domingo, 2 de maio de 2010
“Em busca do tempo perdido”
*Innocêncio Viégas
Não! Não estou falando do mais importante período romanesco do século 20 quando Marcel Proust iniciou o lançamento em 1913, de sua coleção de romances, em número de oito, iniciando com “os prazeres e os dias”.
Mas igual a Proust temos momentos que nos devolvem ao passado e voltamos à infância e vamos crescendo em recordações até chegarmos aos dias atuais. Aí, nesse caminhar no tempo, sorrimos, amamos, sofremos e às vezes quase morremos.
Eu e a Bel estamos entrando no período gostoso da vida onde cada minuto é vivido intensamente. Estamos agora caminhando na única avenida do nosso bairro. Longa, reta com subidas e declives. Bem arborizada, o que nos proporciona respirar o ar saudável das rajadas que sopram do norte.
No caminho vamos encontrando outras pessoas que, como nós, buscam recuperar a saúde quase perdida no decorrer da vida.
Antes: um charuto cubano, um cachimbo com fumo inglês e cigarros das melhores marcas. No almoço as iguarias repletas de sal, açúcar e muita gordura com sabores mil. No jantar as finas bebidas do mundo, das farras, dos encontros sociais, das noitadas dançantes intermináveis completando o “bom” da juventude.
Agora: No lugar dos fumos uma bombinha de ar comprimido para dilatar os brônquios; em vez das gorduras das refeições, um peitinho de frango grelhado, sem sal e sem pimenta; e substituindo as bebidas das melhores cepas e de ricos alambiques, um chá de maçã com canela ou o charmoso chá verde tão em moda.
Substituindo os belos passos de um tango ou de um bolero bem traçado, caminhamos sem destino pelas ruas que nos proporcionam o prazer de ir em busca de momentos de suor, para depois de um bom banho, e de um revigorante café da manhã, lermos o jornal, só na parte da cultura e diversão pois as demais páginas não merecem a nossa atenção.
Continuamos nossa caminhada e eis que um quarentão bem saudável, dirigindo uma enorme caminhonete pára ao nosso lado. Paramos também.
- São casados? Perguntou o desconhecido
- Sim, só há 48 anos. Respondo.
No banco atrás do motorista um enorme e tranqüilo cão de guarda nos observa enquanto o seu dono, querendo chorar, esconde o rosto com a mão direita. Recuperado ele fala.
- Lembrei agora dos meus pais. Eles também caminhavam assim. O meu velho já viajou. Outra vez pareceu chorar e logo voltou ao diálogo. A mamãe continua. Eles andavam de mãos dadas, disse ele olhando para as nossa mãos.
- Vocês podem dar as mãos? Perguntou.
- Claro que podemos. Respondi e logo segurei a mão da Bel.
- Vão com Deus! Disse e arrancou passivamente a sua caminhonete enquanto o cão deixava cair no vidro da janela uma grossa e pegajosa bába. Concluí que os dois choravam cada um ao seu modo.
Por alguns metros caminhamos calados. Nós também queríamos chorar. Fomos e nem olhei para trás. A saudade que aquele desconhecido sentiu ao nos ver demonstrou ser ele um bom homem. Um coração sensível ao bem; um filho saudoso, talvez carente de um carinho, um afago da mamãe e um abraço apertado do papai. Momentos que não retornam.
Já estamos em casa, o nosso banho foi reconfortante. O café, fumegante. O leite desnatado, o queijo branco macio e sem gosto e o pão integral, com gosto de ontem.
Tem coisa melhor?
Nós também estamos “em busca do tempo perdido”.
Innocêncio Viégas
Escritor – Teólogo – Membro da Academia de Letras de Brasília - meu pai.
Bel, é minha mãe.
Email: ijviegas@bol.com.br
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