domingo, 1 de abril de 2012

Era pra ser mentira

Carlão 
Quando o telefone celular tocou, à uma e pouco da manhã, levei um susto. E ele tornou-se maior ainda quando vi que era a Mara. O coração disparou. A Mara chorando e falando algo que eu não entendia, pelo choro, me jogou num abismo. Mil possibilidades, todas trágicas.

Longos segundos, quase uma eternidade, até Mariana tomar-lhe o telefone e me dizer, de bate e pronto: Pai, o tio Carlão se foi...

Como se foi? Se foi pra onde? A essa hora da madrugada? Pai... O tio Carlão sofreu um enfarte e não resistiu. Era a Mariana, do jeito dela, também nervosa, mas racionalizando a notícia que a Mara não conseguia me dar.

Vivi um silêncio ensurdecedor vindo lá do fundo da minha alma. Não era hora do Carlão ir. Mas a cabeça não funciona direito nestas situações. Mariana desligou o telefone sem perceber que eu não voltei a falar com a Mara. Andei no quarto escuro sem saber direito o que fazer, nem pra onde ir. O Carlão...

Voltei ao telefone. Liguei pra Mariana. Pedi para falar com a Mara. Acalmei-a. Sim, vamos pra lá, vamos ficar perto da Lisete, das meninas e do Carlão. Mas antes de tudo, se acalme, você vai precisar estar inteira.

De prático: mudança de rota, ao invés de Campinas - Brasília, Campinas - Porto Alegre e, depois, Santo Ângelo. Antes disso, um pedido de ajuda para alterar o horário de quem iria me levar de Machado (sul de Minas) a Campinas. A saída, marcada para as seis da manhã, agora precisava ser o mais rápido possível.

O tempo passa mais rápido do que a gente pode imaginar. Meu sono foi-se embora. Me restava o silêncio do quarto de hotel e o pensamento longe.

Conheço o Carlão há pelo menos 30 anos. Desde o primeiro dia em que fui morar com a Mara, ainda nos tempos da universidade. Quando eu cheguei, ela já namorava e morava com a Lisete. Formamos um quarteto. Iguais, sendo diferentes, aprendemos a nos gostar.

Férias em Fortaleza: Mariana, Gabriel Lisete, Camila,
eu, Júlia e Carlão
Nesses tempo todo, não me lembro de ter passado um ano sem estar junto deles. Primeiro, Carlão e Lisete. Depois vieram nossas crianças e as crianças deles. Juntos, eu e Carlão consertamos antenas de televisão, cortamos os pelos do cachorro da Dona Maria (nossa sogra), desmontamos chuveiros que não funcionavam, bebemos cerveja, comemos churrasco, rimos muito, nos socorremos quando foi preciso, choramos um pouco, fomos à praia, compusemos música... Juntos, vivemos uma vida intensa.

Carlão, Júlia, Mara e Gabriel
Em janeiro passado estivemos juntos pela última vez. A vida pedia novos planos e Carlão os tinha de sobra. Não deu tempo. Carlão antecipou a partida sem dar sinal de alerta. Acabara de chegar de uma festa,  subiu para o quarto, não teve tempo de ligar a TV. Ao entrar no quarto, Lisete o encontrou, já sem vida, no chão. No calendário e no relógio o primeiro de abril já vigorava.

Longa jornada, boa companhia
Sentado aqui no aeroporto, à espera de um vôo que me leve ao sul, tenho a convicção de que será um longo dia. E como eu queria que tudo não passasse de uma grande mentira de primeiro de abril. Como eu queria...


2 comentários:

  1. Sinto muito pela perda. A vida tem muito de surpresas, mas também tem muito de sustos. O pior dos sustos são as dores que vem com eles. Um abraço prá você,Mara, Mariana e Gabriel.

    ResponderExcluir
  2. Maranhão, há pelo menos 03 férias em Garopaba ouvia suas histórias e de Mara do saudoso Carlão. Histórias para morrer de rir, era divertido simplesmente ouvir. No último verão, Juliana e eu finalmente conhecemos Carlão, parecia que fazia um tempo danado de contato. Ouvi, falei, ri. Infelizmente meu único contato, mas valeu a pena porque vou guardar do Camarada Carlão as tantas histórias engraçadas de um Gauchão sangue bom. Carlão, onde você estiver, saibas que vou guardar boas lembranças de ti.

    ResponderExcluir