Por Eliane Oliveira di Quarto*
Era outubro de 2001. Eu e Andrea, meu marido, fomos ao Brasil por 2 meses e nas nossas andanças, levando vida de turista, ouvimos muito Ana Carolina. Mudava a frequência do rádio, entrava num bar, entrava em outro, e lá estava ela com “Quem de nós dois”. Andrea, quando ouviu pela primeira vez, logo disse que era uma música italiana. Quatro anos depois, o acaso juntou Andrea e Gianluca Grignani, o autor da canção italiana, “La mia storia tra le dita”, que traduzindo seria “A minha hitória entre os dedos”. Como não existe tradução fiel, mas tradução possível, penso que o título em português funciona bem com a letra.
Andrea e Grignani viajavam de carro para a Toscana. Missão: recuperar um troféu que foi dado a Grignani alguns anos antes e que ele, por protesto, não compareceu a cerimônia de entrega. Depois de um tempo se arrependeu. Através da revista onde o Andrea trabalha conseguiram localizar com quem estava “quel benedeto premio”. Tinha ido parar nas mãos de uma fã. Ela, só pela felicidade de ver o seu ídolo na porta de casa, aceitou, de bom grado, devolver o troféu. Lá foi o Andrea acompanhar toda a história para uma matéria.
Duarante a viagem, no meio da estrada, Andrea lança a pergunta meio que a queima roupa: “Cosa ne pensi della versione brasiliana della tua canzone?” Grignani é um tipo nervoso, elétrico e de nariz arrebitado. Antes não tivesse perguntado. Enfurecido e sem economizar palavrões, revelou que não viu um centavo dos direitos autorais sobre a sua música, coisa que na Itália seria impensável. Os “elogios” que dispensou a Ana Carolina? Melhor não comentar!
Alguns meses depois, no verão de 2005, eu estava nos correios, na fila com Lorenzo, meu filho, ainda pequeno. Impaciente com aquela coisa de gente grande, que não o interessava minimamente, começou a reclamar. Para mantê-lo calmo, enquanto esperava a nossa vez, tirei da manga o meu truque que sempre funcionava e comecei a cantarolar: “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”
Lorenzo começou a rir, junto com a moça do guichê. “Ah! Non sapevo che esisteva questa canzone in portoghese”. O que, na verdade, a moça não sabia é que a canção é, originalmente, em português embora a versão italiana seja um amor.
São tantos os encontros e o entrelaçar da cultura brasiliera com a italiana... Costumo dizer que por aqui tem muita gente “doente de Brasil”. Gente que nunca foi ao Brasil ou que foi poucas vezes e sabe a memória de que ano é a música tal, em que CD e por quantos cantores mais foi gravada.
Daquele momento em diante comecei a procurar as versões italianas das músicas brasileiras. Algumas usava como referência nas minhas aulas de português. A mais bonita delas, pra mim, ainda é “Trê Uomini”, a tradução de “Terezinha” de Chico Buarque. É uma versão belisima, da década de 80,que não deixa nada a desejar ao original da canção brasiliera. Colhe a alma da obra de Chico, como só Ornella Vanoni poderia fazer. A música saiu no CD “Roba di Amilcar” com edição limitada. De fato, são poucos os italianos que a conhecem.
Na versão italiana o segundo homem vem de uma osteria, ao invés de um bar, como no texto em português. Osteria, do antigo francês “Oste”, que por sua vez vem do latim “hospite”. A etimologia da denominação conduz à idéia de hospitalidade. Hoje, uma “Osteria” é um lugar onde se vende, principalmente, vinho.
Na canção original o terceiro homem instalou-se feito um posseiro. Conceito dificil de explicar aos italianos que, sobre posseiros, conhecem pouco. Lembro um dia, quando um aluno me perguntou: “posseiro? Come può prendere una terra che non é sua? Non capisco”. Vale dizer que, mesmo quando eles, os italianos, não entendem, amam a música brasileira. Vai ver é porque, quase sempre, amar não requer entendimento.
*Eliane Oliveira di Quarto é uma querida amiga, jornalista, brasileira, radicada há muitos anos em Milão, na Itália. Eliane é casada como Andrea, editor italiano; e mãe de Lorenzo e Sophia (que aparece agarradinha com ela, na foto aí ao lado).
Olá Eliane,
ResponderExcluirA Itália e o Brasil são enamorados um do outro. Gostamos do jeito do povo de lá como eles gostam do jeito do povo daqui. Os idiomas são extremamente sonoros, o que facilita a troca de melodias. Incrível é que mesmo que a música seja a mesma, o idioma torna-a singular e especialmente bonita. adoro essa partilha!