sexta-feira, 5 de março de 2010

Chuva, estrada e travessia


Chovia a cântaros.
Na angústia de ver o material pronto, concluído, avisei o cara da produtora que estava indo pra corrigir o necessário e fechar a edição. Nem pensar em deixar para o dia seguinte e perder o “dead line”. Nessa área, que envolve produção de TV, o amanhã às vezes é muito tarde. Às vezes, simplesmente, não existe. Sina de editor, lá estava eu a 20 km de distância, às dez e meia da noite, adiando o fim do dia e saindo novamente para o trabalho.

Até aí, não há novidade. Sempre foi assim na minha vida. Quando é preciso resolver, não importa a hora, a distância, a temperatura... Não importa nada. O que importa é resolver.

O problema é que sair desabaladamente só resolvia uma parte da questão. A outra ainda carecia de solução. É que o material a ser entregue nas emissoras no dia seguinte precisava de uma vinheta de encerramento. Menos de dois segundos. Na verdade, o que a gente chama de “brilho sonoro”, como uma pontuação numa frase escrita, ou uma entonação na frase pronunciada.

Passa poste, viaduto, carro e ponte. Passa o tempo e a chuva não passa. Brasília, na chuva, é estranha. Às vezes assusta, às vezes desafia. A gente se sente meio dono das ruas vazias e cobertas de água da chuva. De repente – zum! Passa um louco em alta velocidade e te traz para a realidade. Mesmo sozinho, é preciso ter cuidado.As quadras e siglas podem parecer confusas para quem não está habituado. Mas é inegável: a sopa de letras e números, que em outros lugares chamam de endereço, não falha.

Já na produtora a constatação de que nada é tão simples. A percepção é a de que é preciso terminar o trabalho antes do dia amanhecer. Corro para o computador. Abro a internet. Navego e nada. De repente, me lembro do meu maestro Luiz Theodoro. É tarde, mas peço socorro.

-Lula, preciso de ajuda. Um brilho, uma vinhetinha, menos de um segundo. A idéia é o toque de um sino. Simples assim.
- Mas, para quando?
- Pra agora.
-Hum... Quase meia noite. Eu te mando como? Pela internet? Ok. Tô indo pro estúdio.

Viro a página e vejo o Deraldo ficar on line no Google Talk. Deraldo é um velho companheiro de estrada. Jornalista da TV Senado, documentarista de mão cheia com muitos trabalhos premiados e um vasto conhecimento de música, especialista mesmo. Isso agora, porque na época da faculdade, no Rio Grande Do Sul, ninguém suportava o Deraldo e o seu violão. Não por ele, nem pelo violão, mas pelo repertório único “A rosa de Hiroshima”, que tantas vezes varei noite ouvindo.

- Deraldo, me socorre (não que eu tivesse dúvidas do socorro do Lula, mas a experiência manda a gente ter sempre um plano B engatilhado para essas circunstâncias). Preciso de um brilho, uma vinhetinha, um som de um sino.
- Fala Maranhão, estou entrando no Orkut dos outros, o que você precisa?(entrar no Orkut dos outros à meia noite é a cara dele)
- Tá aí em cima, já te disse.
- Peraí. Vou ver o que posso fazer.

Os arquivos começam a chegar dez minutos depois. Como a chuva, que não pára. Primeiro os que o Deraldo enviou. Não resolveram, mas me acalmaram. Deraldo tem bom gosto musical. Superou a fase única da Rosa de Hiroshima. Em seguida, os do Lula. Nove arquivos de sinos. Como aqueles que tocam no final de “San Vicente”, do Milton Nascimento.

O dia está salvo. VT fechado, trabalho concluído. Missão cumprida. Volto pra casa sob chuva. No caminho, vou ouvindo Travessia, do Milton. Quem tem amigos musicais não morre sem trilha sonora.

4 comentários:

  1. fala maranhao! estou por aqui na escuta, digo, na leitura. grande abraco

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  2. Grande amigo Yanko. O criador da "TV que virou estrela de cinema". É muito bom tê-lo por aqui. Sinta-se em casa.

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  3. cara... vc é genial!
    Em seus textos, a poesia flui em prosa!!!

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