quarta-feira, 7 de abril de 2010
Entre a ave e a Cruz
Foto: Planalto Central, 1957. Risco inicial do traçado de Brasília. Fonte da imagem: Livro Lucio Costa o inventor da cidade de Brasília. Crédito Casa Lucio Costa.
Há muito mais do que se pode enxergar na disputa indireta marcada para o dia 17 de abril, quando será eleito o governador do Distrito Federal que irá cumprir um mandato tampão até dezembro deste ano.
A situação, em si, já é inédita. Nunca houve na história recente do país uma sucessão de acontecimentos como a que se vive em Brasília. Um escândalo fartamente documentado em vídeos de boa qualidade, quase profissionais, deu a partida na crise.
Foi a ponta de um iceberg. Para baixo da linha do mar, uma profusão de atitudes ilegais, imorais e ilícitas. Constatou-se aos poucos o que o Procurador Geral da República classificou como “uma metástase” nos poderes Executivo e Legislativo. Até hoje, não se sabe onde vai parar a ponta desse novelo que começou a ser esticada em novembro do ano passado.
De lá pra cá, o que se viu foi um desmonte. Desmontou-se o governo. O governador e alguns dos seus principais auxiliares foram parar atrás das grades. A força da lei atingiu em cheio também a Câmara Distrital. Provocou a renúncia de dois deputados; um foi para a cadeia, vários outros foram enxovalhados publicamente, pela exibição exaustiva de imagens em que embolsam dinheiro suspeito.
Em quinze dias, o Distrito Federal teve três governadores. O eleito foi preso e afastado; o vice- governador, tentou assumir, mas foi defenestrado por conta das denúncias que também o alcançaram. Sobrou para o presidente da Câmara Distrital. Ele está lá. Um deputado de primeira viagem, sem nenhuma experiência administrativa e, pelo seus primeiros atos administrativos, sem inspirar a mais mínima confiança.
Junto com tudo isso, desmontou-se a esperança de comemorar os cinquenta anos de fundação da cidade. A Capital Federal, sonhada e construída sob o comando de Juscelino, está triste e abalada. Não há espaço para comemorações. O escândalo político golpeou de morte a alegria do cinquentenário.
O que se comemora agora é a chegada do dia seguinte, sem intervenção federal. Quer dizer, o que alguns comemoram, não todos. Os que acham que a intervenção federal é um golpe na autonomia se debatem para evitá-la. Buscam forças para sustentar instituições combalidas. Mas o esforço se mostra, por vezes, inútil quando um olhar mais cuidadoso e detalhista recai sobre os políticos que lá estão, incumbidos de promover uma mudança de rumos. É como tentar segurar com as mãos um pedaço de gelatina. Contém-se de um lado, mas escapa do outro.
Os que acham que a intervenção federal é um mal necessário lembram que o recurso está previsto na Constituição. É portanto um meio legal, legítimo, ainda que muito duro, de dizer basta a tanto desmando e a tanta corrupção. Como se diria no interior, um freio de arrumação.
O tempo é curto e passa rápido. No dia de hoje, 07 de abril, encerra-se o prazo para inscrições de candidaturas à eleição indireta. Especula-se muito, articula-se mais. Mas nada do que se viu até aqui atende aos critérios elementares, que podem reconduzir à tranquilidade dos dias e à segurança administrativa.
Por um motivo ou outro, há sempre uma ressalva aos nomes que surgiram até aqui. Um tem as marcas da ligação estreita com velhos coronéis. Outro, tem o DNA dos novos coronéis. Outro ainda, não tem marcas, é indecifrável. O fato é que sobressaem as “qualidades” negativas dos candidatos já postos. Os defeitos se mostram maiores que as virtudes em cada um deles. E isso cerca de suspeita a capacidade de fazer um governo sério, ainda que seja só um governo tampão.
Justo a cidade do país onde se concentra o maior número de políticos por metro quadrado, não consegue encontrar um que sirva para lhe salvar do caos. É uma contradição, uma dura e triste contradição.
Sobram dúvidas. Mingua a esperança. Exatamente por isso, o olhar cauteloso do último poder que ainda se mantém vigilante, o Judiciário, será decisivo para orientar o futuro. Um passo em falso nesta eleição indireta será a senha para uma intervenção federal.
Abril será um mês definitivo na história de Brasília. No dia 17, uma eleição indireta para um governo tampão. No dia 21, o cinquentenário da cidade. Talvez, nesse dia, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de intervenção. E é dessa decisão que se saberá como o Judiciário entendeu o movimento do Legislativo e do Executivo.
Qualquer que seja o resultado, o traço de Brasília será outro, distinto daquele que surgiu à prancha de Lúcio e Niemeyer. Talvez, uma bela ave, cheia de leveza em suas asas, apontando para um longo e promissor vôo. Talvez uma cruz, cujo peso só será suportado se for repartido entre todos, ilustres e simples mortais. Sem excessão.
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Acabo de receber uma mensagem do Mauro. Faço questão de dividi-la com vocês:
ResponderExcluirMaranhão, querido,
a foto do seu post de hoje, a famosa cruz dos eixos que se cruzam no início de Brasília, é do não menos famoso (para nós, brasilienses de adoção, como eu) fotógrafo Mário Fontenelle, piauiense que por acá aportou desde o primeiro dia da construção, e que morreu em 1986 deixando uma cobertura significativa da construção da capital. Suas fotos, marcantes, foram e são usadas sem que jamais ele tenha recebido os direitos autorais. Morreu pobre e abandonado num asilo aqui em brasília. Em 1988 os amigos de Fontenelle publicaram o livro "minha mala, meu destino", livro com algumas das muitas fotos do Fontenelle.
Seu blog está ótimo. Parabéns!
Mauro Di Deus
Gostei do texto.
ResponderExcluirAbraços,
"Justo a cidade do país onde se concentra o maior número de políticos por metro quadrado, não consegue encontrar um que sirva para lhe salvar do caos. É uma contradição, uma dura e triste contradição."
ResponderExcluirNão creio que seja contradição. Qualquer pessoa que lida na cozinha sabe que, fruto podre no meio de fruto bom apodrece os demais.
Enquanto houver "politicagem" em brasília, ela será assim, em letra minúscula, contaminada pelos frutos podres. Há que salvar quem ainda não está apodrecido.