sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A tonga da mironga...

As coincidências valem. Sem saber que o meu dia começou atrapalhado à beça, Lula me manda um texto que tem tudo a ver. Eu explico: Acordei mais tarde do que queria. Perdi a hora da ginástica - meus filhos e minha mulher me gozam, dizem que ginástica é coisa de velho, das antigas. Dizem que o moderno agora é "perdi a academia". Não ligo. Perdi a ginástica e isso pode estragar o dia de uma pessoa.

Eu tinha dentista às oito e Gabriel tinha que estar na faculdade às oito, também. Quem conhece Brasília sabe que estar na UNB e no Setor Comercial Norte, no mesmo horário é impossível. Trânsito pesado de sexta, um bando de gente mais nervosa ao volante do que eu. No caminho, me dei conta de que tinha deixado a carteira com documentos, cartões e dinheiro em casa. Olhei pro Bi. Tive vontade de xingar o xingamento mais profundo da minha alma. Algo como mandar tudo "pra tonga da mironga do kabuletê".

Ele me olhou sem dizer nada, mas comprendendo a minha raiva. Apressou-se em mexer no dial, no rádio do carro. Pros modernos (como meus filhos e minha mulher) que não entendem, mexer no dial significa mudar a sintonia.  Buscou, buscou, até que encontrou a rádio "Força Aérea". Oito horas em ponto. Hora cívica, ele sabia que o Hino Nacional ia começar a tocar.

Tive vontade de rir. Relaxei. Ele começou a cantar o Hino e eu fui junto. Liguei pro dentista, avisei da impossibilidade de chegar e remarquei o dia e o horário. Ali, naquele momento, com aquele hino e com o Bi cantando, decidi que iria lutar para fazer a sexta ficar melhor. Algum tempo depois, quando abro o computador, recebo o texto que está aí abaixo, do Lula. Ok. A sexta começou de novo. Boa leitura, bom dia a todos.


1970.Vinícius e Toquinho voltam da Itália onde haviam acabado de inaugurar a parceria com o disco "A Arca de Noé", fruto de um velho livro que o poetinha fizera para seu filho Pedro, quando este ainda era menino.

Encontram o Brasil em pleno "milagre econômico". A censura em alta, a Bossa em baixa. Opositores ao regime pagando com a liberdade e a vida o preço de seus ideais. O poeta é visto como comunista pela cegueira militar e ultrapassado pela intelectualidade militante, que pejorativa e injustamente classifica sua música de easy music.

No teatro Castro Alves, em Salvador, é apresentada ao Brasil a nova parceria. Vinícius está casado com a atriz baiana Gesse Gessy, uma das maiores paixões de sua vida, que o aproximaria do candomblé, apresentando-o à Mãe Menininha do Gantois.

Sentindo a angústia do companheiro, Gesse o diverte, ensinando-lhe xingamentos em Nagô, entre eles "tonga da mironga do kabuletê", que significa "o pêlo do cu da mãe". O mote anal e seu sentimento em relação aos homens de verde oliva inspiram o poeta. Com Toquinho, Vinícius compõe a canção para apresentá-la no Teatro Castro Alves. Era a oportunidade de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa. E o poeta ainda se divertia com tudo isso: "Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô".

Fonte: Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão; uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

No vídeo que vem aí, em seguida, Vinicius de Moraes e Toquinho são os convidados do "Senza Rete", um programa da TV Italiana, na década de setenta, apresentado por Paolo Vilaggio. Depois de um medley das suas canções mais conhecidas eles cantam uma versão em italiano da música "A tonga da mironga do kabuletè". São dez minutos de vídeo, capazes de recuperar uma sexta-feira que parecia irremediavelmente perdida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário