Os passos são lentos pelas ruas de Montevidéu. Há um ritmo
diferente nessa cidade. É como se as pessoas inventassem um novo tempo. Livre da correria e da disputa insana, tão característica dos tempos em que
vivemos.
Os casarões antigos são marcas dessa distinção, desse tempo.
Sua arquitetura casa-se com a velocidade das pessoas. São partes de um conjunto
que se integra – gentes e prédios - em
respeito a esse clima de tranquilidade.
Vivendo o tempo lento das ruas de Montevidéu, meus olhos
correm as fachadas dos prédios até dar em uma placa que anuncia: Loja de
Bandoneones. Bandoneon vem a ser um tipo de gaita imortalizado por Astor
Piazzola. Suas características são marcantes não só pelo formato peculiar,
assemelhando-se a uma sanfona, mas em tamanho reduzido.
Normalmente, o bandoneon é tocado de forma visceral, sobre o
joelho. O tocador extrai dele uma sonoridade envolvente – umas vezes, triste,
emocional; noutras, exuberante. Ao movimento dos braços alargando ou encolhendo
o fole, o bandoneon pulsa como um coração em êxtase.
Não resisti e entrei. Lá dentro era como se o tempo houvesse
parado 50 anos atrás. Capas de discos de vinil penduradas nas paredes. Gaitas,
peças em madeiras, bandoneons empoeirados, quebrados, desmontados, à espera de
um conserto. A imagem dava ideia de uma triste sina: jamais seriam tocados novamente.
Ou pior, seus donos os condenaram ao abandono eterno.
Lá do fundo da loja um senhor de cabelos ralos e
brancos, de olhar triste, me observava.
Cumprimentei-o. Falei do encantamento dos meus olhos com aquele lugar. Ele
sorriu um sorriso de Monalisa, meio indecifrável.
Perguntei seu nome. Bianco, ele respondeu. Tornei a declarar
a minha emoção em estar ali. Ele sorriu novamente e disse que tudo ali estava
por findar. Que ninguém mais compra bandoneones. Que ninguém mais quer
consertá-los.
Mas e a sua arte, de devolver a vida a estes instrumentos,
quem serão os seus herdeiros? - perguntei.
Ninguém, ele respondeu, definitivo. Nem seus filhos? - pergunto. Não tenho
filhos. Quando eu me for, levarei comigo o que resta dessa história.
Um silêncio imperou
entre nós, enquanto eu seguia olhando tudo aquilo. Despedi-me. Sem insistir em dizer algo mais. Quem sou eu para alterar esse destino? Saí levando comigo a
imagem triste de um lutier em declínio. Bianco ficou pra trás, com seus
bandoneones, com sua herança, em companhia de um cachorro e um papagaio
numa gaiola, a quem ele batizou – não por acaso – de Astor. No fundo, estava ali um Piazzola engaiolado pela própria história.
Quando Bianco se for, não levará "o que resta dessa história". Uma parte dela já está bem guardada aqui, nessa bela crônica. Parabéns.
ResponderExcluirValeu, amigo Zezão! A vontade é de voltar lá e contar a história dele, toda, inteira. Vale a pena.
ResponderExcluirMas olha ali meu amigo Bianco! Se tiveres interesse no bandoneon, entre no meu site;blog www.bandoneon.com.br Abraço
ResponderExcluirObrigado, Jean-Pierre. Belo site, o seu. Pude conhecer um pouco mais sobre os bandoneóns. Um abraço.
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