sexta-feira, 1 de julho de 2011

Domingo animado aqui no Rancho

por Innocêncio Viégas*

Às cinco da manhã, o meu galo “Cigano”, com o seu canto roquenho, acorda o sol que ainda sonolento, teima em não aparecer por trás da montanha do Velho Duca. Esse belo galo, ganhei de presente dos compadres Nóbrega e Lúcia, grandes criadores de aves canoras e que moram num belo sítio, no sopé de uma linda montanha, “nos confins meridionais” do Goiás.

Para aprimorar o canto, o Cigano foi estagiar no sítio do Buriti Sereno, dos compadres Cantanhede e Claudina, onde aprende com os galos cantores do compadre, a maviosidade das canções matinais enquanto se distrai com as franguinhas casadoiras. Exatamente nessa hora, às cinco, estou preparando o café enquanto no Rancho, todos dormem. Hoje é o meu dia de “Chef”, determinação da chefona Bel.

Lá pelas oito, depois de um farto café com broas de milho, pão caseiro e beiju de tapioca, do sítio dos compadres Zé Alves e Marilda, leite mugido da granja dos compadres Zezinho e Bia, esqueço todas as proibições e me preparo para “carnear” uma carnuda costela de ripa, com toda gordura possível. A Bel vendo a fartura, logo recomenda: sem essa gordura toda “Chef”, tudo bem? Não respondo, apenas dirijo-lhe um triste olhar 43 e continuo a tarefa com a minha afiada faca Zakharov, de tantas pelejas.

Carne limpa adiciono os temperos – que eu não vou ensinar para vocês e, se quiserem aprender, venham aqui – e deixo a carne marinar. Agora lavo a verdura e os legumes. Corto a cenoura à “Juliene”, cebola e alho à moda da casa. Batata doce em pedaços generosos, batata inglesa partida em bandas, maxixe, vinagreira, quiabo, couve e jerimum da horta da Bel. Mandioca do sítio dos compadres Castro e Lúcia, feijão verde da chácara dos compadres Clóvis e Marilena e limão e pimenta do sítio dos compadres Roberto e Rita. Vejam como estou bem, de compadres.

Sobre a bancada da churrasqueira, a carne marinando, as verduras no vinagre para cortar os venenos e uma bela de uma garrafa de vinho tinto seco e encorpado, como manda a lei de “Chico de Brito” e de todo cozinheiro macho Tchê! No fogão caipira, a lenha “chora” de saudades do cerrado enquanto aquece o arroz e o feijão tropeiro. O caldo para o pirão já ferve e solta no ar o cheiro gostoso de quero mais.

Sobre o balcão da varanda, o rádio sintonizado na Verde Oliva FM, o programa do meu compadre Chico Buria, marido da comadre Lita, anima a farra com os mais belos sambas, de Zeca Pagodinho, prá lá, e aí, eu deixo a vida me levar. Almoço pronto. A Bel bate o sino festivamente chamando a “famiage”. Mesa posta, filhos, filha, genro, noras e todos os netos. Foi como um grito de guerra: Atacar!!!

Frutas, refrigerantes, doce de caju do sítio dos compadres Fernando e Gerusa, suco de goiaba araçá, do sítio dos compadres Tibiriça e Lena, um bom vinho e a alegria contagiante do almoço de domingo. Para arrematar, um sorvete de flocos, como a Bel gosta e o tradicional café coado no saco, preparado lá no “fogão de lenha”.

As crianças foram com os pais para o cinema. Estou agora sentado no banco de pedra que fica à sombra do abacateiro. Ao meu lado o rádio amigo, para ouvir o jogo do meu Vasco contra o Flamengo do mundo todo. Uma taça de conhaque X – O, que foi um presente do velho irmão Fernando Pinto, um puro cubano – Romeu e Julieta – ofertado a mim pelo mano velho, poeta Fagundes de Oliveira e um resto de tarde para meditar lendo uma das belas crônicas do escritor e irmão Valfredo, “O sermão da Flor” que me leva para as bandas do Tibet.

Chega a Bel com um velho caneco de alumínio do meu tempo de Exército. Trás um chá de boldo do Chile misturado com carqueja e losna, uma verdadeira bomba amarga, capaz de curar até o fígado dilacerado de Prometeu.

A taça de conhaque olha com desprezo para o chá, a quem considera inimigo. Olho também para o indigesto chá e chego a sentir no imaginário, o amargor dos seus tragos. Consulto telepaticamente o sábio mestre Ivaldo Medeiros a respeito de quando, e se devo beber aquela panacéia. Ele também sorve o seu conhaque Napoleon, degusta, respira, olha para um farrapo de nuvem que passa lá no céu e responde por telepatia: dia de calendas grega! Isto é, nunca!

A tarde devagar, se encaminha para a noite. O galo cigano passa a amiudar o canto anunciando a chegada da hora do Ângelus e a lembrar à Kate e a William, recém casados, que é na escuridão da noite que a população aumenta. Acho que hoje, dormirei cedo. As ninfas de Baco já prepararam o meu leito. Terei belos sonhos. Ah! ia esquecendo de lhes dizer: foi mais um domingo animado aqui no Rancho. Boa noite compadres e comadres.

Innocêncio Viégas* é maranhense, da Madre D'eus. É membro da Academia de Letras de Brasília e da Academia Maçônica de Letras do Brasil. É fundador da Confraria dos Amigos da Boa Mesa. É marido de Isabel, minha mãe. E é meu pai.

Um comentário:

  1. Aí, Nhôcêncio Viegas,
    Vamos trocar receitas?
    Me dá a do seu marinado para a costela assada com tanto gosto?
    Do meu lado pode pedir o que quiser!

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