domingo, 7 de agosto de 2011

Lambendo os dedos

*por Mariza Poltronieri

Todo muito tem manias, algumas psiquiátricas, mas a maioria inofensiva e às vezes engraçada. Certa vez conheci um rapaz que só comia pipoca de colher, para não sujar os dedos com o óleo. Bastaria lamber os dedos. Porém, nesta opção, Paulo, meu irmão, voaria no pescoço do indivíduo. Ele para o que está fazendo e olha com ira para o lambedor. Na mesma linha, odeia rabanetes e jamais os serviu em seu restaurante enquanto ele permaneceu aberto.

Muitas receitas saem das panelas. Toda família traz consigo cadernos com inúmeras páginas amarelas, manuscritas e grudentas, cheias de farinha, açúcar, óleo, amor e boa vontade. Minha mãe tem um que é indecifrável, justamente para que ninguém copie suas alquimias. É necessário tato e artimanha para conseguir essa honraria.

Porém, não são somente as receitas que são importantes, o que sobra delas também tem um gosto especial, muito além do sabor. Raspar panelas, formas e fundos de travessa é quase um antepasto. Lembro de esperar minha mãe bater o bolo para depois lamber as pás da batedeira, raspar com uma colher as sobras durinhas do brigadeiro e do beijinho nas paredes da panela, tirar as casquinhas crocantes de polenta que sobraram no tacho, limpar o molho de carne, com um naco de pão francês, o fundo da travessa. Se isso é falta de educação eu nem quero saber. A menina que mora dentro de mim não foi educada e ainda adora fazer isto.

Sem dar bola para meu irmão, adoro lamber os dedos para limpar o açúcar de confeiteiro deixado pelo sonho de padaria, o gosto da canela misturada no polvilhado do bolinho de chuva, o pedacinho de chocolate que derreteu em um dia quente.

A gente segue assim, mal educando a criança em um prazer bobinho, do tamanho que sobrou na panela ou entre os dedos. Mas, para quem não gosta, lave a louça e as mãos. A cozinheira agradece.

*Mariza Poltronieri é culinarista em Maringá, PR. E tem espaço garantido aqui, para escrever sempre que quiser, sobre alquimia gastronômica. Ou, sobre o que ela desejar.

Um comentário:

  1. Não posso negar que a cada palavra sua enche minha boca de agua. Texto delicioso, literalmente!

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