sábado, 13 de maio de 2017

Mar de saudade, barco imaginário

Um barco imaginário, a Baía de São Marcos,
memórias do Bela Rosa e de meu avô, Opílio.  

Acordei pensando em meu avô, Opílio.
Desde antes, venho pensando nele. Há dias.
Sei, não faz muito sentido. É véspera do dia das mães, não dos avôs.
Mas, que importa? O pensamento é livre. Penso nele e pronto.

Meu avô era dono de barco. Um barco que só imaginei, a partir do que me contaram. Não tive idade pra ver o mar da baía de São Marcos bater provocante em seu casco. Nem pra sentir o vento de proa soprar no rosto dos barqueiros que se metem a enfrentar o mar aberto. Cantiga de marinheiro, poema de maresia. 

Mas as histórias dele, o Bela Rosa, as poucas que ouvi, me são suficientes para fazê-lo um barco encantado. Foi por um tempo desejo, diversão e ganha-pão do "seu" Opílio. Um barco de aventuras comerciais. Meu avô tinha um pequeno grupo de marinheiros comandado pelo irmão dele, Gregório Viegas. 

A cada travessia trazia coisas do interior. Do continente para a ilha de São Luis.
Vinha de Alcântara, onde meu avô nasceu e se criou. Horas depois de vencer o banzeiro, aportava na Praia Grande ou no I'Bacanga. Portos de desembarque, cheiro de peixe, de frutas, de comida da terra. Gritaria colorida, fuzarca de gente simples, idas e vindas constantes que faziam as segundas parecerem domingos de festa. 

Até um dia em que a notícia chegou primeiro que a carga, primeiro que o barco: Uma rajada de vento quebrara o mastro, deixando a nau à deriva, em alto mar.
Opílio sempre foi um homem prático. Se o mar quer levá-lo, é porque não é mais meu. Mas o convenceram a resgatar. Corda, reboque da marinha, lá se foram mar adentro, sob o olhar atento de Gregório, o capitão. 

Meu pai é quem me conta. Avistaram o barco depois de horas de navegação. Mas o reboque não tinha como chegar tão perto. Gregório amarrou uma corda na cintura e pulou no mar. Nadou contra a corrente até alcançar o Bela Rosa. 

Rebocado, mastro quebrado, parado na Praia Grande sob o olhar de meu avô e seus marinheiros. Foi como uma despedida. Meu avô vendeu o que restou do Bela Rosa ao primeiro que lhe fez uma oferta. 

Imagino meu avô caminhando de volta para a Madre Deus. Alpercatas de couro, calça de linho branco, camisa aberta à altura do peito, cabelo cuidadosamente alinhado, o galego aventureiro ganha a rua de São Pantaleão, entra na Rui Barbosa pensando na próxima investida. Antes de chegar em casa, passa na banca de "seu" Sanclaire. Aposta uns trocados no Galo. E espera pacientemente o fim do dia, quando viria buscar o produto de sua "fé". 

Meu avô nunca perdeu uma aposta.

O "velho Lobo do Mar", Opílio Viegas, comigo.
Priscas eras.  Saudade. 

4 comentários:

  1. As saudades vão nos reposicionando memórias. Tem coisas que nos trazem saudades tão grandes, que só dessa forma dimensionamos o vivido. E redimensionamos nossas vivências...

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  2. Me vi no cais, no meio da fuzarca colorida desejando que o Bela Rosa tivesse melhor destino que a venda. Belo texto. Linda homenagem. Quando eu crescer espero escrever como vc.

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  3. Sua prosa é muito musical, meu caro Maranhão. Naveguei com prazer e ritmo por essa bela história.

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