sábado, 25 de agosto de 2012

Um grande salto e uma corrida


Eu era bem pequeno, ainda, quando comecei a perceber o mundo à minha volta. São Luis era um universo, de tão grande. O bairro da Madre Deus, onde eu vivia, era imenso. Tudo, aos olhos de uma criança, era muito grande. Grande também era a imaginação da gente. Grande e inalcançável.

A minha rua era o centro nervoso do bairro. Tudo acontecia ali. Havia jogo de futebol, a torcida festejava ali. Havia carnaval, os blocos passavam por ali. Tempos de política, os comícios se faziam no largo da Madre Deus. Até quando havia morte, os enterros passavam em frente à minha casa, rumo ao Cemitério da Saudade. 

Na minha casa havia uma varanda e uma grade de ferro. Era uma grade de meia altura, onde os adultos se debruçavam para conversar com quem passava na rua ou para ver qualquer que fosse o movimento. De carnaval a funeral. Pra mim, a grade era enorme. Tanto que eu não a alcançava na altura. ficava ali, com a cabeça entre os ferros que a compunham e via o mundo passar.

De dia, gente, carros, verdureiros. De noite, gente, o som dos grilos na rua, carros, estrelas e a lua no céu. Sim, eu costumava ficar olhando muito pro céu estrelado, exposto à luz da lua. Sei lá o que passava na minha cabeça de menino. Mas eu, já àquela altura, sentia uma ponta de emoção com o belo.

Havia também, na minha rua, uma camarada folclórico. Qualquer que fosse a situação, ele vestia uma camisa regata, verde e amarela, um calção azul, calçava um conga, carregava uma bandeira num mastro e saía correndo, dando várias voltas na avenida central. Não importava o motivo. Festa, vitória do time de futebol, aniversário da cidade, dia cívico, enterro... Lá estava ele. Surgia do nada, todo paramentado e causava sempre algum tipo de emoção, vê-lo daquele jeito.


Lembro do dia em que anunciaram a chegada do homem à lua. Primeiro, houve um descrédito total. Uma confusão dos diabos. No limite dos meus sete anos, não consigo lembrar o nível das conversas, mas à medida em que cresci, compreendi que muita gente não acreditava que o homem de fato tivesse alcançado aquele feito.

Levei muito tempo até compreender as palavras daquele americano que mais parecia um personagem de histórias fantásticas. "Um pequeno passo para um homem. Um Grande salto para a humanidade." Depois disso, fiquei muitos dias olhando a lua. Quem sabe, por um descuido, apertando bem as vistas, eu pudesse enxergá-lo caminhando, ou ajudando São Jorge a enfrentar o dragão (quando eu era criança, cansei de ver os adultos apontando pra lua e mostrando São Jorge em luta com o dragão).

Neil Armstrong
Hoje, ao chegar em casa, soube da morte de Neil Armstrong. Aos 82 anos, ele encerrou o espetáculo por aqui. Deu seu último passo e entrou definitivamente para a história da humanidade. Pensei sozinho na imagem que vi depois, muito depois, já quase adulto, daquele astronauta pulando lentamente no satélite sem gravidade.

Minha mente me levou também à Madre Deus. Se aquele homem, aquele da camisa regata, verde e amarela; aquele das minhas imagens de infância; se ainda estivesse vivo, hoje, certamente, seria dia de empunhar a bandeira e dar umas boas volta na avenida central do bairro.

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