quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Darcy e o beijo universal

Não tive a oportunidade de conhecer Darcy Ribeiro pessoalmente. Mas conheci seus vestígios bem de perto, o que considero um privilégio. Darcy nasceu em Montes Claros, Norte de Minas Gerais, à beira do sertão por onde passou, viveu e escreveu João Guimarães Rosa. Na mesma cidade em que viveu e compôs o maestro Godofredo Guedes, pai do Beto Guedes, um dos integrantes do "Clube da Esquina", movimento musical que surgiu em Minas e marcou a música brasileira.

Só isso já faria a cidade especial. E ela é mesmo. Lá em MOC, como carinhosamente a chamam os seus habitantes, os encantos de Minas resistem ao tempo. A praça da matriz, o mercado municipal, os catopés e marujos, a orquestra de rabecas, as quitandas, o morro Dois Irmãos...


Estive em MOC pela primeira vez para fazer uma campanha de prefeito, em 2004. Foi assim que conheci Paulinho Ribeiro, um louco bom, um visionário, sobrinho de Darcy. Paulinho foi uma espécie de filho que Darcy nunca teve. Entre milhares de outras coisas, foi o responsável por retirar o tio às escondidas do hospital onde lutava contra o câncer. Quando o fim se mostrou próximo, Darcy decidiu: queria passar os seus últimos dias na casa que Niemeyer construiu pra ele em Niterói, no Rio de Janeiro.

Pelas mãos do Paulinho, entrei na casa em que Darcy se refugiava, uma chácara cercada de verde por todos os lados, nos arredores de Montes Claros. Livros, quadros, objetos pessoais, a varanda da casa, os passarinhos, tudo lá remete a um pequeno paraíso. Uma ilha de tranqüilidade.

Aprendi a ver Darcy pelos olhos e gestos de Paulinho, que hoje é quem cuida do acervo memorial dele. Há uma semelhança física e mental impressionante entre os dois. Um livre pensar e uma pressa em viver que certamente vem da raiz, está no DNA.

Mas lembro com muito carinho também da mãe de Paulinho, Dona Jacy Ribeiro, escritora que foi casada com o irmão de Darcy, Mário Ribeiro. Mario é até hoje um dos prefeitos mais lembrados e respeitados de Montes Claros.

Muitas vezes, em minhas passagens por MOC, fui à casa de Jacy comer picadinho de carne com quiabo e ouvir as suas histórias. Ela é apaixonada por livros e por imagens de São Francisco. Num desses dias, conversando sobre Darcy, ela correu à estante e puxou o livro “Confissões” em que Darcy repassa a sua vida. Cheia de orgulho, abriu o livro em uma das últimas páginas, onde Darcy faz uma declaração de amor à “sua melhor cunhada”, citando Jacy.

Ontem, recebi uma mensagem de Laura Murta, amiga querida, neta de Flor e Zezão, sobre quem já falei aqui. Laura trabalha como assessora da Fundação Darcy Ribeiro, me mandou o convite para a inauguração oficial do “Beijódromo” na UNB. A obra é mais uma dessas idéias alucinantes de Darcy, que João Filgueiras Lima, o Lelé, deu forma real. Um espaço para convivência, para a arte e cultura e, por fim, um espaço livre para beijar. Um beijo universal. A cara do Darcy.



Em sua homenagem, termino este post com um trecho do livro “Confissões” em que ele fala sobre a emoção de escrever e de viver. Intensamente, viver. (Todas as fotos são do acervo da Fundação Darcy Ribeiro)

"Escrevi estas Confissões urgido por duas lanças. Meu medo-pânico de morrer antes de dizer a que vim. Meu medo ainda maior de que sobreviessem as dores terminais e as drogas heróicas trazendo com elas as bobeiras do barato. (...) Este livro meu, ao contrário dos outros todos, cheios de datas e precisões, é um mero reconto espontâneo. Recapitulo aqui, como me vem à cabeça, o que me sucedeu pela vida afora, desde o começo, sob o olhar de Fininha, até agora, sozinho neste mundo. (...) Quero muito que estas minhas Confissões comovam. para isso as escrevi, dia a dia, recordando meus dias. Sem nada tirar por vexame ou mesquinhez nem nada acrescentar por tolo orgulho. (...) Termino esta minha vida exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras." (Darcy Ribeiro, Confissões, Ed. Cia. das Letras, 1997, p. 11-12)

3 comentários:

  1. Laura Murta me escreve:

    Maranhão, querido,

    Que alegria ler você.... que gostoso pensar em MOC, logo cedo, caminhando por tuas mãos! Paulinho tá numa alegria sem tamanho! Quero te ver por lá! Sabe quem vai tocar para o Mojica e para o Lula?? A Orquestra de Rabecas!!!!! Te espero!

    Um beijo, muito, muito carinhoso,
    laura

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  2. Maranhão, que alegria ver este post e lembrar de Darcy Ribeiro e de nossas conversas sobre ele. Um dia ele me falou dessa Beijódromo... Que tenha muito sucesso ! Bjs querido.

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  3. Cristina Pacheco, minha mais recente "leitora do blog", me escreve:

    Maranhão,

    Por uma auspiciosa coincidência do destino, tive o prazer de conhecê-lo.
    Uma longa história: meu pai, jornalista do EM, foi cobrir algo em MOC. E se
    casou pela 3a vez com uma fazendeira de lá. Quando aposentou no jornal,passou a freqüentar Juramento onde ela tinha uma fazenda e ele criava bicho-da-seda (tem hífen, ainda?.

    Bom resumindo, ele se tornou amigo do Mário Ribeiro que era seu médico e sua amizade com o Darcy foi automática! Foi aí que conheci essa bela figura! Dizem que estamos a seis graus de separação de qualquer pessoa no planeta ...

    Bjs,

    Cristina

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