sábado, 14 de agosto de 2010

A Sapucaí, em 12 segundos


Joãozinho Trinta é candidato a deputado distrital, em Brasília. Hoje, aconteceu a primeira gravação dele em estúdio. Ao todo, são 12 segundos para mandar o seu recado. Parece pouco para quem passou a vida comandando espetáculos de, pelo menos, 80 minutos, no sambódromo. Mas há diferenças básicas entre o carnaval e a eleição.

Joãozinho está há algum tempo em uma cadeira de rodas. E vive em Brasília porque frequenta o Hospital Sarah Kubitschek, uma instituição referência para o tratamento de pessoas com politraumatismo ou que enfrentam problemas locomotores. Ele se encaixa nesse segundo tipo. Vítima de um acidente vascular cerebral, Joãozinho sofre uma paralisia que o obriga a viver na cadeira de rodas. Os movimentos ficaram limitados. Os pensamentos, não.

Encontrei Joãozinho nos corredores da produtora pedindo ajuda para resolver um problema: ele queria que a sua aparição no programa eleitoral fosse precedida de uma locução parecida com a que o Neguinho da Beija-flor faz, ao anunciar a entrada da sua escola na Avenida.

“Olha o Joãozinho Trinta ai, gente!”. Era o que ele queria. Fazendo isso, seis dos seus preciosos 12 segundos iriam embora, mas chegou-se à conclusão de que valia a pena. Joãosinho ficou feliz. Enquanto resolvíamos isso, ele passava pelo camarim para a maquiagem. Conversamos rapidamente.

Me identifiquei como maranhense e ele sorriu, surpreso. Começamos a falar de São Luis. Queria saber de onde eu era. Da Madre Deus, informei. Joãozinho tem muita dificuldade para falar. Mas fala pelos olhos. Forçou a memória e lembrou da distância que havia entre o lugar onde morava e o meu bairro.

Quis saber onde ele viveu, em São Luis. Me disse que era perto do Quartel. Sugeri o endereço do quartel que conheci na minha infância, onde meu pai trabalhava, o 24º Batalhão de caçadores, que ficava no Bairro do João Paulo. Ele riu. Não, esse é do seu tempo, eu sou bem mais velho, me disse. A porta do estúdio se abriu. Ele precisava gravar. Desejei boa sorte e ele entrou.

Nesse meio tempo, recorri ao meu pai para saber de que quartel ele falava. Era do 5º Batalhão de Infantaria, que ficava perto da praça Deodoro, por trás do Colégio Rosa Castro. Informações seguras do Viegão. Aliás, disse meu pai, saiba que é daí que vem o nome da escola de samba do seu Bairro. Aquela por quem o coração bate apertado, só de lembrar, a Turma do Quinto.



Eu não fazia idéia. Cresci adorando o som e as cores azul e amarelo, da Turma do Quinto, mas nunca imaginei por que ela se chamava assim. Descobri hoje, por acaso, que ela é fruto da união de um grupo de ex-soldados daquele quartel, a “Turma do Quinto”, minha escola preferia, tem aí a origem do seu nome de batismo.

Desliguei a tempo de encontrar o Joãozinho na saída do estúdio. Falei pra ele que o quartel a que se referia ficava perto do Colégio Rosa Castro. Ele se emocionou. – Há quanto tempo não ouço esse nome! Enquanto tirava a maquiagem, estendeu-me a mão, agradeceu e confidenciou: preciso do seu voto. Aliás, preciso de milhares de votos. Perguntei o que ele havia falado em seis segundos e ele me disse: Não sou político, sou Joãozinho trinta e quero o seu voto. Um raciocínio curto e preciso. Como um desfile, na Sapucaí.

3 comentários:

  1. Dizem que não existe inveja boa,mas para os incrédulos posso afirmar que existe sim. Senti isso ao ler o texto acima. Gostaria imensamente de ter presenciado esse encontro entre dois maranhenses que considero acima da média. Um tem a genialidade carnavalesca e o outro sabe como poucos usar as palavras para descrever as coisas da vida.
    Obrigado por nos brindar com a descrição desse encontro e afagar com suas palavras nosso lado poeta.

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  2. eu, uma viciada na palavra escrita, muito me emocionei com este texto que me remeteu a minha infancia ,justo hoje , aniversário de morte do meu pai, que me guiou para o mundo das letras e tbm do carnaval, ja que respirava carnaval mesmo morando em Brasilia. Obrigada por esse lindo texto que me treouxe tantas recordaçòes emocionantes.

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  3. Penso que os grandes encontros são mágicos. As vezes duram um segundo, as vezes algumas horas, dias ou anos. Não importa o tempo, mas a essência, a energia. também cheia de inveja branca, porque encontrar a magia dos encontros de almas é singular.

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