segunda-feira, 3 de março de 2014

Nem o chope eu bebi

Por Matta Machado* 


Como costumava acontecer, a cada chegada do carnaval uma marchinha fazia sucesso. Naquela época fiquei intrigado com a incompreendida letra “nem o chope que bebi - nem o chope, conseguiu me libertar dessa mulher”.

As pessoas com um braço para cima e o outro envolvendo alguém a cantar e a pular. E o estribilho misterioso, martelando a cabeça do menino de cinco anos: “... nem o chope que eu bebi, nem o chope…”

- Meu Deus, que vem a ser chope?

Assim fui carregando essa dúvida por longos e vagarosos dias, sem ocasião de socorrer-me a um adulto para explicações.

Morávamos a dez horas de Belo Horizonte - em tempo seco - para onde corriam românticas e eficientes “jardineiras”. Era sempre uma festa quando as víamos chegar numa nuvem de poeira entre três e quatro da tarde, apinhadas de gente, balançando nas curvas, inclinando seus abarrotados bagageiros ao alto.

De Belo Horizonte a Ferros, vencendo a fria, solitária, bela e inesquecível Serra do Cipó, chegávamos a Morro do Pilar, depois a Carmésia, e por fim, Ferros, através da ziguezagueante estradinha que teimava em nos fazer enjoar.

Em Morro do Pilar, parada de ônibus. Lugarzinho frio, onde se serviam ótimas refeições. O broto de samambaia da serra era sua marca registrada. Em longas mesas colocavam-se os pratos da saborosa comida. Ao menor sinal de que iam ficando vazias as travessas, exigentes fregueses ordenavam: “reforma estas aqui”.

As paradas serviam, não só para tratar da fome e para descansar da longa jornada, mas para atualizar notícias em animadas conversas, às vezes com uma pinguinha do lado.

Matta Machado
Viajei com meu pai de Ferros a Belo Horizonte. Ao passar por Morro do Pilar, pude ver muitas mesas no restaurante vazio ainda, forradas com toalhas vermelhas. Lá estavam, em cada uma delas, estranhas garrafas feitas de vidro gomoso, com umas tampas brilhantes e uma coisa branca dentro. Esclamei de mim para mim: Eis aqui o tal chope!

Em repetidas visitas aos bares e restaurantes de Belo Horizonte, como fiel acompanhante de meu pai, gostei de ver o verdadeiro chope, servidos em grandes canecas, acompanhados do simpático disco de papelão.

E fiquei pensando que era um desperdício, todas aquelas garrafas de tampas brilhantes, apenas para colocar açúcar.

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