segunda-feira, 19 de março de 2012

Bandoneones



Os passos são lentos pelas ruas de Montevidéu. Há um ritmo diferente nessa cidade. É como se as pessoas inventassem um novo tempo. Livre da correria e da disputa insana, tão característica dos tempos em que vivemos.  

Os casarões antigos são marcas dessa distinção, desse tempo. Sua arquitetura casa-se com a velocidade das pessoas. São partes de um conjunto que se integra – gentes e prédios -  em respeito a esse clima de tranquilidade.

Vivendo o tempo lento das ruas de Montevidéu, meus olhos correm as fachadas dos prédios até dar em uma placa que anuncia: Loja de Bandoneones. Bandoneon vem a ser um tipo de gaita imortalizado por Astor Piazzola. Suas características são marcantes não só pelo formato peculiar, assemelhando-se a uma sanfona, mas em tamanho reduzido.

Normalmente, o bandoneon é tocado de forma visceral, sobre o joelho. O tocador extrai dele uma sonoridade envolvente – umas vezes, triste, emocional; noutras, exuberante. Ao movimento dos braços alargando ou encolhendo o fole, o bandoneon pulsa como um coração em êxtase.

Não resisti e entrei. Lá dentro era como se o tempo houvesse parado 50 anos atrás. Capas de discos de vinil penduradas nas paredes. Gaitas, peças em madeiras, bandoneons empoeirados, quebrados, desmontados, à espera de um conserto. A imagem dava ideia de uma triste sina: jamais seriam tocados novamente. Ou pior, seus donos os condenaram ao abandono eterno.

Lá do fundo da loja um senhor de cabelos ralos e brancos,  de olhar triste, me observava. Cumprimentei-o. Falei do encantamento dos meus olhos com aquele lugar. Ele sorriu um sorriso de Monalisa, meio indecifrável.

Perguntei seu nome. Bianco, ele respondeu. Tornei a declarar a minha emoção em estar ali. Ele sorriu novamente e disse que tudo ali estava por findar. Que ninguém mais compra bandoneones. Que ninguém mais quer consertá-los.

Mas e a sua arte, de devolver a vida a estes instrumentos, quem serão os seus herdeiros?  - perguntei. Ninguém, ele respondeu, definitivo. Nem seus filhos? - pergunto. Não tenho filhos. Quando eu me for, levarei comigo o que resta dessa história.

Um silêncio imperou entre nós, enquanto eu seguia olhando tudo aquilo. Despedi-me. Sem insistir em dizer algo mais. Quem sou eu para alterar esse destino? Saí levando comigo a imagem triste de um lutier em declínio. Bianco ficou pra trás, com seus bandoneones, com sua herança, em companhia de um cachorro e um papagaio numa gaiola, a quem ele batizou – não por acaso – de Astor. No fundo, estava ali um Piazzola engaiolado pela própria história. 

4 comentários:

  1. Quando Bianco se for, não levará "o que resta dessa história". Uma parte dela já está bem guardada aqui, nessa bela crônica. Parabéns.

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  2. Valeu, amigo Zezão! A vontade é de voltar lá e contar a história dele, toda, inteira. Vale a pena.

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  3. Mas olha ali meu amigo Bianco! Se tiveres interesse no bandoneon, entre no meu site;blog www.bandoneon.com.br Abraço

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  4. Obrigado, Jean-Pierre. Belo site, o seu. Pude conhecer um pouco mais sobre os bandoneóns. Um abraço.

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