segunda-feira, 3 de março de 2014

O cinema de Alain Resnais

Alain Resnais
Naquele  tempo, havia um cinema que nos recebia sempre as dez da noite. Éramos todos iguais. Jovens, ávidos de vida, de emoções, de ídolos e de novas histórias. Nossa trilha sonora era comum e desigual. Era universal. Assim como os sonhos e as palavras. O cinema era nosso território de amores e revoluções. 

Nas noites de sexta à noite, nos juntávamos numa plateia de cinéfilos enebriados com a projeção da luz em movimento na tela grande. Em nossa frente desfilavam vilões e mocinhos. Música e poesia. Dor, aventura e paixão. O cinema era a música do nosso baile juvenil.  Nos fazia rir e chorar com a mesma velocidade. E alimentava horas a fio de discussões que expunham a nossa alma e a nossa pouca vivência. Numa dessas noites, conheci Alain Resnais e seu "Hiroshima mon amour". Uma beleza doída, nuclear. Uma beleza trágica. Uma poesia pós-bomba atômica. Um soco poético no estômago.


Os corpos dos amantes sobrevivendo à dor. Os corpos cheios de dor nuclear, nem sempre sobrevivendo ao calor real. O plano sequência que nunca mais esqueci, me levou pelas ruas de uma cidade destruída  me mostrou as vísceras de uma civilização que inaugurava o horror moderno. De tudo,  quem sobreviveu foi persistência de um contador de história, um inversor da realidade, um conversor de tempos. Resnais, o mago do abstrato real.

Depois, um pouco mais tarde, tive certeza de que estive diante de um gênio do cinema. Um poeta que escrevia no passado e no presente, pra confundir, mais do que para esclarecer, pra fazer mágica, em resumo. Alain Resnais, aos 91 anos de idade e mais inventivo do que nunca, nos deixou este sábado.


Sua obra está além do tempo. Nem presente, nem futuro. Talvez, um pretérito imperfeito, como em "O ano passado em Marienbad".



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