sábado, 22 de maio de 2010

Vidas Paralelas

(Da série, mulheres de minha vida)

Recebi um e-mail de uma amiga que pede reservas quanto à identidade, mas autoriza a publicação do conteúdo da mensagem. E a publicação vale. É uma espécie de declaração de amor incondicional.

Conheço as duas. A autora da mensagem e a amiga a quem ela descreve. E posso atestar, são amigas, quase irmãs. E vivem como se tivessem sido separadas no berço.

Cada uma a seu modo, construíram o que a que escreve chama de “vidas paralelas”. É a única coisa da qual discordo. Porque, nas ciências exatas, as paralelas não se juntam. Na vida real, estas duas mulheres nunca se perderam. Nem pelo tempo, nem pela distância. Seguem firmes e dão mostras de que, como paralelas que contrariam as leis, se cruzam num ponto de fuga e nunca se deixarão. Eis o texto. Boa leitura.


(artes de Lesley Barnes e Ivana Resek)

Minha amiga e eu somos daquelas parceiras com quem tudo pode ser dito e feito.
Já somos amigas há mais de 30 anos. Apesar das muitas coisas em comum que temos, somos incrivelmente diferentes.

Ela é gremista roxa e eu sou colorada desde pequeninha;
Ela não come nada que tenha alho e eu não sei comer nada que não seja temperado com alho.

Ela nasceu sob um signo regido pelo ar e eu pela terra.
Ela gosta de plantar flores e eu hortaliças. Ela é ousada e sonhadora e eu sou precavida e vivo os dois pés no chão. Ela é jornalista (mais para as ciências sociais) e eu sou geóloga (mais para as ciências exatas). Ela diz que prefere trabalhar com os políticos e eu odeio minha função de assessora parlamentar.
Ela casou com um cara expansivo e eu com um introspectivo. Ela optou por dedicar seu melhor tempo para a função de mãe e eu, apesar de me achar uma boa mãe, sempre me esforcei para ser uma profissional reconhecida.


Ao longo destes tantos anos de amizade, houve períodos em que quase não nos víamos ou não tínhamos notícias uma da outra. Mas tínhamos a certeza de que se uma precisasse de um ombro, a outra sempre estaria ali, pronta para escutar, opinar, chamar a atenção ou se indignar pela tristeza da outra.

Sem saber das escolhas pessoais, vivíamos fazendo coisas parecidas (até as bobagens). Ela saiu do Rio Grande para construir uma vida diferente em outra região e eu também. Ela passou maus bocados para vencer um câncer no seio e eu no útero.Ela tem uma filha linda e decidida e eu uma filha encantadora e valente. Ela tem uma irmã muito parceira e eu tenho uma irmã muito protetora. Ela deu o nome de Gabriel ao seu filho, e eu, no ano anterior, já havia tido o meu Gabriel (e não é que nossos garotos precoces passaram no vestibular, ainda no meio do terceiro ano? além de arcanjos são inteligentes).

Vivemos tantas coisas diferentes nestes anos, cada uma com seu destino e acabamos as duas nos encontrando e morando em Brasília. Tivemos tantas experiências incríveis e frustrantes, ainda que separadas ao longo destes anos, mas não deixamos de sentir amor e respeito pelas opções uma da outra.

Apesar desta grande amizade, nós ainda reservamos espaço para muitos(as) outros(as) amigos(as), que mesmo sendo únicos e importantes, nunca ocuparam o lugar especial em que nossa amizade se estabeleceu.



Somos tão parecidas e com afinidades tão profundas que até a morte destas novas amigas, também muito queridas, acontece no mesmo tempo. Um dia eu liguei aos prantos porque havia perdido uma grande parceira intelectual e também uma pessoa incrivelmente querida, a quem eu dediquei os mais sinceros e fraternos sentimentos de amizade.

No dia seguinte ela me liga chorando muito, porque também perdeu uma grande amiga.
Desta vez, apesar da coincidência, a perda foi brutalmente diferente. Ela perdeu a amiga para a morte, por causa de um câncer lento, mas letal. Eu perdi a amiga para a vida, por uma destas causas que não se escolhe, apenas se deve acatar.
A amiga dela lutou bravamente pela vida, mas antes da morte, lhe deu a oportunidade de uma despedida em que selaram o compromisso de continuidade em outras esferas de existência.


A minha nunca precisou lutar por nada nesta vida, apenas usou de artimanhas que lhe garantiam o sucesso e o acesso ao afeto. Diferentemente da minha amiga de anos a fio, eu não tive despedida, mas uma interrupção abrupta, sem necessárias explicações ou possibilidades de perdão.

Minha amiga e eu ainda estamos tristes. Uma pela perda definitiva e arbitrária decida pela mão do destino e, a outra, pela incompreensão dos fatos, escolhas e traições, decidida pela mão da cobiça.

Felizes, tristes, frustradas, ousadas ou serenas, assim tem sido nossas vidas, com eventos e acontecimentos inevitáveis, que nos tornam mais solidárias e solitárias. Nós sabemos que muito provavelmente não é o destino que determina quem entra nas nossas vidas, mas são as atitudes que determinam quem fica.

Não sabemos sobre o nosso futuro, mas o conhecimento do nosso passado nos dá a certeza da continuação desta fraterna amizade. E é por isto, que apesar de diferentes, somos tão iguais.


3 comentários:

  1. O amor é o alimento da alma...não ha tempo nem espaço que o possa modificar...

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  2. Delicioso poder contar com uma fidelidade de alma. Expor-se para o bem ou para o mal, na alegria e na tristeza, num tempo entrecortado, mas sempre captado por um colo quente, um olhar ameno.
    Amizade assim é um presente do céu.
    Mariza

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  3. Amei o texto escrito por suas amigas e concordo com ela em tudo, texto bem escrito, inteligente. Elas podem não ser iguais, mas olham na mesma direção isto é TUDO."Muita gente entra e sai em tua vida ao longo dos anos. Mas só os verdadeiros amigos deixam impressões em seu coração"

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