Penso no lugar para estacionar o carro e o quanto terei que caminhar sob o sol. Por aqui é assim. Escassez de vagas, mais carros que espaço pra estacionar... Nessas horas a gente compreende porque se diz de Brasília uma cidade com cabeça, tronco e rodas.
Já no local do evento, uma plateia pela metade. Meia dúzia de discursos e um anúncio surpreendente: a presença do maestro João Carlos Martins, que faria em seguida uma espécie de palestra show. Opa! A manhã de segunda-feira começava ali uma guinada, uma retomada de significância, que a transformaria, em pouco, num dia especial.
João aparece no palco. Cabelos grisalhos, mãos retorcidas, vozeirão imponente e um sorriso sincero grudado no rosto. João é um brasileiro, filho de português. Conta a sua vida em segundos e com a mesma velocidade, emociona e faz calar. O pai dele era apaixonado por piano, mas não conseguiu tocar por conta de um acidente. Acidentes, aliás, são uma constância na vida de João. Da mesma forma que os renascimentos.
Aos oito, fez o primeiro show. Aos dezoito, a primeira apresentação internacional. Sucesso inquestionável. Orgulho e resgate. Os dedos de João ao teclado carregavam a alma do pai, que nunca conseguiu tocar, e apontavam para um longo e promissor estrelato.
Em poucos minutos de fala, João contou como foi perdendo os movimentos das mãos. Primeiro, um acidente, uma ruptura no músculo. Depois, por sobrecarga e repetição, a atrofia da outra mão. João desistiria da carreira pela primeira vez. João enfrentou um câncer, subiu aos céus e sucumbiu ao inferno várias vezes, como um personagem extraído da Divina Comédia.
Enquanto ele fala, viro os olhos para a plateia. Aquela que estava vazia, começa a se encher. Olhos atentos, vidrados no palco, corações contritos. A narrativa daquele homem, direta e sem floreios, dá a ele um caráter de fênix, renascido das cinzas. Quanto mais a vida exigiu, mais ele se encheu de coragem para dizer que aceitava o desafio.
Atrás dele há um teclado. Num determinado momento, João vai até lá. Silencia. Por um instante, de pé diante do equipamento, o vejo como se fizesse uma reverência, como quem reza. São segundos de contemplação... Como quem faz um pacto, um entendimento cúmplice entre a matéria e o homem. Como quem diz: "Eu te respeito, tu me respeitas e eu vou te tocar". João põe o microfone de lado e começa a dedilhar (com os poucos movimentos que lhe sobram) um clássico de Tom Jobim - Luiza. O som vence o silêncio e dá provas reais ao que se pensava impossível.
Amigo, nós assistimos juntos, lado a lado, essa divina apresentação. Estava ansioso pelo que você iria escrever aqui no blog e mais uma vez você conseguiu traduzir a sua e a minha emoção. Parabens! Viva João Carlos Martins.
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