais lógica para essa atração pelo mar é a herança genética.
    Sábado passado dia 20/02 quando gozava de uma férias merecidas depois de um longo ano de trabalho, recebi um convite para arrastar camarão no dia seguinte.
    Asseguro que não controlei a ansiedade até me ver a bordo do barco de pesca (Jeniffer)arrastando camarão às cinco horas da manhã na Praia do Meio em Itapema –SC.
    Confesso que voltei no tempo e me senti um moleque na Madre Deus ouvindo e vivendo as belas histórias contadas pelo Seu OpílioViégas vividas no mar em sua nave Bela Rosa.
    A satisfação de estar ali vivendo aquele momento ímpar, que absolutamente não está nas rotinas do meu dia-a-dia mas demonstrando tamanha familiaridade com os equipamentos e procedimentos ,causou espanto até no mais experiente mestre do barco, o Kiko que em determinado momento não se conteve e soltou a pergunta meio espantado: - “Tem certeza que você é de Brasília mesmo, terra sem mar e nunca viveu de pesca ?rsrsrsr”
    Respondi sorrindo: “Kiko, vivo em Brasília sim, mas nasci na Madre Deus e como um bom neto de pescador , tenho obrigação de não ficar marejado e trago no DNA a herança de um grande marinheiro rsrsr”.
    Os seguidores, biguás e gaivotas , pareciam anunciar que a pesca seria farta pois não paravam de seguir o barco ,ora voando,ora mergulhando e já antecipando o banquete.
    A rede veio cheia e nessa hora a consciência ecológica falou mais forte, devolvendo ao mar todos aqueles peixes, siris,águas vivas e serpentes que não estavam sendo buscados para o consumo daquele dia.
    Depois da aventura, já em terra firme, pude admirar toda a beleza que tem a vida no mar e os momentos belíssimos que a mesma proporciona aos seus seguidores.
    Para brindar esses momentos, a noite na Pousada Costa Esmeralda ao redor de uma bela mesa reunido com a família ,Andréa, Paulinha, Dudú ,os cicerones Paulo e Eleonora e alguns amigos Argentinos também hóspedes do lugar, fomos fritar peixe e camarão e tomar uma deliciosa caipirinha de Stainheger.
    Belas recordações e a satisfação de ter vivido um momento inesquecível imitando as aventuras do meu velho e bom avô Opílio, que acima de tudo tinha um grande respeito pelo mar.
    Isanor Viégas- 26-02-10

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