sábado, 10 de abril de 2010

Tempo, tempo, tempo, tempo...


Elton Scartazini é um velho companheiro dos tempos de faculdade, a UNISINOS, em São Leopoldo - RS. Nesse período, vivemos sob o mesmo teto em uma casa que, de tão simples, nem era reconhecida pelo correio. Não havia número, não havia identidade. Até que um dia, cansados de tanta ausência, pintamos na parede branca, ao lado da porta, uma inscrição que passou a ser a nossa forma de dizer ao mundo – e aos carteiros – que a casa existia, sim: “344 da nossa imaginação”.

Depois desse dia, dava orgulho preencher qualquer formulário de endereço. 344 da nossa imaginação. As pessoas olhavam espantadas e não entendiam muito, mas, pelo bem ou pelo mal, passamos a receber correspondências. E os carteiros passaram a nos respeitar.

Nossa casa era um território livre. Para tudo e para todos. Uma pequena sala, um quarto com duas camas e um armário. Um banheiro e uma cozinha. A parede, cheia de poesia e uma desordem natural dos tempos de escola. O resto era por conta da necessidade. Foi lá, no 344 da nossa imaginação, que muitos dos nossos planos universitários nasceram também. As reuniões para tomar o diretório acadêmico. A formação de um grupo político. As discussões sobre semiótica e semiologia. As rotas de viagem...

Aliás, lá no 344 da nossa imaginação planejei, durante mais de seis meses, uma viagem com o “alemão” – apesar da descendência italiana, era assim que chamávamos o Elton. Seria uma viagem de mochileiros, num tempo em que o regime militar ainda prevalescia na Argentina. Pensamos no roteiro, nos dois meses que duraria a aventura, no que precisaríamos fazer para sobreviver entre os “hermanos”.

A três dias da viagem, conheci Mara. E no mesmo dia, sem que eu me desse conta, o meu endereço mudou. Foi o que a literatura chama de amor à primeira vista. Foi mais. Foi o início não planejado de outra longa aventura.

No dia marcado para a nossa partida o Alemão foi até onde eu estava, no apartamento da Mara. Abri a porta e ele lá, de mochila nas costas, me perguntou: E então, vamos? Olhei firme para ele, dei-lhe um abraço e desejei boa viagem. Eu havia começado outra. Mais longa que o pampa argentino. Mais vigorosa do que eu poderia prever.

Nossa amizade sobreviveu à mudança de planos e o meu encontro com a Mara durou mesmo mais do que fosse possível prever. O Alemão escolheu certo ao seguir viagem. E eu também, ao escolher a caminhada com a Mara.



Hoje o Elton vive em Brasília e nos encontramos com alguma frequência. Ele é uma espécie de agitador cultural, revolucionário dos costumes, um alemão à frente do seu tempo lá pelas bandas de Samambaia. Construiu uma bela casa que abriga, além dos filhos e da companheira, um escritório de jornalismo e um ateliê onde cria suas obras de arte. O alemão nunca deixou de ser artista e não cabe em qualquer rotulagem. É artista. Só.



Foi visitando a casa dele e revendo os seus arquivos que encontrei esse recorte de jornal (postado lá em cima), dando notícia do lançamento do livro “Sinal Algum”, nossa primeira incursão literária. Dos que aparecem na foto, o Ronald já não está mais com a gente.

O Edson está na Bahia. Das meninas, Mariane e Eliane Manfroi, não tenho notícia. O Ronaldo, está em algum lugar do Rio Grande do Sul e o Gilmar Rodrigues é roteirista de televisão e escritor. Vive no Rio de Janeiro e acaba de lançar um livro “Loucas de amor”, que vai merecer uma postagem especial em alguns dias.

“Sinal Algum” teve vida breve. Marcou o início da carreira de um bando de guris ousados. E vendeu toda a tiragem. Eu tenho uns exemplares, o Alemão tem dois. O livro reunia contos, crônicas e poesia. E, relendo hoje, não faz feio. Também resistiu ao tempo.

4 comentários:

  1. Valeu Maranhão,
    Contada assim nossa história adquire um ar de aventura beat, ou coisa que o valha. Forte abraço do Alemão.

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  2. Nossa Maranhão! fiquei comovida com tão belo texto sobre nosso querido amigo Alemão. Contaste com tanta poesia um pedaço do " tempo", e que tempo, sou uma eterna saudosista, não que eu não goste do presente, mas o passado ètão fundamental para o próprio presente. Nunca vou esquecer São Leopoldo, o Clic, as chapas que disputamos no DCE. Tudo valeu à pena. Umgrande beijo. Jupira.

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  3. Oi, Alemão e Jupira. A internet tem dessas coisas: nos une, ainda que virtualmente. E nos faz rever o passado, que não se apaga e que compõe a nossa identidade. Grande abraço pros dois. Precisamos nos ver.

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  4. Muito bom quando arrastamos até o presente gente, idéias, momentos que não queremos esquecer.Sobretudo porque fazem parte de nossa melhor síntese pessoal.
    Muito bom quando deixamos no tempo esquecido gente, idéias, momentos que só são importantes lá onde estão.
    Viver é bom e vale a pena por tudo isso.

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