sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Uma flor se vai, outra chega

Esta semana, recebi um telefonema de Paulinho Ribeiro. Paulinho, sobrinho de Darcy, conheci em Montes Claros e firmamos uma amizade pra sempre. Agora, mais ainda, porque ele está junto com Laura Murta, outra querida amiga jornalista.

Paulinho coordena o "Beijódromo" obra visionária que Darcy Ribeiro pensou para juntar gente jovem e  bem pensante, na UnB. Ele me ligou para falar da mais recente iniciativa do Beijódromo, um bistrô, que está sendo tocado por Laura.

Fiquei feliz com a ligação porque havia tempos, não falava com Paulinho. Perguntei por Jacy, mãe dele, por quem também - desde os tempos de MOC  - nutro uma especial amizade, que sempre me rende um picadinho de carne com quiabo, quando chego por lá.

Entre uma lembrança e outra, perguntei sobre o filho ou filha que ele e Laura agora têm em comum. É uma menina, me informa Paulinho, e se chama... Flor. Assim, simples, perfeita e cheirosa de nascimento. Na hora me lembrei que Flor era como Laura chamava a avó dela (que em verdade se chamava Florides). A flor, avó, já não está aqui. Mas antes de partir, me contou Laura ao telefone, teve em seu colo a pequena Flor, com poucos meses de vida.

Enquanto Laura me falava, lembrei do texto que escrevi no dia em que conheci Flor, a avó. Laura me prometeu mandar a foto das duas nesse encontro de gerações. Ainda não mandou. Mas eu fiquei tão feliz com a história que resolvi republicar aqui o texto que escrevi sobre o meu primeiro encontro com Flor, que aconteceu em março de 2010 (data da postagem original). Para Paulinho, para Laura e suas Flores. Eternamente, Flor!


Na casa de Flor tudo é detalhe. Os quadros na parede. As fotografias envelhecidas. O santuário. A janela com a árvore, sacodida lá fora, pelo vento. Aquela árvore foi Zezão quem plantou, quando chegamos a Brasília, faz mais de quarenta anos, explica. Tudo ali remete a Minas, origem da família.

Zezão é o companheiro de vida. Ela, com noventa anos recém completados. Ele, com noventa e nove, já sem visão alguma, mas com a lucidez dos meninos.

Flor acaba de sair de uma temporada na UTI. Quem vê, desconfia. Ela se move ligeira pela casa. Apesar da respiração arfante. Abre a geladeira, oferece água ou suco. Retira a comida congelada. Afasta uma panela do fogão e deixa o fogo aceso por uns instantes. Volta-se para a pia. Depois, lembra do fogo aceso e o apaga.

Senta-se ao meu lado sem nunca tirar das mãos um terço. Seus olhos miudinhos conversam comigo, enquanto aguardo Laura, sua neta jornalista. Flor me conta que teve onze filhos. Hoje já não os tem mais. Alguns se foram antes. Flor, que em verdade chama-se Florides, é leonina. E faz jus ao signo. Não perde a altivez. Ainda que esteja de pijamas.

Inquieta, confere a hora do almoço. Faltam detalhes. Chama Regina, a filha que divide a vida com ela e Zezão. Orienta o que falta esquentar. Um pouco mais de feijão. Aquecer o arroz. E tudo estará pronto. Regina responde sem sair do quarto – Calma. Flor se encosta na parede e segreda, como se pensasse alto: Calma... Essa gente de hoje... Para eles, tudo é calma.

Volta ao sofá e me informa, sem precisar, que eu poderia almoçar com eles. Agradeço. Tem um almoço esperando por Laura em minha casa. Onde? Me pergunta. Em Sobradinho. Regina deu aulas em Sobradinho. Por muito tempo. Hoje, aposentou-se, me conta Flor.
A memória está intocada. Viva. Pertinente. Chama por Regina, novamente. Do nada. Como se tivesse percebido um detalhe que ninguém mais houvesse. – Feche a janela do corredor, Regina. Laura vai sair do banho e não pode tomar esse vento.

Volta-se para a minha companhia. Fala das bisnetas, filhas de Laura. Uma é do Ceará. A outra, do Hezbolah. E ri um riso matreiro, como se tecesse no imaginário a personalidade das meninas. Antes de sairmos ela se afasta da sala. Vai em direção à poltrona, mais perto da janela e de frente para uma televisão. E balbucia consigo, está na hora do meu jornal.

Na saída da casa de Flor, dou-lhe um beijo de despedida. A pele enrugada pelos noventa anos não traduz a intensidade dessa mulher. No caminho, Laura me diz que Flor lhe chamou num canto, na noite em que ela, Laura, chegou a Brasília, para visitá-la. E cofessou-lhe: Você precisa vir logo para cá. Temos muito a conversar. Tenho coisas para lhe falar sobre as quais nunca falamos.

Laura está pensando seriamente em vir de muda para Brasília. Não é à toa que carrega nas costas uma tatuagem que diz – eternamente, Flor.

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